“Uma tentativa não de evitar, mas, pelo menos, delongar o inevitável esquecimento.” É logo que Aguinaldo Silva justifica seu novo livro “Meu Pretérito me Perdoa: Memórias de uma Vida Novelesca”, no qual passa a limpo a sua vida e obra.
É justamente com a narrativa “novelesca” que o responsável prende o leitor, ao repetir na escrita literária as técnicas que fizeram o sucesso de suas novelas: ação, suspense, mistério, drama, romance e comédia em meio a ganchos, viradas e reiteração, com tipos bondosos, vilanescos e cômicos tão incríveis que não parecem reais, mas saídos de sua obra televisiva. Não por casualidade, várias das pessoas e situações retratadas no livro inspiraram Aguinaldo em seu universo ficcional.
“Meu Pretérito me Perdoa” é dividido em três partes de tamanhos iguais, mas pesos diferentes. A primeira é a mais divertida e a mais extraordinária, repleta de passagens tão dramáticas e lances tão surreais quanto suas novelas.
Uma vez que o início de toda telenovela que se preza, Aguinaldo abre o livro narrando um veste marcante —para não manifestar chocante– a término de fisgar o leitor já no primeiro capítulo: de porquê, aos 13 anos, sofreu bullying e violência psicológica ao ser eleito, à revelia, a Rainha da Primavera da escola por seus colegas adolescentes homofóbicos.
O que se segue são lembranças da mocidade gay no Recife, em uma estação de poderoso repressão social e sexual.
Aguinaldo revela seu caráter libertário em meio a companheiros de aventuras, inquietos e livres —as “arlequetes”, porquê se denominavam—, abordando sexualidade e as relações com os gays adultos —as “arlecãs”—; os rivais homofóbicos —a “turma da lambreta”—; e os enrustidos —os “petronilos”, senhores “de boa família” dos quais as “arlequetes” arrancavam qualquer numerário, às vezes em troca de favores sexuais.
É nesta primeira segmento que Aguinaldo exerce o melhor de sua escrita, de forma ligeiro e espirituosa, sem pudores ou receio de julgamentos. É uma leitura saborosa na qual o responsável trata os fatos porquê se fossem uma grande romance de sua vida, com recta ao mais puro realismo fantástico. Tanto que o leitor se questiona se o que está lendo aconteceu de veste ou se tudo não passa de fruto da imaginação delirante do responsável.
Na segunda segmento, o responsável trata das carreiras de plumitivo e jornalista, também repletas de lances extraordinários. Por exemplo, de porquê foi recluso pelo regime militar por justificação do prefácio que escreveu para o livro “Quotidiano”, de Che Guevara, tendo ficado suspenso por 70 dias no presídio da Ilhéu Grande. Mas a maioria dessas histórias não são inéditas: Aguinaldo já as relatara em outro livro, “Vez da Noite: Memórias de um Ex-Repórter de Polícia”, lançado em 2016.
De novidade, o responsável esmiúça os anos de boemia na antiga Lapa, no Rio de Janeiro, muito porquê seus amores —em próprio um grande paixão, de sobrenome Germânico, que transformou sua vida em um verdadeiro inferno. Os detalhes desses relatos também renderiam uma romance.
Outros momentos destacados por Aguinaldo são os bastidores da geração do Lampião da Esquina, jornal gay pioneiro publicado entre 1978 e 1981, e a entrevista concedida a ele pelo lendário Madame Satã, em 1975.
Aguinaldo dedica a última segmento de suas memórias à televisão, começando por porquê a sua experiência porquê repórter policial levou ao invitação para ortografar a série “Plantão de Polícia” (1979-1980), fazendo-o largar de vez as redações dos jornais. Neste ponto, o responsável traz curiosidades sobre suas novelas e minisséries, a maioria de conhecimento universal, já exposta em entrevistas e outros livros.
No entanto, Aguinaldo presenteia o leitor com a sua versão sobre o fracasso da romance “O Sétimo Guardião” (2018-2019), jogando a maior segmento da culpa em um diretor da equipe de Rogério Gomes, que não entendeu sua proposta e imprimiu um tom de terror à romance, em vez de realismo fantástico, deixando-a muito pesada: “O diretor resolveu reescrevê-la na sua direção”.
Aguinaldo ainda detalha, com doses de drama, humor e suspense, os bastidores de sua destituição da Mundo. Primeiro a provocação, ao receber um telefonema às oito da manhã do dia 1º de janeiro de 2020, informando que seu contrato não seria renovado.
Meses depois, a desforra, ao saber que duas novelas de sua autoria seriam reprisadas por justificação da pandemia. “Depois de ser mandado à merda, lá estava eu de novo no horário sublime”.
Por término, Aguinaldo faz uma reflexão sobre si e sobre o porvir da telenovela: “Fui somente uma nota de pé de página na história das telenovelas e o que estou a manifestar é que o gênero, hoje ainda tão popular, caducará com o tempo até que, finalmente, deixará de ser produzido.”
Não sei se concordo com Aguinaldo de que a telenovela “caducará” com o tempo, mas duvido que será esquecida. Ele tampouco, porquê um dos maiores representantes do gênero que é.