Com números musicais inéditos, o filme de Luiz Guimarães de Castro conta a história do compositor de ‘Incendiar as velas’, ‘Diz que fui por aí’ e ‘Opinião’. Resenha de documentário músico da 16ª edição do festival In-Edit Brasil
Título: Eu sou o samba, mas pode me invocar de Zé Ketti
Direção: Luiz Guimarães de Castro
Roteiro: Bernardo Florin e Luiz Guimarães de Castro a partir de argumento de Aída Marques
Direção músico e arranjos: Jayme Vignoli
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ Sessões de Eu sou o samba, mas pode me invocar de Zé Ketti no 16º In-Edit Brasil :
* 13 de junho, às 18h – SP Cine Olido
* 19 de junho, às 17h – Sala Oscarito da Cinemateca Brasileira
* 21 de junho, às 17h – SP Cine Sala Paulo Emílio
♪ “O Zé ficou quieto?”, “Zé ficou quietinho?”. Foram tantas as vezes que, ao voltar do trabalho uma vez que empregada doméstica, a mãe do menino José fez essas perguntas para as tias e vizinhas que cuidavam do garoto que José Santos Flores (16 de setembro de 1921 – 14 de novembro de 1999) acabou virando Zé Ketti.
Foi assim, com esse inusitado nome artístico, que o Brasil conheceu esse militante sambista perfilado pelo cineasta Luiz Guimarães de Castro ao longo dos 89 minutos do filme Eu sou o samba, mas pode me invocar de Zé Ketti, uma das atrações inéditas da programação 16ª edição In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Músico, agendada para ocorrer de 12 a 23 de junho na cidade de São Paulo (SP).
Alinhavado por Castro com Bernando Florin a partir de argumento de Aída Marques, o roteiro entrelaça trechos de entrevista com o compositor, depoimentos inéditos de amigos e familiares – uma vez que o de Geisa Ketti, filha do artista – e números musicais feitos para o documentário com arranjos de Jayme Vignoli e as vozes dos cantores Fernando Procópio, Ilessi, Mariana Baltar (ótima cantora carioca) e Paula Santoro. A costura passa longe da originalidade, mas o material é sumarento.
Além dos sucessos do compositor de Incendiar as velas (1964) e Mascarada (1966), música ouvida na voz de Elton Medeiros (1930 – 2019), parceiro de Zé Ketti na geração dessa obra-prima do cancioneiro popular, emergem no filme belezas ocultas uma vez que Vultos, inédito samba-canção valorizado pelo esquina lapidar de Paula Santoro.
Espargido por ter marcado posição política nos sambas, o ativista Zé Ketti deixou obra relevante, com “desenhos melódicos muito construídos e cheios de surpresas”, uma vez que ressalta Zé Renato. Cantor que gravou álbum devotado ao cancioneiro do compositor, Proveniente do Rio de Janeiro (1996), disco que iluminou a obra do artista para outras gerações, Zé Renato dá voz no documentário aos sambas Leviana (1954) e Jaqueira da Portela (1963).
Paula Santoro canta sambas uma vez que ‘Malvadeza durão’ e o inédito ‘Vultos’ no documentário sobre Zé Ketti (1921 – 1999)
Reprodução do filme ‘Eu sou o samba, mas pode me invocar de Zé Ketti’
Sim, Zé Ketti era originário do Rio de Janeiro (RJ), onde nasceu e morreu em Inhaúma, bairro da zona setentrião da cidade. Mas se criou entre Bento Ribeiro e Bangu, outros bairros do subúrbio carioca. Bento Ribeiro é bairro próximo de Oswaldo Cruz, sede da Portela, escola do coração azul e branco do sambista.
Apresentado à Portela em 1938, quando tinha 18 anos e foi levado à escola de samba por Alvaiade (1913 – 1981), logo diretor artístico da clube carnavalesca, Zé Ketti se tornou muito ligado à Portela. Curiosamente, em 1954, quando fez o samba que se tornaria o maior sucesso da obra engajada de Zé Ketti, A voz do morro, o compositor estava brigado com a Portela e tinha se bandeado para a União de Vaz Lobo.
Com o verso inicial “Eu sou o samba” reproduzido em segmento do título do filme, A voz do morro virou emblema quando o samba foi veiculado na trilha sonora do filme Rio 40 graus (1955), marco do Cinema Novo feito sob a direção de Cacá Diegues. O compositor também aparece no filme uma vez que ator. “(Foi um) reconhecimento do papel de Zé Ketti na cultura carioca”, avalia Diegues em testemunho para o documentário.
Litógrafo que trabalhara na Oficina Gráfica Mauá e que cavara vaga na Polícia Militar do Rio de Janeiro uma vez que desportista, para fugir da convocação para a Segunda Guerra Mundial e para manducar muito entre os colegas de patente mais subida, o artista ascendeu uma vez que compositor a partir dos anos 1950 quando associou à obra ao Cinema Novo e passou a fazer sambas com fortes tintas sociais em trajetória que se conservou áurea ao longo da dez de 1960.
Dessa leva engajada, são Malvadeza Durão (1959) – samba sobre a morte de líder do morro “valente, mas muito considerado” ouvido no filme na voz de Paula Santoro – e Opinião (1964), elaboração que originou e batizou show teatralizado que uniu Zé Kétti a João do Vale (1933 – 1996) e a Nara Leão (1942 – 1989), cantora que, a partir de logo, se tornaria uma das principais intérpretes do compositor, tendo lançado Diz que fui por aí (Zé Ketti e Hortênsio Rocha, 1964), outro samba famoso da obra do artista.
Enfim, mais de 20 anos em seguida o lançamento do curta-metragem Meu compadre Zé Ketti (2003), dirigido por Nelson Pereira dos Santos (1928 – 2018), Luiz Guimarães de Castro joga novas luzes sobre o responsável da marcha Máscara negra (Zé Ketti e Pereira Matos, 1967) em documentário que confirma a sobressalência dessa voz que ecoou as alegrias e dores do morro em obra altiva e imortal.
Inquieto, Zé Ketti nunca deixou o samba morrer.
Fonte G1
