As notícias dos últimos dias envolvendo a Operação Disclosure, da Polícia Federalista (PF), que mirou na antiga cúpula do Grupo Americanas, trouxeram à tona desafios e limites da regulamentação do mercado financeiro no país. Especialistas ouvidos pela Escritório Brasil e o próprio órgão regulador estatal reconhecem fatores que impedem o melhor seguimento de balanços contábeis e governanças de grandes companhias.
Entre os aspectos apontados pelos entrevistados, estão a premência de um estabilidade entre regulamentação estatal e do próprio mercado; conflitos de interesses que minam a autorregulação; sofisticação de fraudes empresariais, com um “time” estruturado para manipular dados; e orçamento inadequado e falta de pessoal no quadro de funcionários do órgão regulador estatal.
Os investigados pela Disclosure, entre eles o ex-CEO (diretor executivo) Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Cristina Ramos Saicali são suspeitos de envolvimento no escândalo fraudulento que levou a um rombo de mais de R$ 40 bilhões na companhia.
À estação em que a fraude ganhou visibilidade, as ações da companhia, um dos principais nomes do varejo pátrio, despencaram mais de 90%.
Saiba mais sobre o caso Americanas e a história da empresa
CVM
A regulamentação estatal é exercida pela Percentagem de Valores Mobiliários (CVM). É função da autonomia, ligada ao Ministério da Quinta, inspeccionar as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, muito porquê a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam e aos valores nele negociados, e impor penalidades aos infratores.
A Percentagem de Valores Mobiliários reconhece que o orçamento da autonomia não é o ideal. Atualmente, a dotação orçamentária é de R$ 330 milhões, sendo que R$ 300 milhões são comprometidos com encargos fixos, porquê pagamento de funcionários ativos e aposentados. Sobram R$ 30 milhões para despesas discricionárias, porquê investimentos.
“A CVM entende que o cenário orçamentário ideal seria a autonomia poder utilizar os recursos oriundos da taxa de fiscalização cobrada aos regulados para o financiamento da entidade”, diz a autonomia em nota enviada à Escritório Brasil.
Essa taxa gera uma arrecadação que ultrapassa R$ 1 bilhão por ano. Aliás, multas e contrapartidas cobradas dos regulados rendem em torno de R$ 1 bilhão. No entanto, explica a autonomia, os recursos vão para a conta única do Tesouro Pátrio, ficando a CVM unicamente com o orçamento de R$ 330 milhões.
Além da questão orçamentária, a CVM reconhece que “a principal carência está relacionada à insuficiência do quadro de pessoal autorizado em lei”.
Para tentar resolver a questão, a percentagem informa que tem feito esforços junto aos órgãos centrais do Executivo “para que seja enviado ao Congresso Pátrio o Anteprojeto de Lei de Fortalecimento da CVM, que inclui, entre outras iniciativas, o aumento do quadro de pessoal.
O órgão regulador enfatiza que reconhece o trabalho do governo federalista em prol da autonomia no último ano e meio, com a autorização de concurso público – que não é realizado desde 2014 – e ampliação do orçamento discricionário.
Estado e mercado
O professor Luís André Azevedo, da Escola de Recta da Instauração Getulio Vargas São Paulo (FGV Recta/SP), explica que, além da regulação realizada pela CVM, o mercado de capitais no país tem a contraparte das próprias empresas, a chamada autorregulação.
Sobre a CVM, ele avalia que uma das principais frentes de atuação é o combate à prática de insider trading (uso de informações privilegiadas para comprar ou vender ações a termo de obter ganhos), um dos crimes investigados no incidente Americanas.
“O Brasil sempre teve uma regulação estatal muito boa, firme. A CVM esbarra em um problema de falta de orçamento, de recursos, mas regula e fiscaliza muito muito o mercado”, considera.
Na autorregulação das corporações, explica Azevedo, os controles são realizados por departamentos específicos dentro das próprias companhias. “Autorregulação significa expressar que o Estado e a sociedade confiam que as empresas vão gerar mecanismos internos para prevenir fraudes, por meio da chamada governança corporativa”, avalia.
“No caso das Americanas, ficou simples que esses controles internos eram insuficientes”, adverte.
Fraude estruturada
O professor do Instituto Brasiliano de Mercado de Capitais (Ibmec) Gilberto Braga explica que, normalmente, fraudes contábeis são descobertas durante procedimentos aleatórios e revisão de auditorias. “Normalmente têm um caráter mais restringido.”
No caso do Grupo Americanas, ele faz a salvaguarda de que havia um time estruturado para esconder as irregularidades. “Os instrumentos de controle, de uma forma universal, são para processos e para pessoas, não para uma quadrilha. Logo, [a fraude] fica muito mais difícil de ser identificada”, disse à Escritório Brasil.
Braga lembra que as investigações em curso indicam a existência de um grupo de supino escalão, com pessoas de nível gerencial participando da “maquiagem” dos números.
O economista considera que, apesar de sistemas de detecção de fraudes terem falhado, não é provável indicar de quem é a culpa. “O sistema de governança corporativa das Americanas era muito elogiado e, no papel, era perfeito.”
“Cada órgão, seja regulador, auditor, órgãos internos de governança da companhia, porquê os conselhos de governo fiscal e de auditoria, atuavam dentro do que é a regra permitido da companhia. É bastante provável que eles tenham sido enganados porquê os acionistas e o mercado.”
Sobre todo o escândalo, a atual diretoria das Americanas tem dito que “foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes”.
Na opinião do professor, nunca se pode expressar que não existem fraudes em grandes corporações, mas ele considera o caso das Americanas “fora da curva”, e diz que zero sugere que possam ocorrer episódios semelhantes. “Não é provável.”
Apesar de não ser um tanto geral, Braga destaca que o evento que mexeu com o mercado financeiro brasílio no primórdio de 2023 deve ser estudado para que sirva de estágio e aprimoramento das práticas empresariais.
Conflito de interesses
O economista lembra que o grupo controlador das Americanas era reconhecido por ser extremamente ousado e ofensivo em relação ao atingimento de metas, cobrança de resultados e recompensa para funcionários. “É necessário que estruturas de governança sejam muito mais rígidas em empresas com esse perfil”, avalia.
Braga lembra que, durante anos, os executivos foram recompensados com bônus financeiros em ações da própria companhia, cultura que servia de incentivo para as práticas irregulares. “Era uma corrida pela performance e pelas recompensas”, define.
Ao indicar questões pertinentes à autorregulação exercida pelas companhias, Luís André Azevedo, da FGV Recta SP, joga luz na questão dos conflitos de interesses, que podem ocasionar problemas graves.
“A empresa vai ter incentivos para gerar regras que impeçam comportamentos nocivos ou vai ter incentivos para, pelo contrário, permitir comportamentos nocivos que tragam ganhos extremos em pequeno prazo”, questiona.
Na visão de Gilberto Braga, os executivos das Americanas seguiam com a fraude e mantinham a expectativa de reversão nos negócios. “Eles foram cada vez mais aumentando a aposta e a fraude, e não conseguiram volver ao longo dos anos”. O professor compara a situação com a da pessoa que, seguidamente, contrai empréstimos para remunerar dívidas anteriores. “Chega um momento em que não tem mais condições de volver a situação.”
Ele assinala que os controladores do Grupo Americanas tinham a opção de renovar o procuração dos executivos responsáveis pelas fraudes, mas que não chegavam a esse ponto, porque, encobrindo números reais, era provável entregar resultados positivos. “Isso gerava uma aprovação generalizada de acionistas e controladores”. Segundo Braga, era uma diretoria que tinha boa reputação perante o mercado.
“A maioria quase absoluta das empresas mantém executivos que têm bom desempenho. Em tese, não haveria nenhum sinal para sugerir a troca da diretoria.”
Auditorias
A autorregulação do mercado conta também com auditorias independentes. A PricewaterhouseCoopers (PwC) e a KPMG, duas empresas que fizeram a auditoria de contas das Americanas entre 2017 e 2022, negam ter cometido falhas.
Em prova na Percentagem Parlamentar de Sindicância (CPI) das Americanas na Câmara dos Deputados, em agosto de 2023, o sócio da PwC Fábio Cajazeira Mendes classificou as fraudes porquê “de difícil detecção”.
“Em se confirmando a falsificação de documentos, a preterição deliberada no registro de operações, a prestação premeditado de falsas representações aos auditores e o conluio de pessoas de diversas áreas da companhia, estará caracterizada uma fraude de gestão de difícil detecção, baseada em má conduta flagrante e premeditado por segmento da governo, incluindo [as áreas] mercantil, financeira, tesouraria e contábil, com participação de, pelo menos, sete diretores executivos e dezenas de pessoas”, declarou aos deputados.
A sócia da KPMG, Carla Bellangero, contou que chegou a exprimir cartas extraordinárias de controle extrínseco em 2019, mas o contrato com a Americanas foi encerrado meses depois. “Os riscos estavam divulgados e eram de conhecimento da diretoria, do Juízo Fiscal, do Comitê de Auditoria e da maioria do Juízo de Gestão. As auditorias zero têm a lucrar com as fraudes, ao contrário, são vítimas dessa situação”, disse.
Movimento pendular
Luís André Azevedo explicou que o Brasil e o mundo vivenciam movimentos pendulares, ora mais regulamentação do estado, ora menos. Ele acredita que a eclosão do caso Americanas pode ser um “divisor de águas” que fortalecerá a regulamentação estatal.
Uma vez que exemplo, ele lembra a profunda crise do subprime (crédito imobiliário duvidoso) iniciada nos Estados Unidos em 2007 e 2008, que se espalhou pelo mundo. À estação, havia pouca mediação regulatória do governo americano, explica o professor. “Depois veio uma reforma que recrudesceu a regulação”, acrescenta.
No Brasil, com o incidente Americanas, Azevedo enxerga “uma crise de governança”. “Olhando para a frente, a gente pode esperar um movimento de aumento de normas, aumento da fiscalização do Estado, um pouco mais desse poder de polícia regulatória”, emenda o perito.
Estabilidade da regulação
Na visão de Azevedo, apesar do escândalo recente da rede varejista, desde a dezena de 90, o Brasil atravessa um período de crescente regulação estatal e, agora, pode estar se aproximando de um “incremento” desses mecanismos.
O professor defende que a teoria de que o mercado regula por si só é uma falácia, pois existem as chamadas “falhas de mercado”. Há premência de participação do Estado. No entanto, Azevedo afirma que as políticas regulatórias precisam ser feitas de forma que não sejam um dispêndio suplementar à atividade empresarial.
“A gente tem que ter desvelo para não jogar fora a chuva suja com o bebê dentro. A estratégia regulatória tem que ser um pouco mais desenvolvimentista, no sentido de permitir inovação, desenvolvimento e desenvolvimento, sem gerar um ônus exacerbado para as companhias. Uma regulação cuidadosa”, descreve.
Para Azevedo, a procura de um “nível ótimo” de regulamentação vai permitir o desenvolvimento do mercado de capitais do país, que considera “muito pequeno para o tamanho do país. Deveria ser um tanto muito mais desenvolvido, e muita regulação pode sufocar esse desenvolvimento”.
O mercado de capitais brasílio é acessado não só por grandes instituições, porquê bancos, mas também por pequenos investidores individuais. Muitas vezes associado porquê uma seara meramente especulativa, o mercado de capitais, ou seja, negociação de ativos financeiros, porquê ações de empresas, é uma nascente de capital para empresas, que podem utilizar os recursos para investimentos, favorecendo a geração de ofício e renda.
CVM
O professor Azevedo labareda ainda a atenção para uma das limitações do radar da CVM: a percentagem depende de informações prestadas pelas empresas para poder realizar a fiscalização e tomar decisões. Não é que a CVM não imponha regras de transparência, que existem, embora a gente sempre vá depender da informação oriunda do núcleo duro da companhia.
Esse método de atuação integra o princípio do full and fair disclosure (divulgação completa e justa, na tradução livre). Segundo a CVM, a atuação com base no regime informacional é assim no Brasil e nos principais países.
A percentagem detalha que o trabalho de supervisão e fiscalização tem base em dois pilares: “instintivo, por meio do Projecto de Supervisão Baseada em Risco (SBR), elaborado pelas áreas técnicas; e por demanda, no qual há a fundamental participação do investidor, denunciando potenciais indícios de irregularidades por ele observadas”. Ou seja, mesmo que não seja provocada por terceiros, a CVM pode iniciar investigações.
Sobre o caso Americanas, a autonomia diz que “não comenta casos específicos”. No entanto, no site da percentagem estão relacionados mais de 20 processos administrativos que foram abertos para apurar irregularidades.
A página registra que “caso venham a ser formalmente caracterizadas infrações, cada um dos eventuais responsáveis será devidamente responsabilizado com a emprego e o rigor da lei”.
Alerta para investidores
Entre os serviços realizados pela CVM está o alerta aos investidores sobre a saúde financeira e transparência das companhias. Na última quarta-feira (3), a percentagem divulgou que o Grupo Americanas está considerado inadimplente junto ao órgão, porque deixou de enviar, há mais de três meses, pelo menos um desses formulários: de Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP), de Informações Trimestrais (ITR) ou de Referência (FRE).
“No documento, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) alerta os investidores e o público em universal sobre a influência de considerar essas informações em suas relações com as companhias citadas ou em suas decisões de investimento”, diz o transmitido.
A Escritório Brasil pediu comentários ao Grupo Americanas sobre a inclusão na lista de inadimplentes, mas não recebeu retorno até a peroração desta reportagem.
Novo Mercado
Outra iniciativa de autorregulação do mercado de capitais é o selo Novo Mercado da B3, empresa que opera a bolsa de valores de São Paulo. Lançada em 2000, a listagem reúne companhias que têm, na definição da B3, “padrão de governança corporativa altamente diferenciado”.
Em teoria, a Novo Mercado identifica as companhias mais transparentes e com melhores governanças entre as muro de 450 listadas na B3, o que passa a ser um atrativo na hora em que investidores escolhem empresas para investir.
O Grupo Americanas era listado no Novo Mercado até 8 de novembro de 2023, quando foi suspenso pela B3. Além da retirada, 22 integrantes da diretoria, do recomendação de governo e do comitê de auditoria do grupo foram multados.
Entre as determinações do Novo Mercado não cumpridas, estão a falta de efetiva observância da política de gerenciamento de riscos. A exclusão foi realizada posteriormente o pedido de recuperação judicial da companhia e não impossibilita a compra e venda de ações.
O que se espera do mercado de capitais, diz Azevedo, é que as companhias tenham incentivos para que se interessem em vulgarizar informações adequadas, porque seriam recompensadas, ou seja, teriam o reconhecimento de empresas transparentes. “Mas o que vemos é que as companhias acabam ocultando informações. Logo, voltamos àquele problema: porquê é que o regulador vai agir se ele não tem a informação?.”