Cá neste espaço, já cansamos de ortografar que o livro e a literatura não têm função de ensinar zero —seja para adultos, seja para crianças. Não é papel da literatura infantojuvenil transmitir lições de moral, ensinar a escovar os dentes, ser instrumento pedagógico ou gerar cidadãos obedientes. Zero disso. O livro não justifica a sua existência com fins práticos.
Na verdade, é o contrário. A arte bagunça, mexe, brinca. A literatura é o campo da rebelião e do uso da originalidade para fazer o inverso do que todo mundo está esperando. É transgressão. E é aí que nascem muitos ruídos com a sala de lição.
“Ou a ensino vai ser pensada com o caráter transgressor que ela deveria ter, potencializando a perspectiva do encontro dela com a cultura, ou a cultura vai ser acorrentada pelo viés normatizador, conservador e adestrador da ensino”, escrevem Luiz Rufino e Luiz Antônio Simas em “Incêndio no Mato”, livro de ensaios lançado em 2018.
Mas uma vez que manter esse espírito rebelde e insubordinado dentro da escola? Porquê produzir literatura transgressora que dialogue com o currículo escolar, mas sem escorregar num viés normatizador, visagem e enciclopédico?
Três livros recentes para crianças e jovens conseguem fazer isso com temas urgentes e interligados: a ruína da natureza, a extinção das outras espécies e a crise climática, mas sem desabar no tatibitate professoral ao abordar os impactos negativos do ser humano sobre o planeta. Conheça inferior as obras.
O Invasor
“Tchssssc.” É esse fragor estranho que faz tudo mudar em “O Invasor”, obra de Daniel Cabral e Fereshteh Najafi que venceu a primeira edição do prêmio Filex de ilustração e livro ilustrado. Quando o tigre ouve esse som estrambólico, ele logo entende que um incógnito está chegando à floresta. E, é evidente, acha melhor fugir desse tal invasor. Outros bichos também acompanham o felino. O esquilo, a zebra, o avestruz, a arara, o macaco, todos rapidamente batem em retirada. Não é spoiler proferir que o invasor é o ser humano —na verdade, o grande pulo do gato é desenredar quem é essa pessoa. Com uma narrativa que quebra a quarta parede do livro e coloca o leitor no meio da história, “O Invasor” toca em temas uma vez que o progresso do varão sobre a natureza e as faíscas que surgem desse encontro. No termo da história, porém, há uma mensagem de otimismo e esperança, tanto que os personagens chegam a preparar uma sarau para o ser humano que vem aí. Só que, na vida real, esse contato é muito menos festivo. As populações de animais selvagens diminuíram 73% em 50 anos, segundo um relatório do ano pretérito publicado pela ONG WWF. A justificação? Justamente o varão, que produz as mudanças climáticas e a subtracção das áreas de natureza.
Submersos
Vazamentos de petróleo, microplásticos, aumento da temperatura das águas, pesca ilícito, extinção de corais. Todo mundo já sabe uma vez que o varão está colocando os oceanos e os rios em xeque. Mas “Submersos”, livro só de imagens feito por Estevão Azevedo e Vitor Bellicanta, faz um pergunta interessante a partir desse cenário: e se, no meio do caos ambiental e climatológico, a fauna resolvesse transpor das águas e conviver na cidade ao lado dos humanos? Equilibrando um exposição ambientalista e uma fantasia com toques de contraditório, a obra mostra baleias em banheiras, tubarões dirigindo ônibus, polvos motociclistas, vagões de metrô cheios de cardumes e uma intersecção entre natureza e cidade que está longe de ser pacífica. Nas ilustrações de Bellicanta, o desconforto dos humanos com a presença dos bichos fora d’chuva é evidente. A certa profundeza, acompanhamos até um julgamento, no qual uma tartaruga arbitra o conflito entre pessoas e animais. Mas quem são os invasores, por fim? São os bichos, que saíram dos mares rumo ao espaço urbano? Ou são os homens, que assaltam sistematicamente o habitat das outras espécies? O livro foi premiado neste ano na Feira de Bolonha, na Itália, numa categoria peculiar do troféu Braw, que selecionou 150 obras infantojuvenis de todo o mundo que falam sobre sustentabilidade.
Tapera
Tudo começa com uma folguedo. Três irmãs se juntam sobre o pavimento sequioso para riscar sobre a terreno, onde criam figuras de animais. Mas essa é só a superfície de “Tapera”, livro de Marcelo Jucá e Vanessa Prezoto. Porquê ocorre em qualquer folguedo infantil, há muito mais complicação na obra e, por reles da terreno seca, esconde-se uma distopia ambiental. Logo fica evidente que as três crianças estão desenhando bichos que nunca viram. Fauna e flora já não existem mais no mundo. Para as personagens, elefantes tinham cornos e três olhos. Onças exibiam dentes enormes. Micos comiam melancia e tinham nomes uma vez que mico-sabão-torrado. Árvores tocavam o firmamento. A conversa entre as irmãs vai misturando memória e invenção e revelando um universo no qual a puerícia tenta reconstruir aquilo que os adultos destruíram. Com texto solícito e ilustrações feitas com pigmentos de terreno, “Tapera” cria um estabilidade fino entre o lirismo e a denúncia ambiental, mas sem desabar na tentação de gerar um final aconchegante ou pomposo. Num cenário em que a natureza foi extinta, entreter talvez seja a única saída.
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