Caio Fernando Abreu Tem Textos Raros Encenados Em Peça

Caio Fernando Abreu tem textos raros encenados em peça – 24/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Luís Artur Nunes e Roberto Camargo, diretor e ator, se reuniram para fazer a peça “Caio em Revista” sem o pedestal de patrocinadores. Para descrever um outro lado de Caio Fernando Abreu, que foi colega dos dois, eles tiveram a ajuda de Alexandra Golik, que cedeu um espaço no seu teatro Viradalata, e Patrícia Vilela, que os apoiou com sua produtora Colaatores, e de mais um punhado de amigos. O figurino foi improvisado com peças do guarda-roupa do ator.

Nas lembranças de Nunes e Camargo, o responsável de “Morangos Mofados” aparece uma vez que um varão cativante, com um siso de humor fantástico e facilidade para fazer amigos, muito distante da angústia que permeia sua obra literária. “Caio em Revista” surge da vontade do ator de mostrar esse lado do colega. Ele encontrou um caminho em textos de Caio para a revista AZ, sucesso carioca coordenado por Joyce Pascowitch, que ele guardava desde os anos 1980.

Esses textos, Nunes acredita, eram um espaço de descontração para o redactor, tão pormenorizado em sua obra literária. Mesmo feitas a contragosto, as crônicas carregam a genialidade do responsável. Oito delas, que ainda não foram reunidas em livro, sobem aos palcos com o ator, que interpreta dois personagens.

O primeiro faz vezes de Caio, apesar de, ele afirma, não possuir quaisquer esforços para replicar os traços e trejeitos do colega. Para a segunda, o ator se transforma em Nádia de Lemos, materialização do pseudônimo feminino de Caio, que declama textos assinados por ela e por sua colega, Terezinha O’Connor, outra geração do redactor.

Uma vez que espécies de drag queens literárias do redactor, que já se disse o Ney Matogrosso da literatura, as suas vozes femininas amplificam o humor cáustico e certa afetação divertida que permeiam todos os escritos. Sob as três assinaturas, ele disserta sobre sexo, bolero, e explica ao leitor desavisado o que são gentalhas e najas —que não são cobras.

“Nós que o conhecemos, escutamos a voz do Caio o tempo todo dizendo essas coisas mais pessoais e poéticas ou as mais satíricas e paródicas”, diz Nunes. O diretor da peça conta que conheceu Caio ainda na mocidade, quando o colega veio de Santiago para morar em Porto Satisfeito. A dupla venceu o finado prêmio Molière, pela peça “A Maldição do Vale Preto”, em 1988. Com o troféu, ganharam também uma viagem à França, onde Nunes aproximou Camargo de Caio.

Camargo foi aluno do diretor em Porto Satisfeito e já havia atuado em algumas de suas peças —depois, se tornaria seu assistente de direção. Quando Nunes foi a Paris, ficou na vivenda do ator. Ele encontraria Caio em Londres pouco tempo depois e, sabendo que um colega era muito fã do outro, prometeu mencionar Camargo ao redactor.

Um dia, qualquer tempo depois, Camargo ouviu seu telefone tocar na capital francesa. Era Caio, que queria vê-lo. “Aí a gente se encontrou, eu fui na vivenda do colega dele, onde ele estava hospedado, a gente passou uma tarde inteira juntos.” Os dois voltaram a se ver em Paris.

“Falando assim parece tão normal, mas foi meio inacreditável, porque eu era muito fã do Caio. Saber um redactor não era uma vez que hoje, que a gente tem mais entrada às pessoas.”

De volta ao Brasil, eles se encontrariam mais vezes entre São Paulo, onde Caio morava, e o Rio de Janeiro, onde Camargo se instalou. Depois, se viram em Porto Satisfeito, para onde o redactor se mudou e ficou até morrer, em 1996, aos 47 anos, de Aids.

É nessa cidade que foi feita a única retrato de Camargo com Caio, tirada no natalício do ator, em que os dois aparecem junto a amigos. “Quando eu narrativa que conheci Caio, as pessoas falam, ‘você tem foto?’ Não, a gente não tirava foto de tudo. Ninguém andava com uma máquina fotográfica”, diz Camargo.

“É a única que eu tenho com o Caio. Ele já estava doente, mas ele não dava a menor globo”, interrompe Nunes. “Ele dizia, ‘eu vou morrer, por que eu vou me cuidar?’ A imagem que eu tenho dele é com um cigarro na mão e com uma xícara de moca preto na outra. Quando não Jack Daniels, né?”

Nunes chegou a morar com Caio e conta que melancolia e jocosidade sempre fizeram secção da personalidade do redactor. No apartamento dos dois em Porto Satisfeito, ele diz, havia dias em que o colega se enchia de calmantes e se trancava no quarto, para só despertar no outro dia.

Para Camargo, o interesse pela obra de Caio continua existindo por pretexto da forma uma vez que o colega se adiantou a seu tempo. “Caio já falava dos assuntos que passaram a ser falados muito depois. Ele já tinha as preocupações com a ecologia, com todo o misticismo. Ele expressa inquietações que ainda são palpitantes”, diz Nunes.

Folha

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