A série dos orixás que estou mantendo nesta Folha está chegando perto de seu término. Isso, simples, não significa que eu vá parar de redigir sobre orixás —seria o equivalente a alguém anunciar que vai parar de respirar porque já respirou bastante. Mas significa que não estarei mais tão submisso a uma sequência. A vida não funciona assim, logo por que minha poste funcionaria? Isso que comecei a pensar antes de redigir nascente texto.
Na verdade, preciso expor a vocês que essa série nasceu de forma tanto ocasional quanto estratégica. Ocasional porque eu não estava pensando em iniciá-la, até iniciá-la. Quando escrevi um texto sobre Iansã, logo depois um texto sobre Oxaguiã, percebi que se escrevesse sobre mais uma potestade dissemelhante na semana seguinte faria uma sequência inédita e, simples, inesperada até por mim.
Esta poste se tornou pertinente, a ponto de justificar o esforço dessa ordem, quando paralelamente a isso enviei um livro para publicação na editora Caminho, em Portugal. O livro é a reunião dos artigos publicados neste espaço desde 2019. Enviei os textos em ordem cronológica para meu editor Zeferino Coelho ler. Por ser tanto material —é impressionante ver o que é a soma de cinco anos de texto por semana— e, portanto, tão maleável a diferentes ideias possíveis sobre temas e formatos, aguardo ansiosa as notícias do meu editor, por quem me sinto honrada em poder trabalhar junto.
Daí que se um formato provável fosse uma seleção de textos relacionados aos orixás, eu precisaria me preparar para seguir em frente, pois aprendi no terreiro que todas as yabás, orixás femininas, e todos os obóros, orixás masculinos, devem ser reverenciados.
Acho curioso pensar com antecedência numa mera hipótese, mas percebo que foi um alinhamento provável entre manter uma poste semanal, entregar livro, preparar lição, viajar, autografar livro, ser mãe. Minhas deusas sabem que eu preciso agir equilibrando trabalhos e oportunidades. Inclusive, quero agradecer ao jornal por essa troca que possibilitou isso. Se não tivesse a disciplina da poste semanal, provavelmente teria escrito muito menos.
Pilastra semanal é porquê a Lua: às vezes, você está enxurrada de ideias; outras, introspectiva, minguando sentimentos. Tem dias em que redigir é uma delícia, mas, em outros, essa provocação estável de transformar pensamentos em palavras publicadas parece um trabalho de faculdade sobre um tema que você detesta, que é irritante, mas necessário. Sou grata a meu pai Ogum pela força nessa maratona.
Depois do quarto e quinto texto, esta série se tornou curiosa. Comecei a pensar porquê seria uma exposição com ilustrações dos orixás feitas pela ilustradora deste espaço, Aline Prelado. Era um traçado mais lindo que o outro que vinha sendo publicado e isso me levou a pensar.
Neste caso, porquê autora, eu deixaria sua originalidade limitada se não trouxesse a caça. Enfim, porquê eu veria um quadro sobre Ossaim, orixá de cabeça de Aline, se ainda não havia escrito sobre ele? A certeza de que o resultado das ilustrações seria presente para toda a comunidade, precisei me conectar mentalmente com essa sumptuoso artista brasileira.
Daí também que essa série se mostrou uma prelecção sábia para mim, pois precisei trespassar da zona do conforto e relacioná-las a uma taxa da semana. Esse manobra inevitável me ajudou muito nas aulas na Universidade de Novidade York, expandindo uma forma de refletir sobre um tópico. Aprendi muito e conheci bibliografias novas.
A vasta produção intelectual que o Brasil tem sobre os orixás e as religiões de matriz africana, desde as mães e pais de santo, até pesquisadores, romancistas (ou pessoas que são tudo isso ao mesmo tempo), posiciona a pesquisa brasileira em um compasso de estudo completamente inovador quando debatemos raça, gênero, classe, colonialismo, imperialismo, entre inúmeros outros temas, na companhia de colegas do setentrião global. Pois não só o Brasil produz, porquê essa produção é articulada pelo pensamento feminista preto há décadas.
Sendo filha de Oxóssi e percebendo a caça, precisei estudar e me preparar a ela. Mas, realmente, até a programação tem limite, logo me permiti me rebelar à ordem de reflexão conforme a ordem dos e das orixás no xirê. Uma vez que Exu é o desorganizador da ordem e organizador da desordem, saio dessa experiência satisfeita.
Pelas minhas contas, faltam Nanã, Ayrá e Oxalá. Aí uma novidade dança vai se iniciar neste espaço.
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