A Galera Do Fundão Chegou Ao Congresso 11/06/2024

A galera do fundão chegou ao Congresso – 11/06/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Tenho falado muito sobre a degradação do debate público pátrio e uma vez que isso reflete tanto uma espécie de “balcanização” da esfera pública quanto a perda da crença coletiva em valores uma vez que tolerância e pluralismo.

De um lado, vemos um evidente processo de fragmentação política que desagrega grandes blocos ideológicos em unidades menores e altamente hostis entre si; do outro, assistimos à substituição dos valores fundantes da democracia pela ilusão de que o outro lado, o lado “falso” da força, ainda pode ser vencido, neutralizado ou incapacitado.

Episódios ocorridos na semana passada, entretanto, mostram outra face, complementar, dessa história: a deterioração do debate parlamentar.

Na quarta-feira, as reuniões da Percentagem de Direitos Humanos e do Recomendação de Moral da Câmara dos Deputados nos deram amostras excepcionais de uma vez que a rivalidade política, ao inferir uma período exibicionista, está superando até mesmo as barreiras impostas pelas liturgias e etiquetas das casas legislativas.

No noticiário profissional, o foco principal foi a troca de ofensas, ameaças e empurrões, não a taxa dos dois espaços parlamentares. Enquanto isso, o noticiário que de trajo tem público, produzido pelos editores políticos e sociais, entregou em milhões de celulares as várias versões dos eventos registrados durante as sessões da Câmara. Insultos, lacradas, dedos na faceta, tentativas de agressão, tudo compilado em vídeos de 30 segundos devidamente editados e legendados.

Deem uma olhada no YouTube e deliciem-se com títulos uma vez que “Nikolas Ferreira faz observação transfóbico contra Erika Hilton”, “Erika Hilton faz zombaria com semblante de mulher: ‘vai hidratar esse cabelo’”, “Confusão marca sessão na Câmara”, “Deputado comete transfobia”, “Deputado toma invertida”, “Deputada X esmaga o deputado Y”.

O que esses títulos de vídeos dizem ao brasílico generalidade me parece cristalino: os bagunceiros do fundo da sala chegaram ao Congresso Vernáculo.

Numa participação no podcast “O Matéria”, de Natuza Nery, Fernando Gabeira creditou esse comportamento à preponderância das redes sociais na notícia. Na verdade, trata-se de preponderância na cobertura da política.

Gabeira considera ter método nessa conduta, que consiste em continuamente produzir controvérsias para levá-las às redes sociais. E sustenta a hipótese de que a procura por likes é uma forma encontrada pelos novos parlamentares de manter ativa sua conexão com sua base.

Gabeira não está falso, mas as redes sociais não são a pretexto de uma novidade mentalidade; são segmento dela.

Temos no Congresso Vernáculo e na sociedade uma geração que cresceu e se formou politicamente em ambientes digitais, principalmente no YouTube, e são fluentes nos seus dialetos e consumidores das suas formas estéticas. O universo narrativo nerd ou geek, de onde vem tudo isso, tem origem no mundo dos vídeos, dos games e dos memes e cultua tanto uma estética de irreverência regateira quanto uma atitude iconoclasta e afrontosa.

A diversão é gerada por um tipo de humor fundamentado no trote, a zoeira. Seu herói é um sujeito de raciocínio rápido e agudo, irreverente e com respostas desarmantes. Porquê método, valorizam o desrespeito ao politicamente correto, se são de direita, e a resposta violenta e vexativo ao opressor, se são de esquerda.

Esse público é ávido por vídeos e memes que registrem a política uma vez que luta na lodo, as disputas parlamentares uma vez que brigas de gangue, os discursos e insultos dos deputados e senadores uma vez que uma competição por lacradas e humilhações.

Por outro lado, houve muito pouca coisa na quarta-feira passada que remotamente lembrasse o que a teoria democrática labareda de “deliberação pública”.

Trocam-se ofensas, não razões; ganha quem consegue a sentença que desarma o oponente, deixa-o sem reação, não quem formula o melhor argumento. Não se procura apresentar razões universais uma vez que patamar plausível por todos; a ofensa deve ser personalizada e diretamente endereçada ao nervura exposto do inimigo.

Ninguém se obriga a ouvir e considerar o que os outros têm a manifestar; a meta consiste em impedir que digam um pouco ou que sejam ouvidos por alguém. O insulto é muito mais eficiente que o argumento, porém é menos eficiente que o ato performático de puxar, meter o dedo na faceta, ameaçar descer o braço.

Sobretudo, nunca se deve olvidar da regra de ouro: o público que importa não são os presentes no recinto parlamentar, mas os que estão esperando as lives e as edições dos highlights das lacradas para, por sua vez, usá-las em suas brigas de rua nas quebradas digitais.


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Folha

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