Tudo muito que o feriado de Páscoa é ótimo para viajar, repousar na praia, almoçar em família, manducar chocolate —mas os dias de folga e o tempo das crianças longe da escola também podem ser momentos ideais para um mergulho não só na piscina, mas num novo livro.
Aquém, há dez opções. A lista apresenta novos livros de nomes porquê Tino Freitas, Caio Riter, Flávia Bomfim e Tatiana Filinto, além de um reconto de Lewis Carroll feito por Ruy Castro, colunista da Folha e membro da ABL, a Ateneu Brasileira de Letras. Fora isso, há títulos de nomes que não costumam ser tão associados ao universo infantojuvenil, casos de Graciliano Ramos e do italiano Antonio Gramsci.
Conheça inferior os dez livros —boa secção deles mais baratos do que muitos ovos de Páscoa por aí.
Gabi de Bigode
Quando Gabi acordou, o bigode já estava lá. É mais ou menos esse o pontapé do novo livro de Tino Freitas, que apresenta a moça do título e seu bigodão com versos rimados. Acha que ela se preocupou com essa novidade cabeluda? Que zero, a moça até gostou. Tanto que se produziu toda para ir à escola com um novo visual, montado com pé de pato, cimeira, camisa de time e meia arrastão. Com ilustrações de Bruno Nunes, a obra tem seu vértice quando a personagem chega à escola. Não vou expressar o que acontece, mas eu queria ter estudado no mesmo escola que a Gabi.
Alice Através do Espelho
O livro de Lewis Carroll, prosseguimento do clássico “Alice no País das Maravilhas”, é recontado cá por uma dupla já conhecida: Ruy Castro e Laurabeatriz. Enquanto o colunista deste jornal e membro da Ateneu Brasileira de Letras recria o texto, ressaltando o humor e o nonsense da obra original, a ilustradora leva o universo de Alice para dentro de sua estética, dando vida a reis, rainhas, jogos de xadrez e personagens para lá de esquisitas, porquê o homem-ovo. Essa não é a primeira vez que a dupla trabalha junta num livro de Carroll. Em 1992, eles fizeram o mesmo processo com “Alice no País das Maravilhas”.
Um Varão no Buraco
Os bastidores deste livro são tão interessantes quanto a própria história. Nos anos 1930, quando o militante italiano Antonio Gramsci estava recluso, ele costumava ortografar cartas para a sua mulher, a violinista Giulia Schucht. Em uma delas, recontou uma história do século 19, creditada ao gaulês Lucien Jean. Nela, um varão cai num buraco e não consegue mais trespassar dele. Muitos que passam por perto até escutam os pedidos de ajuda do rapaz —cientistas, artistas, padres, agricultores, mas ninguém estende a mão. A narrativa agora vira livro pelas mãos da editora Boitatá e ganha mais uma categoria: as ilustrações da brasileira Raysa Fontana.
Os Filhos da Coruja
Nascente é outro livro com um bastidor valioso. Graciliano Ramos, um dos principais escritores da literatura brasileira, responsável de obras porquê “Vidas Secas”, “Angústia” e “Memórias do Cárcere”, teve um livro inédito encontrado. Na verdade, foi mais do que isso. O que acharam foi um poema infantojuvenil em que Ramos adapta uma fábula de La Fontaine e narra o encontro de uma mãe coruja com o compadre gavião, que promete não manducar os filhotes da colega —mas é simples que ele faz isso. A história ganha outros contornos com as ilustrações de Gustavo Magalhães, que cria uma narrativa visual digna de museu para a edição.
As Fábulas da Dona Gel
As fábulas de Esopo e de La Fontaine ganham toques de brasilidade também neste novo livro de Fábio Sombra, que costuma levar a estética da xilogravura e a estrutura da verso popular dos folhetos de cordel para a literatura infantojuvenil. Cá, ele apresenta Dona Gel, personagem que rima diferentes aventuras povoadas de bichos muito brasileiros, porquê o sapo-cururu, a onça e o jumento. Desse encontro, surgem adaptações que brincam com as narrativas clássicas. A conhecida “A Lebre e a Tartaruga”, por exemplo, vira “O Coelho e o Jabuti”, em que o réptil surge rodeado de palmeiras e por baixo de um sol muito tropical.
Quiçá e Oxalá
Estas histórias irmãs estão entre as mais interessantes publicadas nos últimos tempos. Sem pavor de ousar, os dois livros fazem mais perguntas do que entregam respostas, enchem as cabeças de caraminholas, fogem das narrativas certinhas e do didatismo raso e barato. Em ambos, conhecemos personagens indefinidas, apresentadas porquê manchas coloridas e mutáveis. “Oxalá” arranca a conversa com uma certeza: “Tô te falando: tem jeito”, diz a figurinha verdejante. Já “Quiçá” dá o pontapé com uma incerteza espantada: “Eita! O que é isso?”, pergunta o borrão. A partir daí, cada título desenvolve uma conversa própria, que mistura imagem e texto e joga o protagonismo para uma pessoa muito importante: o leitor.
Quando Você Sai
O prateado Gastón Hauviller faz uma homenagem a Maurice Sendak e “Onde Vivem os Monstros” neste livro. Enquanto no clássico de Sendak o menino Max é botado de punição pela mãe e empreende uma jornada pelo mundo das feras, cá Hauviller conta a história de uma mãe e uma menino que se separam brevemente durante um pedaço do dia. “Quando você sai, não acontece zero”, diz o narrador e o texto. Mas é aí que mora a mágica deste livro ilustrado. Os desenhos contradizem a frase e apresentam um mundo fantástico, pleno de criaturas, escafandros e elementos surreais que exploram o universo interno da personagem e de quem está lendo.
Dois Pinguins por Aí
Por que dois pinguins caminham pelo deserto? Ou será que eles estão na floresta? O causo se espalha pela bicharada e, porquê quem conta um raconto sempre aumenta um ponto, surgem várias versões sobre o paradeiro de Tom e Ted. Será que eles erraram o endereço da sapataria? Foram ajudar um camarada que estava na Austrália? Perderam o caminho do teatro? Queriam fugir da Antártida? Caio Riter conta esse mistério pleno de perdão em versos rimados. Não revelo o que fez a dupla fugir do insensível, mas dou uma dica —vale permanecer esperto para ver se eles não estão soltinhos pelo Brasil.
Cadê o Toucinho que Estava Cá?
Quando Dona Antônia chegou em morada, ela estava doida para manducar o toucinho que tinha deixado em cima da mesa. Só que a músculos sumiu, e é óbvio que a gulosa gata Chica é logo apontada porquê a principal suspeita. A partir daí, a história ganha os rumos dos poemas e das canções populares. “Cadê o toucinho que estava cá? O gato comeu. Cadê o gato? Foi pro mato. Cadê o mato? O queima queimou. Cadê o queima?” —e assim por diante, numa enumeração infinita. O texto da escritora Cléo Busatto foi ilustrado pela artista iraniana Fereshteh Najafi, com quem leste blog conversou recentemente (leia cá).
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