Banalização do holocausto reduz impacto de crematório frio 21/03/2025

Banalização do Holocausto reduz impacto de Crematório Frio – 21/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“O Crematório Indiferente”, livro do jornalista József Debreczeni lançado na Iugoslávia em 1950 e publicado agora no Brasil, levanta a seguinte questão: uma vez que grafar o Imolação? Talvez mais importante, uma vez que ler o Imolação? Uma vez que evitar a fadiga e a banalização relacionadas ao objecto?

Por um lado, o horror do Imolação é público e notório; por outro, ao mesmo tempo em que estamos perdendo os últimos sobreviventes dele, começa a se fortalecer um negacionismo histórico impensável poucas décadas detrás. Mas, se a trato para a ignorância é mais ensino, o excesso dela também pode banalizar os fatos.

Em 1972, Jerry Lewis chegou a filmar uma comédia sobre o Imolação, mas nunca a exibiu —foi opinião universal de que seria de mau palato. Mas mais recentemente, em 1999, o italiano “A Vida É Bela”, de tom ligeiro e um tanto cômico, levou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

O tema também invadiu os livros infantis. “O Menino do Pijama Listrado”, do irlandês John Boyne, lançado em 2007, foi severamente criticado por especialistas apesar de ter sido best-seller mundial. Por termo, em 2011, uma companhia teatral carioca montou o espetáculo “Holoclownsto”, onde seis palhaços em um trem fechado estavam presumivelmente a caminho de um campo de concentração.

Perdemos nossa sensibilidade ao Imolação? Banalizou-se o mal?

“O Crematório Indiferente” foi publicado em húngaro, uma língua menor dentre as várias da União Soviética. Talvez por isso tenha tido pouco impacto: foi considerado soviético demais para ser publicado no Poente e judeu demais para os países da Cortinado de Ferro.

Em 2023, com o lançamento de sua tradução em inglês, ele finalmente ganhou o mundo. Mas tanto na idade em que foi publicado quanto hoje —no contexto de uma extrema direita negacionista ascendente no mundo, incluisive na Alemanha e na própria Hungria—, é sempre um livro do contra.

O enredo é simples de somar, difícil de ler a fundo: Debreczeni e toda sua família, judeus húngaros morando na Iugoslávia, são deportados para campos de concentração nazistas no prelúdios de 1944. Só ele sobrevive.

Transferido de um campo a outro, achando que o próximo não pode ser pior e continuamente se enganando, Debreczeni acaba em um campo-hospital, que ele apelida de “crematório insensível”. Quando os soviéticos liberaram o sítio, em abril de 1945, ele estava se recuperando de tifo e pesava 35 kg.

O grande trunfo da prosa de Debreczeni é ser factual, seca, objetiva. Magnífico observador, ele registra tudo com olhar de jornalista, sem sentimentalismos. O que, naturalmente, só ressalta o horror daquilo que ele está contando.

Mas não é fácil para nós, hoje, apreciarmos o verdadeiro poder da prosa de Debreczeni. Uma vez que no raconto de Jorge Luis Borges em que Pierre Menard esquece quatro séculos de história para reescrever “Dom Quixote” exatamente uma vez que Cervantes o teria escrito, cabe a nós olvidar 80 anos de livros infantis, comédias cinematográficas e até mesmo espetáculos de palhaçaria para só assim tentar restabelecer o fresco horror de seus primeiros leitores. Cada livro sobre o Imolação deve ser lido uma vez que se fosse o primeiro livro sobre o Imolação.

“O Crematório Indiferente” é bom, principalmente quando esmiúça as relações de poder dentro dos campos, quem tiranizava quem em nome de quem. Mas, entre tantas obras sobre o objecto, pode não ser a melhor introdução a quem não é técnico.

A obra-prima literária sobre o Imolação provavelmente ainda é o relato “É Isto Um Varão?”, do italiano Primo Levi, escrito em 1947 e publicado no Brasil pela Rocco. Também são depoimentos importantes “A Noite”, de Elie Wiesel, e “Em Procura de Sentido”, de Viktor Frankl.

Na ficção, os contos do polonês Tadeusz Borowski dificilmente serão superados: ele estava inédito no Brasil até a supimpa coletânea “Adeus, Maria” ser publicada pela Carambaia no ano pretérito.

Por termo, o documentário “Shoah”, realizado pelo francesismo Claude Lanzmann em 1985, talvez seja a melhor e mais impactante obra do século 20 sobre o objecto, por ter a coragem de explorar mais a fundo do que qualquer outra o maior horror do século.

Folha

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