A garantia da posse da terreno é o maior duelo de comunidades quilombolas. Esse é o principal recado que moradores de quilombos do Rio de Janeiro fizeram questão de frisar para representantes de órgãos do poder público que participaram do Seminário Quilombola Nego Papa, nesta semana, no Rio de Janeiro.
O encontro promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro leva no nome a homenagem a um dos maiores intelectuais quilombolas do país. O evento reuniu líderes comunitários que puderam expressar as principais dificuldades e necessidades enfrentadas pelos territórios uma vez ocupados por negros escravizados e descendentes. Foram convidadas autoridades do Poder Judiciário, de ministérios e do Instituto Vernáculo de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que trata de titularização das comunidades quilombolas.
Lucimara Muniz vive no quilombo de Custodópolis, em Campos de Goytacazes, no setentrião do estado do Rio. Ela enfrentou a intervalo de aproximadamente 280 quilômetros para estar no seminário e denunciar o que considera o maior problema da população quilombola.
“A questão da demarcação fundiária das terras quilombolas é o ponto chave, objetivo principal para as comunidades, porque se você não tiver o recta da terreno, as comunidades, principalmente as lideranças, ficam incessantemente ameaçadas. As outras pessoas que ajudam as lideranças também sofrem prenúncio”, disse à Filial Brasil.
Lucimara relatou o caso de um líder ameaçado que, além de perder o território, “acabou perdendo o recta à cidade” e a liberdade de ir e vir.
“Conheço o caso de um líder que mora dentro de um coche porque ele não pode ir ao território dele nem marchar pela cidade para visitar a família. Quando ele vai, vai escondido. É uma pessoa que perdeu o recta de ir e vir”, conta a integrante da Coordenação Vernáculo de Pronunciação de Quilombos (Conaq).
Lucimara aponta a especulação imobiliária e o progressão da fronteira agrícola porquê causadores dessa perda de território por segmento de descendentes de escravizados. Ela cita o incidente do assassínio de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, em agosto de 2023, para expor que o problema não se limita ao Rio de Janeiro. Mãe Bernadete era líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador.
Mulheres
A situação de instabilidade de quilombolas é agravada quando se trata de ser mulher, diz Rejane Maria de Oliveira, do quilombo Maria Joaquina, em Cabo Insensível, a 3,5 horas de coche da capital do Rio de Janeiro.
“Quem fica mais em morada é a mulher negra, porque existe um racismo grande em que as portas de tarefa não se abrem. Ela acaba ficando dentro do território, cuidando dos filhos, da terreno, e é ela que vê o território ser descaracterizado, sendo tomado”, diz a integrante da Conaq.
“O ataque vem duas vezes mais potente porque somos mulheres. A prenúncio e a raiva vêm duas vezes mais fortes porque somos mulheres”, disse à Filial Brasil.
Rejane enfatiza, no entanto, que as mulheres não se deixam derrotar facilmente. Ela cita o exemplo de Dandara dos Palmares, companheira do herói preto Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1965. “A terreno pela qual estamos lutando hoje é para aqueles que ainda não nasceram”.
Ancestralidade
No conjunto de diálogos dos representantes quilombolas, uma vocábulo diversas vezes pronunciada com ênfase é “ancestralidade”. Para os líderes dos movimentos, é porquê se fosse uma força interna que os mantêm vivos em uma guerra por direitos.
Natalia Lima representa uma geração de jovens dispostos a resistir e combater desigualdades. Ela é do quilombo Boa Esperança, no município de Areeiro, no centro-sul fluminense, a respeito de 50 quilômetros do Rio de Janeiro.
“Houve pessoas lá detrás que lutaram muito, e a gente sabe da luta dos nossos ancestrais, nossos avós. Hoje, vendo o mundo do jeito que está, não tem porquê concordar. Somos um povo preto que tem que resistir a todo momento. A força da ancestralidade é uma coisa viva”.
População quilombola
De entendimento com o Recenseamento 2022, o Brasil tem tapume de 1,33 milhão de quilombolas, o que representa 0,66% da população brasileira. Desse universo, 87% (1,07 milhão) vivem fora de territórios oficialmente reconhecidos. Há presença de quilombolas em 1,7 milénio municípios brasileiros.
Os desafios dos quilombolas não terminam com a titularidade da terreno. A presidente da Associação das Comunidades Remanescente de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, acredita que não basta possuir a garantia de propriedade do território.
“Depois que a gente consegue ocupar o título da terreno, tem que possuir as políticas públicas para a comunidade”, defendeu à Filial Brasil. “A gente precisa das políticas públicas dentro da comunidade antes e depois do título da terreno”.
Bia lista porquê principais carências políticas o aproximação à saúde pública e a presença da instrução quilombola dentro dos territórios.
“Enquanto a gente não conseguir, dentro da comunidade, fazer esse trabalho de conscientização com as crianças e com os jovens, a gente não consegue se fortalecer. Quando o jovem está dentro da sala de lição e começa a se reconhecer, a se pertencer, fica muito mais fácil para ele entender depois, do lado de fora da comunidade, quem ele é”.
A Acquilerj reúne mais de 50 comunidades tradicionais. Bia Nunes acrescenta que a elaboração de políticas não pode ser uma coisa imposta aos quilombolas.
“Às vezes chega alguma política pública que não atende a determinada premência porque a coisa já foi formada por quem não sente [a necessidade]. Quando é feita por quem não sente, ela não nos atende”.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro conduz um programa que realiza visitas em comunidades tradicionais. Além de prestar assistências coletivas aos quilombos, também há atendimentos individualizados para resolver questões porquê divórcios, guarda de crianças e emissão de documentos, por exemplo. Serviços simples, mas que se tornam mais complicados em comunidades muitas vezes distantes de grandes centros.
Representatividade
Mulher negra, a defensora Daniele da Silva de Magalhães comanda a Coordenadoria da Promoção da Isenção Racial da Defensoria. Ela pleiteia que o poder público tenha cada vez mais representatividade, porquê o caso dela.
“A gente consegue institucionalizar a dor de 56% da população. O que eu faço é o que eu sinto”, ressalta, fazendo referência ao percentual de pretos e pardos na população brasileira.
“Às vezes, ao final do meu dia, eu estou exaurida emocionalmente porque eu não falo de um pouco que é do outro. Eu falo de um pouco que é meu, é dos nossos, é dos meus”, completa.
Antirracismo
O Seminário Quilombola Nego Papa faz segmento da campanha 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo, criada por ativista do movimento preto com a missão de incentivar a luta antirracista em diferentes contextos.
A campanha foi idealizada para lembrar o Massacre de Shaperville, bairro de Johanesburgo, na África do Sul. Em um protesto realizado em 21 de março de 1960, jovens negros realizaram uma marcha contra a Lei do Passe, que os obrigava a usar uma caderneta na qual estava determinado aonde eles poderiam ir, assim porquê a obrigatoriedade do ensino do africaner, a língua do opressor. Foram 63 jovens mortos e 186 feridos.
Nego Papa
Antonio Papa dos Santos, o Nego Papa, morreu em 3 de dezembro do ano pretérito, aos 63 anos. Nascido no Vale do Rio Berlengas, no Piauí, em um povoado onde hoje fica a cidade de Francinópolis, Nego Papa era considerado um dos maiores intelectuais quilombolas do país, tendo publicado dois livros Quilombos, modos e significados (2007) e Colonização, Quilombos: modos e significados (2015), além de vários artigos e poemas.
Além da atividade intelectual, Papa atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI) e na Conaq.