Por murado de dez anos, Cadão Volpato flertou com a teoria de redigir um livro sobre uma estação que julga crucial em sua vida: seu período porquê militante político, no término da dez de 1970, porquê integrante da chamada Libelu, Liberdade e Luta, manante do movimento estudantil ligada ao trotskismo. Mas faltava descobrir um mote, um ponto de partida para a história.
Um dia, do zero, Volpato recebeu do companheiro e crítico de arte Rodrigo Naves, também membro da Libelu, uma retrato em preto e branco, tirada provavelmente em 1977, mostrando vários integrantes do grupo e estudantes da USP durante uma revelação na universidade.
Nem Naves, que aparecia na imagem, lembrava exatamente as circunstâncias da imagem. “Quando vi aquela foto, tive uma espécie de epifania”, diz Volpato à Folha, de Novidade York, onde mora com a família há cinco anos. “Era uma foto ruim, não reconheci todos os retratados, mas ela me deu um estalo. Enviei uma mensagem no ato para o Rodrigo: ‘Acho que vou redigir um romance sobre isso’”.
Volpato decidiu fazer um livro narrando não a história da Libelu, mas a vida de vários de seus militantes. “Precisava redigir sobre gente de músculos e osso. Queria falar de gente, não de uma tendência. Não quis ser jornalístico. Os fatos estavam tão próximos de mim que não poderia contá-los de maneira leviana. Escolhi narrar a história do ponto de vista dos personagens.” Seis meses depois, ele terminava “Aquém a Vida Dura”, seu 12º livro.
A obra traz ativistas que moram juntos em repúblicas, apaixonam-se uns pelos outros e descobrem uma missão que os une na Libelu, grupo que surgiu na segunda metade dos anos 1970 e durou murado de dez anos.
“Eu era um garoto tosco e caipira”, conta Volpato. “A história da minha militância política, para mim, sempre teve uma coisa mitológica. Porquê qualquer jovem de 20 anos, eu queria mudar o mundo e, principalmente, combater a ditadura”, prossegue, acrescentando que hoje, porém, enxerga “o troskismo sob um ponto de vista mais mitológico, e não concreto”.
Volpato, que tem 67 anos e uma celebrada curso de jornalista, jornalista e músico —é cantor da cultuada orquestra pós-punk Fellini—, conta ter se inspirado também no documentário “Libelu – Aquém a Ditadura”, de Diógenes Muniz, de 2020. “Fiquei muito emocionado com o filme do Diógenes. Ele mostrou que era verosímil falar daqueles tempos e da Libelu sem ser sobejo sério ou rés.”
Muitos dos episódios de “Aquém a Vida Dura” são verdadeiros. “Era importante ser leal aos fatos, logo pesquisei bastante. Mas a maior segmento, escrevi de memória.” Assim, o orgasmo do romance é um facto que, segundo ele, foi o “grande momento de nossa juventude”: a invasão da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Em 22 de setembro de 1977, tropas de choque e policiais militares comandadas pelo logo Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o coronel Erasmo Dias, invadiram a PUC para interromper um evento do Encontro Vernáculo de Estudantes (ENE), que buscava refundar a União Vernáculo dos Estudantes (UNE), logo proibida pela ditadura militar.
Os agentes espancaram com cassetetes alunos, professores e funcionários, e dispararam bombas que deixaram várias pessoas com queimaduras graves.
“Consegui a proeza de chegar retardado à invasão da PUC”, ri Volpato. “Mas precisava preencher essa vácuo e me empenhei em uma pesquisa grande, já que a história tem várias narrativas.”
O jornalista conta ter revelado que a invasão tinha sido muito mais violenta do que parecia à estação, “um sinistro”. “Durante muito tempo, Erasmo Dias disse que só foram usadas bombas de efeito moral, o que era uma pataratice. Várias pessoas relataram chamas de bombas incendiárias refletindo nas palmeiras da PUC-SP.”
Entre os militantes da Libelu estavam figuras que se tornariam conhecidas no meio político, porquê Antônio Palocci e Luis Gushiken, e na mídia, porquê o sociólogo Demétrio Magnoli. Havia também muitos jornalistas, entre eles Josimar Melo, Matinas Suzuki, Eugênio Bucci, Reinaldo Azevedo, Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite e José Arbex Jr..
Embora os personagens do romance sejam ficcionais, determinadas cenas do livro trazem figuras reais. No trecho da invasão da USP, por exemplo, aparecem Josimar e seus irmãos Ricardo e Roberto Melo —figuras por quem Volpato nutria grande surpresa—, e o manifestante que anda em direção às tropas é Arbex Jr.
Já Anna, personagem médio na história descrita porquê linda, não é inspirada em Turra, diferentemente do que desconfiam muitas pessoas próximas à Libelu, afirma Volpato. “A Cleusa era, sim, uma musa, mas a Anna não é ela. Posso expor que todas as meninas da Libelu eram muito bonitas.”