Censura A Livros Infantis Preocupa Autores E Pesquisadores 03/05/2024

Censura a livros infantis preocupa autores e pesquisadores – 03/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Faz dois meses que o romance “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, foi retraído de escolas em Goiás, Santa Catarina e Paraná. Poucas semanas depois, o infantojuvenil “Aparelho Sexual e Cia.” foi jogado no lixo pela prefeita da cidade catarinense de Canoinhas, Juliana Maciel, do PL, em vídeo publicado nas redes sociais.

Não por casualidade, o mesmo livro é perseguido desde 2016 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, do mesmo partido, que reproduziu até em entrevista ao Jornal Pátrio a informação falsa de que o título faria segmento de um suposto kit gay.

“Desde o governo Bolsonaro, a exprobação se agravou”, afirma João Luís Ceccantini, professor da Unesp e um dos principais pesquisadores brasileiros de literatura para crianças e jovens. De convenção com ele, vivemos hoje tempos de perseguição sistemática a obras para esse público —fenômeno que também encontra repercussão em outros países, uma vez que os Estados Unidos.

“A proteção à puerícia é sempre usada uma vez que desculpa para a exprobação, tanto pela direita quanto pela esquerda”, diz Ceccantini. Ele usa o exemplo de Monteiro Lobato. “Seus livros infantojuvenis foram atacados nos anos 1940 por serem chamados de comunistas. Agora, são perseguidos por outros grupos. As proibições não são um embate entre esquerda e direita, mas de adultos versus crianças.”

O pesquisador é um dos organizadores de “Literatura Infantil e Juvenil na Fogueira”, catatau de mais de 500 páginas que reúne artigos assinados por diferentes nomes ligados a universidades brasileiras. Neles, são analisados movimentos de exprobação, autocensura, ataque ou tentativa de cerceamento de ao menos 30 obras para crianças e jovens.

Estão lá “Chapeuzinho Vermelho”, o “Sítio do Picapau Amarelo” de Lobato e histórias de autores clássicos uma vez que Maurice Sendak, Lygia Bojunga e Roald Dahl.

Feitos com a urgência e o calor do jornalismo, os capítulos discutem também produções mais recentes —entre elas, o próprio “O Avesso da Pele” e “Enfim, Capivaras”, romance juvenil de Luisa Geisler lançado em 2019 que foi proibido de circundar entre estudantes da cidade gaúcha de Novidade Hartz. A justificativa foi que as personagens falam palavrões.

Na estação, um dos vereadores do município afirmou que ouvido de muchacho não é privada. “Muitas das proibições nascem assim, de um adulto que não entende zero de puerícia ou puberdade, mas presume saber uma vez que o livro vai ser lido por essa fita etária”, diz Ceccantini. “Ele exprobação porque subestima o leitor. Crianças e adolescentes não são quadros em branco onde despejamos ensinamentos morais.”

“Literatura Infantil e Juvenil na Fogueira” será lançado nesta sexta, dia 3, na livraria Megafauna, em São Paulo, com a presença do pesquisador e dos outros organizadores da coletânea, os professores Eliane Galvão e Thiago Alves Valente.

Já na semana seguinte, no dia 9, a repressão aos livros para esse público voltará a ser tema de um evento na cidade, na Liceu Paulista de Letras.

“Vivemos um momento tremendo de conservadorismo no Brasil”, diz a escritora e historiadora Mary del Priore, integrante da instituição e uma das idealizadoras do seminário que reunirá boa segmento do time titular da literatura infantojuvenil brasileira contemporânea.

Subirão ao palco os professores Marisa Lajolo e José Carlos Vedação, os membros da APL Ruth Rocha e Mauricio de Sousa, os escritores Pedro Bandeira e Ilan Brenman, além de Ana Maria Machado, imortal da Liceu Brasileira de Letras. O evento é gratuito.

Machado, aliás, foi mais uma das vítimas da vaga crescente de cancelamentos. Em 2018, seu livro “O Menino que Espiava pra Dentro” foi criminado de supostamente incentivar o suicídio, o que gerou uma vaga de ódio contra a autora, que é uma das mais premiadas do país e venceu o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil.

O motivo? A personagem decide engasgar com um pedaço de maçã para entrar no mundo da imaginação.

“Editores estão pisando em ovos. Autores praticam autocensura. O impacto é grande na originalidade dos livros publicados”, afirma del Priore. “A cena da prefeita que descarta livros no lixo é patética. Nossos sinais amarelos estão acesos.”

Folha

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