Vitor Ramil Traz Poesia De Paulo Leminski Para Novo álbum

Vitor Ramil traz poesia de Paulo Leminski para novo álbum – 06/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Nos anos 1980, o poeta curitibano Paulo Leminski publicou um texto, quase manifesto, intitulado “Trova: Morreu a Literatura, Viva a Música Popular!”. Nele, o responsável dizia que a circulação de poemas se restringira à leitura de meia dúzia de pessoas e defendia que tal forma literária só atingiria a sua potência atada à música, arte representativa da identidade vernáculo. Ressaltava, ainda, a maneira porquê a música, aliada às cadeias rádio e TV, poderia chegar a um público mais abrangente.

Ao lançar agora o disco “Mantra Concreto”, Vitor Ramil concretiza o pensamento elaborado naquele texto. Durante os anos pandêmicos, o cantor e compositor gaúcho passou a musicar os poemas de Leminski, transformando o isolamento em surto criativo. Nas últimas semanas, o álbum tem escravizado as rodinhas de verso. “A obra do Leminski tem uma comunicabilidade instantânea”, diz Ramil, por videochamada.

Por ironia, o responsável de “Caprichos & Relaxos”, de 1983, e “Distraídos Venceremos”, de 1987, não precisava da música para despertar o interesse do leitorado. Em 2013, a publicação de sua verso completa provocou um fenômeno mercantil no mercado literário, um pouco vasqueiro para um livro do gênero. Contribuíram para isso a preferência do responsável pela forma breve, o serviço da linguagem coloquial e a redescoberta de sua personalidade superabundante: fita preta de judô, Leminski era trotskista, zen-budista e falava 14 línguas.

Entre a verso concreta e a geração marginal, encontrou uma vocábulo direita. Espelhando o pensamento do poeta, a cobertura de “Mantra Concreto” indica que os poemas devem ter a capacidade de interromper o leitor. Ramil recriou um famoso edital, criado nos anos 1920 pelos vanguardistas russos Alexander Rodchenko e Vladimir Maiakovski. “É um exemplo de sofisticação gráfica, que traduz o espírito do disco”, afirma o compositor. As inflexões da fala, transformadas em quina, inserem uma novidade estrato semiologia às letras.

Mas, em “De Repente”, a fita de brecha do disco, há o soberania da interrupção de um oração. “Já disse de nós./ Já disse de mim./ Já disse do mundo./ Já disse agora,/ eu que já disse nunca./ Todo mundo sabe,/ eu já disse muito.” Os complementos do verbo proferir, tantas vezes repetidos, não expressam zero. O eu lírico fala de si e se estende ao mundo, sem encontrar sentido ao enunciado. Na coda, se ouve a voz do próprio poeta, numa gravação em que faz elogios à música.

A fita sonora apresenta uma cisão, com a ingresso tonitruante da bateria, das quais acento rítmico imprime tragicidade à inexpressão. A fala represada jorra, todavia, em “Administério”. “Nem haja susto no mundo/ Que me possa sustentar”. Ao ressoar a vocábulo “sustentar” alongando a última sílaba, o artista confirma a significação dos versos, porquê se o quina se soltasse do poema, e a vocábulo se soltasse no ar. Por isso, o refrão é cantado em falsete, o que deixa a sentimento de uma queda livre dos versos, estrofe em seguida estrofe.

Já em “Um Bom Poema”, Leminski mostra ser aquele equilibrista ou o samurai malandro, porquê escreveu a sátira literária Leyla Perrone-Moisés em um tentativa. “Um bom poema/ leva anos/ cinco jogando esfera/ mais cinco estudando sânscrito/ sete levando porrada.”

O compositor de canções também precisa se lastrar entre o som e o sentido, o que Ramil tira de letra. “Poemas eu musico rapidamente, porque, quando eu componho uma música, eu faço a música e, depois, a letra. Demoro muito escrevendo”, conta.

Nascido em Pelotas (ou Satolep, o anagrama que sempre usa em seu trabalho), o artista cresceu com a música. Seus irmãos mais velhos formam a dupla Kleiton e Kledir. Ramil é o fundador da Estética do Insensível, um movimento desencadeado pelo álbum “Ramilonga”, de 1997, e por uma conferência, apresentada na Suíça, que se tornou livro.

Todo o seu trabalho é orientado por essa estética, que procura o despojamento dos estereótipos do Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo que reconhece que a verdade gaúcha zero tem a ver com a tropicalidade brasileira, o artista reivindica a integração do estado ao resto do país.

“O Brasil, com as enchentes, viu o Rio Grande do Sul, um lugar que é habitado por negros e pobres, um lugar porquê todo o país”, afirma Ramil. Sua musicalidade abarca gêneros platinos, porquê a milonga, e, no lugar do violão de nylon, o compositor prefere dedilhar cordas de aço.

Também se caracteriza por um veio experimental, representado, em “Mantra Concreto”, pela incorporação de sons de gotas de absinto e de uma máquina de ortografar. Entre os seus principais discos, estão “Délibáb”, de 2010, e “Campos Neutrais”, lançado sete anos depois. Ramil publicou os livros “Pequod” (1999) e “A Primavera da Pontuação” (2014).

Suas canções entraram para o repertório dos principais intérpretes do país. “Estrela, Estrela” foi gravada por Gal Costa e Milton Promanação, uma de suas principais referências vocais. Ney Matogrosso já gravou “Invento” e “Astronauta Lírico”. Há dois anos, Ramil lançou o álbum “Avenida Angélica”, realizado a partir de poemas de sua conterrânea, Angélica Freitas.

“Eu tenho o maior prazer, por exemplo, de trovar a vocábulo ‘ovomaltine’ num refrão, porque a força da Angélica vem muito dessa simplicidade”, afirma o compositor.

É geral que poemas, quando musicados, causem ruídos, com um vocabulário dissemelhante daquele usado nos hits radiofônicos. Ramil se interessa também por esse soído. “O que eu quero com a Estética do Insensível é fazer com que a minha obra seja vista porquê brasileira”, diz ele. “Eu sentia angústia por não fazer um samba.”

Folha

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