Não são muitos os jogadores fora da Ásia que conhecerão o livro no qual se baseia “Black Myth: Wukong”, o novo RPG de ação do estúdio chinês Game Science e um dos principais lançamentos do ano. O jogo é inspirado em “Jornada para o Oeste”, romance clássico da literatura chinesa escrito no século 16 que narra a viagem de um monge budista da China até a Índia auxiliado por heróis e seres divinos.
A obra é considerada uma das mais importantes da história da China, e sua influência é possante até hoje no leste asiático —o protagonista do livro e do jogo, o rei macaco Sun Wukong, também inspirou ninguém menos que Akira Toriyama a gerar o Goku de Dragon Ball Z, talvez um dos personagens mais conhecidos de todos os tempos.
Mas se o público não-asiático que a Game Science espera saber com “Black Myth: Wukong” não é tão familiarizado com “Jornada para o Oeste”, vai reconhecer imediatamente a outra inspiração do jogo: Dark Souls. Ainda que os desenvolvedores tenham rejeitado a classificação, “Black Myth: Wukong” é um soulslike bastante tradicional, fundamentado em chefes difíceis, ênfase no combate preciso e reptante, e história opaca contada de maneira indireta.
Tudo isso o jogo entrega com conhecimento e até com um pouco de pressa: se em Dark Souls e outros do gênero a progressão é lenta e a curva de tirocínio, íngreme, cá em poucas horas o jogador recebe vários brinquedos diferentes para testar na hora de mourejar com os chefes.
Wukong tem à sua disposição ataques leves e pesados com o seu chibata, mesma arma do personagem no livro, mas também três posturas diferentes para utilizá-lo, cada uma com vantagens e desvantagens. Também recebe, logo no início, magias poderosas, uma vez que a capacidade de imobilizar inimigos por alguns segundos e de convocar espíritos variados para ajudá-lo.
Talvez a inovação mais interessante cá seja a habilidade de se transformar em alguns dos chefes derrotados e utilizar suas habilidades em combate por um pequeno período de tempo. Essa possibilidade, junto das várias outras ferramentas à disposição do jogador, dá dinamismo ao combate e de quebra tem respaldo na obra original: Sun Wukong é um metamorfo, capaz de assumir formas de vários animais e criaturas.
Ao mesmo tempo, a quantidade de opções que o jogo dá ao personagem logo nas primeiras horas torna as lutas contra os chefes alguma coisa triviais —foi só depois de cinco horas de jogo e seis chefes derrotados que encontrei um contra o qual precisei realmente me esforçar.
Não ajuda o trajo de que são muitos chefes em curta sucessão: em outros soulslikes, lutas assim são mais raras, costumam ocorrer depois de fases longas com inimigos variados e têm basta proporção de dificuldade, o que por sua vez confere aquela sensação de adrenalina quando são finalmente superadas. Não é o caso em “Black Myth: Wukong”, que tem fases bastaste curtas e chefes enfileirados um logo detrás do outro, às vezes sem respiro nenhum, o que prejudica o timing da experiência.
Ainda assim, a variedade que o jogador pode explorar nos jeitos de se derrotar os inimigos não dá margem para o tédio, e “Black Myth: Wukong” tem outro trunfo a seu obséquio: é um jogo belíssimo, e não somente porque utiliza os gráficos mais potentes que a geração atual tem a oferecer.
Wukong passeia por paisagens estonteantes dos vários biomas da China, de montanhas cobertas de densas florestas a desertos queimados pelo sol, e cada inimigo derrotado desbloqueia uma parábola a seu reverência que pode ser lida mais tarde, enriquecendo o universo do jogo. Ao termo de cada capítulo há também uma linda animação que desenvolve a história (que não é das mais fáceis de se seguir, é preciso proferir), e os atores fizeram um supimpa trabalho na dublagem: recomendo ouvi-la no original em chinês, com legendas.
“Black Myth: Wukong”, mais do que um ótimo jogo, também consolida de maneira definitiva o papel da China no mercado de games —não somente uma vez que mão de obra de estúdios ocidentais e japoneses, o que já acontece há tempos, mas uma vez que país capaz de desenvolver seus próprios jogos e racontar suas próprias histórias de forma apaixonada e sincera.
O jornalista recebeu uma traslado do jogo para estudo.