Zona De Interesse: Glazer Esconde Holocausto E Exibe Ego

Zona de Interesse: Glazer esconde Holocausto e exibe ego – 13/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O italiano Gillo Pontecorvo se celebrizou por obras-primas políticas e anticolonialistas, porquê “A Guerra de Argel”, de 1966, e “Queimada!”, de 1970. Mas em alguns meios cinéfilos, seu nome se tornou associado a uma cena de alguns meros segundos, de um filme menor em sua curso, “Kapò”, de 1960.

O diretor mostrava, ali, uma prisioneira de um campo de concentração que se lança sobre uma muro e morre eletrocutada –a câmera se aproxima de seu rosto logo depois a morte, exibindo suas feições em detalhes, em sua derradeira pose.

Sobre esse movimento de câmera, espargido porquê o “travelling de ‘Kapò’’’, Jacques Rivette escreveu “Da Baixeza”, texto muito influente em que discutia o que se pode ou não mostrar no cinema, em termos éticos. Uma pessoa que filma a morte com o sensacionalismo de Pontecorvo, dizia Rivette, mereceria “o mais profundo desprezo” do testemunha.

O glosa é de uma desmesura assustadora, mas Rivette somente se valeu dessa cena para provar seu ponto sobre o quanto fazer escolhas para mostrar um pouco no cinema pode ter um caráter político, para além de intenções meramente plásticas.

O britânico Jonathan Glazer parece ter levado bastante a sério a prelecção rivettiana, a ponto de fazer um filme sobre o Imolação sem mostrar propriamente o horror. “Zona de Interesse” traz o campo de Auschwitz sem simbolizar o lugar; a tragédia humana está literalmente ao lado. A trama tem por foco o comandante Rudolf Höss, que morava com sua grande família numa mansão muito ao lado do campo de concentração.

O testemunha não vê zero de bruto. Glazer mostra o dia a dia da família Höss, em suas preocupações pequeno-burguesas –enquanto, do outro lado da muro, subia dos crematórios uma fumaça densa, e gritos de pavor podiam ser entreouvidos no lar daquela família de mercantil de margarina. Em sua extrema cautela em não simbolizar o sofrimento humano, é porquê se o longa reivindicasse para si ser um antitravelling de “Kapò”.

Simbolizar o Imolação na arte sempre foi um duelo, e no cinema a questão parece ainda mais complicada. O hoje retrógrado tentativa “Noite e Neblina”, de Alain Resnais, de 1956, ainda é tido por muitos porquê a mais bem-sucedida obra sobre o incidente, mas a verdade é que somente três anos depois o termo de Auschwitz já havia sido feito tanto o primeiro porquê talvez o filme definitivo sobre o tema.

“A Última Lanço”, de 1948, da polonesa Wanda Jakubowska, mostra prisioneiras que tentam resistir, com base na própria experiência da cineasta. Vários dos atores também tinham completo de trespassar vivos do campo polonês –e as barracas de Auschwitz, ainda cheirando a crueldade, serviram de cenário para o longa.

Ter sido feito com conhecimento de pretexto o eleva de modo espantoso; é um caso em que o “lugar de fala” de indumentária emprega um selo de primazia a uma obra de arte.

Mas se até os anos 1990 a abordagem do Imolação causava paixão e ódio, fosse na solenidade de um “A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg, de 1993, ou na tentativa de um pouco “ligeiro” sobre os campos, porquê “A Vida É Bela”, de Roberto Benigni, de 1997, dos anos 2010 para cá um pouco mudou. Talvez porque cada vez menos sobreviventes dos campos estejam por cá para narrar sua história –ou se incomodar com a representação do irrepresentável.

Um tentativa no jornal Libération, em 2015, reclamava da falta de interesse da intelectualidade francesa para discutir o húngaro “O Rebento de Saul”, de László Nemes. Os críticos escreviam em seus textos que o longa causaria “choque” e “controvérsia”, mas a aprovação generalizada do filme beirava a reverência –resultava em uma estranha e logo inédita situação em que o mais incendido dos temas era aceito com relativa facilidade.

“Zona de Interesse”, em sua quase unânime aprovação e saudação sátira, tem repetido essa insólita tendência.

O filme deixa evidente –e Glazer disse isso em entrevistas– que sua teoria é lembrar a noção de “futilidade do mal”, que Hannah Arendt usou em seu livro “Eichmann em Jerusalém”, de 1963. Mas é penoso ver o quanto o tarefa estabanado dessa teoria por Glazer tem sido tão facilmente aceito.

Ao que parece, o cineasta usou o termo arendtiano de orelhada –ou logo o compreendeu da forma que mais foi profíquo para ele. Na melhor das hipóteses, usou em seu filme o personagem mais inadequado provável para ilustrar o concepção.

Adolf Eichmann foi o principal responsável pelo transporte de judeus aos campos de extermínio onde seriam mortos das maneiras mais cruéis imagináveis. Mas era sobretudo, segundo Arendt, um sujeito medíocre –um burocrata enfiado na gigantesca engrenagem genocida nazista, mas que não trabalhava diretamente com as mortes.

O nível de demência que ele tinha sobre seu ganha-pão, de planejar o extermínio alheio, era tão cimeira que, por termo, o número de pessoas que ele enviava ao massacre era zero mais do que isso, um número numa planilha.

O que é um caso muito dissemelhante do de Rudolf Höss, que, se não era um facínora sem a menor capacidade de empatia —o psiquiatra que o avaliou antes de ele ir para a forca, em 1947, o descreveu porquê “psicopata amoral”—, no mínimo era uma personalidade perversa, para usar o termo que atribuiu a ele a psicanalista Élisabeth Roudinesco. O mal, em Höss, nunca foi vulgar, mas tanto consciente quanto visceral.

A noção de futilidade é complicada demais para ser só despejada num filme porquê Glazer faz. E mesmo se aceitamos o pressuposto do longa de que, também Höss, fosse um anticristo ou um varão medíocre, a crueldade em qualquer momento se banalizou, “Zona de Interesse” nunca se preocupa em dar indícios de porquê isso foi provável.

É óbvio que mesmo as pessoas mais monstruosas são capazes de afeto em momentos rotineiros –não há novidade nisso. Mas apresentar seres humanos cruéis enquanto “gente porquê a gente” exige, no mínimo, alguma contextualização, sob o risco de se estar meramente humanizando o que não é passível de humanização.

Sim. Tampouco Arendt se aprofundou especificamente na questão da “futilidade do mal” em seu relato, mas o fez de maneira mais ou menos indireta ao examinar em pormenores o histórico de Eichmann. Entendemos o processo pelo qual ele passou até se tornar quem se tornou. Mas, no filme de Glazer, não há a menor preocupação em indicar um caminho que dê uma noção ao testemunha sobre porquê foi provável que seres humanos chegassem àquele nível de desumanidade.

E, sem alguma tese nesse sentido, qual a razão para fazer um filme sobre Auschwitz com foco na normalidade de quem morava ali ao lado e pouco se importava com o que acontecia ao volta? O projeto deixa de se justificar.

Sem contextualizar quem era Höss e simplesmente apresentar o personagem tendo atitudes corriqueiras, o filme perde seu potencial de sátira àquela família e se torna, de uma hora para a outra, uma esdrúxula resguardo de uma pretensa normalidade de um monstro nazista. O que, além de uma imprecisão histórica, é uma ofensa às vítimas do Imolação.

Glazer veio da publicidade e dos videoclipes. É inegavelmente talentoso. Seu “Sob a Pele”, de 2013, é um dos melhores filmes dos anos 2010. Mas é justamente essa habilidade para o ímpeto que o torna um cineasta perigosamente sedutor.

Não é um ingênuo. Ao mostrar a família Höss, o faz de maneira controladamente fria, com a câmera distanciada –evita a identificação sentimental do público com aquelas pessoas. Por outro lado, também nunca as condena com a ênfase que se esperaria. Tenta fazer com que ninguém se emocione, mas, também, não odeie por completo aquela gente.

Provavelmente a teoria era jogar na rosto do testemunha que também ele, de alguma forma, está ignorando um mundo tenebroso do lado de fora da própria bolha –e de cuja engrenagem ele faz segmento. Mas é difícil de indumentária nos vermos ali, justamente pela emprego brechtiana do dispositivo de trinchar nossa identificação.

E usar Auschwitz porquê metáfora para qualquer outra situação humana degradante é, no mínimo, um desrespeito com os que foram submetidos àquele inferno –assim porquê também é ofensivo a todos nós que, apesar de não sermos anjos, tampouco somos monstros porquê Höss.

Glazer estetiza seu “não mostrar” Auschwitz de modo propositalmente incômodo, mas essa opção se revela sobretudo infame. Mostra o que não é Auschwitz com tamanha veemência estética que labareda a atenção para o seu gesto artístico em si –ainda que tente reiterar o tempo todo sua “complacência” com o testemunha, porquê se o longa nos gritasse sem pausa “agradeçam por não mostrar Auschwitz”.

Nessa postura estética, o filme se revela tanto autoindulgente quanto chocantemente exibicionista. Glazer parece estar tão consciente da própria grandeza moral que dá para imaginar ele próprio na saída do cinema, esperando ser parabenizado por cada testemunha pela sua grande imposto humanitária.

O Imolação deixa de ser o verdadeiro tema do filme. Em Glazer, sob a desculpa de uma pretensa irrepresentabilidade da matança, o que passa a importar é a grandeza do próprio artista. Auschwitz some detrás do muro, e o cineasta é quem surge porquê o que de indumentária tem relevância.

A questão continua a mesma. Uma vez que falar sobre o indizível, de que modo abordar o inabordável? O cinema da autoglorificação praticado por Glazer é bastante vistoso, mas traz nas vísceras um pouco de fundamentalmente desprezível, porquê diria Rivette. No termo das contas, o travelling de “Kapò” é de uma pureza e inocência comoventes diante do enfático não mostrar Auschwitz de Glazer.

Folha

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