Wes anderson emociona, mas se enrola em 'esquema fenício'

Wes Anderson emociona, mas se enrola em ‘Esquema Fenício’ – 27/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Há alguma coisa de velho em “O Esquema Fenício”. Um filme que, só pelo título, poderia se camuflar muito entre obras porquê “Uma Proeza na Martinica”, “Tensão em Xangai”, entre outros títulos brasileiros criativos para clássicos dos anos 1940.

Wes Anderson não está próximo à grandeza dessa era de ouro de Hollywood, mas, para arquitetar seu novo esquema, tomou emprestado o tom farsesco dessa estação para encenar a via-crúcis de um varão —o magnata Zsa-Zsa Korda, de Benicio Del Toro— que insiste em não morrer. Ou melhor, de um varão que, de tão próximo da morte, é obrigado a se confrontar com alguma coisa ainda mais inescapável, a família, para compreender sua resgate.

Não é tema estranho para o responsável de “Os Excêntricos Tenenbaums”, cujas histórias têm sempre pelo menos umas duas dúzias de personagens desajustados.

Por um lado, “O Esquema Fenício”, é o trabalho mais sentimental e violento do diretor em qualquer tempo, num roteiro que privilegia a resgate de Korda —um varão prático, enganador, mas não cínico— com sua filha, Liesl, uma noviça que, por sua vez, quer desenredar se ele matou ou não a mãe dela.

Por outro lado, a orquestração narrativa de Anderson —sem ousadias plásticas e um tanto enrolada—, impressiona menos que a dos três últimos projetos do diretor, que vinha numa boa temporada desde “A Crônica Francesa”.

Depois explorar os rincões desérticos dos Estados Unidos no formalista “Asteroid City”, agora o texano se debruça sobre a Grande Fenícia Independente Moderna —uma paisagem fictícia com traços de Líbano, Síria e Marrocos, dos quais nome remete a uma cultura remota, dessas que se lê pelas páginas da Bíblia.

Aliás, o catolicismo e o Macróbio Testamento é todo onipresente na jornada, sobretudo nos sonhos místicos que Korda tem toda vez que quase morre numa das armadilhas plantadas por um grupo de empresários americanos que quer rematar com sua riqueza.

Nesses episódios alegóricos, Korda se vê num julgamento etéreo, encontra suas três ex-mulheres mortas, sua avó e o próprio Deus —um Bill Murray toscamente barbado. Apesar de serem curtas, essas visões estão entre as melhores partes do filme. Reforçam o olhar folgazão e esteta de Anderson, em composições que remetem à bidimensionalidade dos ícones cristãos.

É quase uma trama à segmento, em paralelo à jornada burocrática de Liesl, Korda e de um estranho tutor, vivido por Michael Cera, pela Fenícia para que ele concretize seu projeto dos sonhos e tenha certeza de que a noviça será uma herdeira digna. O tal “esquema” do título é um cobiçoso empreendimento no deserto, com ferrovias e represas que, além de lhe trazerem riqueza, são um acerto de contas com sua puerícia pobre.

A folia não é barata e, em seguida ser sabotado pelos americanos, ele tem de recorrer a uma série de outros empresários da região para tapulhar o investimento —dentre eles, um meio-irmão maquiavélico, vivido por um hilário Benedict Cumberbatch, numa caracterização patética, que pode ou não ser o verdadeiro pai de Liesl.

Nessa saga, Anderson aposta num humor sombrio, até violento, com corpos explodindo, acidentes de avião, granadas, armas químicas em meio às suas “gags” visuais. É também quando brilham coadjuvantes porquê Jeffrey Wright, Tom Hanks e Mathieu Amalric, mesmo com pouco tempo de tela para seus personagens excêntricos.

Pode parecer complicado, e é mesmo. Anderson parece saber que vai confundir o testemunha, tanto que gasta os primeiros 15 minutos da trama antecipando, qual o sumário de um livro, um a um os objetivos de Korda, que ele mesmo organiza em várias caixas de sapato.

É um tanto autorreferente e, mais, talvez seja um dos prólogos mais fracos de seu cinema. São tantas cartas na mesa que vagar para a trama engatar. Essa falta de ritmo fica evidente na verificação com “O Grande Hotel Budapeste”, onde uma narrativa se costurava dentro da outra com facilidade. Cá, o excesso de ideias impõe uma sensação de incompletude, dada a maneira brusca com que certas subtramas são fechadas.

Passados esses tropeços, o testemunha menos impaciente poderá encontrar uma formosa reflexão sobre o que pode unir pessoas de éticas e culturas tão diferentes, sem banalizar a religião ou a ancestralidade. Basta a vontade de viver e de inventar mundos, coisas que nunca faltam a Wes Anderson.

Folha

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