Vinte Anos Após Sua Morte, Bezerra Da Silva é Celebrado

Vinte anos após sua morte, Bezerra da Silva é celebrado por parceiros

Brasil

Neste sábado (18), a partir das 13 horas, haverá uma grande sarau em Mesquita (RJ). Caravanas de São Paulo, Minas Gerais e do Espírito Santo são esperadas na cidade da Baixada Fluminense. Toda essa gente, junto com locais e moradores de outras partes do Rio de Janeiro, vai se encontrar no Espaço JS1 para uma feijoada regada a muito samba em homenagem ao cantor, compositor e músico multi-instrumentista Bezerra da Silva, morto há exatos 20 anos.

O encontro iniciado na tarde de sábado deverá terminar no domingo com churrasco. “Serão praticamente dois dias de sarau, entendeu? A gente canta samba à vontade, inédito e gravado, e faz aquela reverência ao nosso rabino.” As expectativas de duração da sarau e também do público presente são de Roxinho, responsável de Transação de Malandro e A Semente – um dos grandes clássicos do sambista –, entre outros sambas gravados por Bezerra.

Feijoada e churrasco marcam também os 12 anos de funcionamento do Q.G. dos Compositores e Amigos do Bezerra da Silva, que também funciona em Mesquita. O invitação está nas redes sociais, o evento é para todos, mas não deve eclodir nenhum “cagoete”, “bicho”, “mané” ou “otário”. Esses tipos da linguagem informal, muito peculiar em segmento do Rio de Janeiro, são detestados pelo sistema planetário de sambistas que ainda orbita Bezerra.

“Bizerrês”


Brasília (DF) 17/01/2025 - No dia 23 de fevereiro de 1927 nascia no Recife, em Permanbuco, José Bezerra da Silva, cantor e compositor considerado o embaixador dos morros e favelas.
Foto: Gravadora RCA
Brasília (DF) 17/01/2025 - No dia 23 de fevereiro de 1927 nascia no Recife, em Permanbuco, José Bezerra da Silva, cantor e compositor considerado o embaixador dos morros e favelas.
Foto: Gravadora RCA

Bezerra nasceu no dia 23 de fevereiro de 1927 no Recife. Mas foi no Rio de Janeiro que fez curso com a música. Foto: Gravadora RCA

“De cagoete, ninguém gosta. É uma praga, coisa ruim. Não vê na polícia? Tem sempre um safado lá pra dedurar, pra expor qual é paradinha do irmão”, explica o compositor Tião Miranda, responsável de Língua de Tamanduá, samba cantado por Bezerra da Silva no disco Alô Malandrice, Maloca o Flagrante, de 1986. A melodia é mormente dedicada aos delatores ou “traíras”, “dedos de seta”, “dedos de radar”, “línguas nervosas”, conforme o léxico de Bezerra da Silva.

“Bicho”, no mesmo léxico, é vagabundo e até bandido. “É quem não quer zero, não quer trabalhar, não faz zero. É quem dá tiro na polícia, mata os outros quando vai assaltar”, traduz Tião Miranda. “Malandro demais vira bicho”, alertava Bezerra no samba Os Federais Estão Te Filmando, assinado por Silva Jr. e gravado em 1993.

“Mané” e “otário” são sinônimos, e no “bizerrês” querem expor um pouco mais do que tolo ou ingênuo. “O otário é aquele face que te dá um bote. Pede quantia emprestado a você, e não te paga. Tudo que ele faz está inexacto”, descreve o compositor Enedir Vieira Dantas, mais divulgado uma vez que Pinga entre as rodas de samba da Baixada Fluminense e responsável de músicas uma vez que Quem Usa Antena é Televisão, feita em parceria com Celsinho da Barra Fundíbulo e gravada por Bezerra da Silva em 1986.

Para entender mesmo o que é otário ou mané é preciso consultar a versão de antônimos do Léxico de Bizerrês. As duas palavras são usadas em diferentes músicas uma vez que o contrário de malandro. Finalmente “malandro é malandro e mané é mané”, uma vez que há anos explica a letra de Neguinho da Beija-Flor, registrada na voz de Bezerra da Silva em disco de 2000.


Brasília (DF) 17/01/2025 - Reprodução da capa e contracapa do LP “Eu não sou santo”, gravado por Bezerra da Silva em 1990.
Foto: Gravadora RCA
Brasília (DF) 17/01/2025 - Reprodução da capa e contracapa do LP “Eu não sou santo”, gravado por Bezerra da Silva em 1990.
Foto: Gravadora RCA

Bezerra dava voz aos moradores da periferia do Rio de Janeiro, cantava a malandrice e condenava os “caguetas”. Foto:  Gravadora RCA

O malandro do Bezerra

O malandro é o principal personagem de Bezerra da Silva. Era o mensageiro das favelas, o historiógrafo da vida das pessoas que moram nas periferias e nas comunidades mais pobres. A história de Bezerra da Silva o habilita para essas atribuições. Ele viveu os problemas que retratou em canções próprias ou do grupo de amigos compositores uma vez que Roxinho, Tião e Pinga.

Batizado no Recife uma vez que José Bezerra da Silva, foi menosprezado pelo pai antes de nascer em fevereiro de 1927. Uma vez que ainda acontece com alguns brasileiros, só obteve registro social tardiamente, aos 15 anos, quando foi trabalhar na Marinha Mercante – de onde foi expulso ao denunciar tentativa de assédio sexual de um solene.

Ainda juvenil, imigra clandestinamente para o Rio de Janeiro para localizar o pai. Encontra, mas o convívio na morada do progenitor durou menos de uma semana. Sozinho no Rio, vai trabalhar na construção social. Sem quantia para alugar uma morada, dorme nas obras onde trabalhava. Adulto jovem, se morada pela primeira vez e vai morar no Morro do Cantagalo. Terminado o relacionamento, Bezerra da Silva vira morador de rua por mais de seis anos em Copacabana.

“Eu me identifiquei muito com a veras do Bezerra, porque eu tenho uma origem humilde, sou fruto de uma empregada doméstica. Meu pai é um vendedor da [Rua] 25 de março [em São Paulo]. E eu nasci, cresci e ainda resido cá em Carapicuíba [cidade periférica na Região Metropolitana de São Paulo]”, conta o historiador Eder Sedano, responsável do livro Bezerra da Silva: Música, malandrice e resistência nos morros e subúrbios cariocas. Apesar de ter o livro publicado e o doutorado concluído, ele procura trabalho há mais de um ano para complementar a renda.

Estagnado para averiguações

As dificuldades de Bezerra começam a ser superadas quando ele passa a se destinar mais à música, conforme aconselhamento recebido de uma entidade em um terreiro de umbanda, e volta ao trabalho na construção social. Desde muchacho, ele tinha interesse pela música, mas a família o proibia de aprender e tocar. Tornando-se músico profissional, Bezerra da Silva faz percussão nos conjuntos que acompanharam Clementina de Jesus, Marlene, Elizeth Cardoso e Roberto Ribeiro. É convidado para tocar na orquestra de shows do Canecão e mais tarde na orquestra da Rede Mundo. Fica na emissora por oito anos e lá tem pela primeira vez a carteira de trabalho assinada, documento que lhe fez falta nas 21 vezes que foi suspenso pela polícia para averiguações.


Brasília (DF) 17/01/2025 - No dia 23 de fevereiro de 1927 nascia no Recife, em Permanbuco, José Bezerra da Silva, cantor e compositor considerado o embaixador dos morros e favelas.
Foto: Gravadora RCA
Brasília (DF) 17/01/2025 - No dia 23 de fevereiro de 1927 nascia no Recife, em Permanbuco, José Bezerra da Silva, cantor e compositor considerado o embaixador dos morros e favelas.
Foto: Gravadora RCA

Bezerra estudou violão clássico por oito anos, tocava piano, percussão e aprendeu a tocar saxofone para mourejar com problemas respiratórios. Foto: Gravadora RCA

“Eu acho que a grande prelecção de Bezerra da Silva é uma vez que o Estado lida com os pobres, efetivamente. E a criminalização é um dos instrumentos disponíveis para isso”, aponta o jurisconsulto e rabino em linguística Yuri Brito Santos, morador de Salvador. Para ele, Bezerra mostraria que esse segmento marginalizado da sociedade é considerado suspeito até que se prove o contrário. “A premissa do princípio da inocência, do Estado Democrático de Recta… isso não se aplica às comunidades carentes cuja voz ele ecoa através da música.”

Na opinião de Santos, que escreveu o livro Bezerra da Silva: A Criminologia na Voz do Morro, o sambista cantava um Brasil mais cru, menos atrelado à visão folclórica de um país amistoso. “O que a gente encontra é um Brasil hostil, em vários sentidos, e para as mais variadas pessoas. E aí Bezerra canta também essa veras. Ele brinca, tem o lado cômico, que também é muito próprio de nossa cultura.”

Partido cimeira

Bezerra da Silva entra no estúdio pela primeira vez no início dos anos 1970, gravando coco, gênero músico tradicional do Setentrião e Nordeste do Brasil. Algumas dessas músicas são gravadas por Jackson do Pandeiro. Mas o sucesso e o reconhecimento do público só chega no final daquela dezena, quando se torna cantor e compositor de Partido Eminente.

“Bezerra da Silva acabou criando, com o Dicró, uma linguagem irônica, bem-humorada e que falava muito desse dia a dia das comunidades e das pessoas mais simples. Era um samba muito swingado também, muito muito feito”, atesta o cantor e compositor Roberto Frejat. Em meados dos anos 1990, quando ainda fazia segmento da orquestra Barão Vermelho, regravou um sucesso de Bezerra: Malandrice, Dá Um Tempo, composta por Adelzonilton Barbosa da Silva, também de Mesquita e já falecido.

“Foi uma gravação muito feliz, no final das contas. Ela fez bastante sucesso, tocou bastante no rádio e foi uma coisa que ajudou muito a curso do Bezerra, [digo] sem pretensão alguma. Ele, algumas vezes, me agradeceu por isso, porque essa música o trouxe de volta para a cena, todos nós ficamos muito felizes por isso. E, a partir dali, a gente desenvolveu uma relação de amizade muito bacana”, recorda-se Frejat em entrevista à Filial Brasil.

Além de tocar percussão, Bezerra da Silva estudou violão clássico por oito anos, sabia tocar piano e, quando ficou doente com problemas respiratórios, aprendeu a tocar sax para exercitar os pulmões.

O cantor, compositor e músico multi-instrumentista faleceu em 17 de janeiro de 2005, aos 77 anos, posteriormente complicações nos pulmões. Seu último trabalho, Caminho da Luz, no estilo gospel, foi lançado postumamente.

O mesmo Bezerra, que já havia tecido críticas a pastores evangélicos em O Bom Pastor, de 1989, e O Pastor Trambiqueiro, de 1991, tornou-se evangélico neopentecostal no término da vida. Talvez essa reviravolta merecesse um último samba, mas Bezerra não estaria mais cá para cantá-lo. Coube a Tião Miranda, portanto, uma versão do que pode ter sido a malandrice final do parceiro. “Bezerra morreu em Cristo, graças a Deus. Nessa aí o diabo levou uma rasteira lítico.”


Fonte EBC

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