“Pensa em um par perfeito. Eles se casam, são felizes e está tudo perfeito. E aí a esposa descobre que ela está com uma doença terminal e, sabendo disso, ela resolve ortografar 12 cartas para o marido para ajudá-lo a mourejar com a situação. Logo, é uma missiva para cada mês do ano depois que ela se for”.
É logo que a criadora de teor Ana Júlia Barros, de 21 anos, com mais de 262 milénio seguidores no TikTok,começa um dos seus vídeos que falam sobre leitura e livros.
Há pouco mais de três anos, ela, assim uma vez que diversas outras pessoas, incluindo muitos jovens, têm usado a rede social para falar sobre literatura e dar dicas de leitura —fenômeno que ficou sabido pela hashtag #BookTok.
“Sempre gostei muito de ler e comecei a compartilhar esse tipo de teor porque nunca tive amigos leitores, meus amigos não liam zero, e eu sentia uma premência muito grande de falar sobre os livros que eu lia”, diz Ana Júlia.
“Não tinha quem me ouvisse, portanto, criei uma conta e comecei a falar para a internet, para quem quisesse ouvir sobre o tema.”
Ana Júlia conta que não tinha o hábito de ler até a puberdade, mas, sempre que ia ao shopping, gostava de entrar nas livrarias, ver os lançamentos e levar uma obra para vivenda, mesmo que ficasse na estante.
Foi quando ela precisou fazer um revista médico demorado que pegou palato pela leitura.
“Decidi levar um livro para ler no hospital enquanto aguardava, mesmo imaginando que não leria. Levei, li e amei”, conta. “Era o livro do Harry Potter e, depois, acabei lendo todos os livros da série e percebi que ler era realmente jocoso.”
Ana Júlia diz que hoje lê ao menos 40 livros por ano —e tudo é compartilhado com seus seguidores, que vão de adolescentes a idosos.
A divulgação no TikTok, diz ela, tem contribuído para que muitos jovens conheçam o hábito da leitura e se apaixonem por isso.
“Recebo muitas mensagens de pessoas falando que nunca gostaram de ler e que depois começaram a seguir o meu teor e passaram a ler cada vez mais”, diz Ana Júlia.
“É muito gratificante quando eu vejo alguém lendo um pouco que indiquei ou demonstrando interesse em ouvir as minhas indicações.”
A criadora de teor diz que, nas palestras em escolas, encontra crianças que têm o hábito de ler.
“É uma coisa que eu não via na minha era de escola. Logo, vejo claramente o impacto que as redes sociais têm na vida de futuros jovens leitores.”
Procura por livro agora é na internet
Pode até parecer estranho que uma rede social conhecida por seus vídeos curtos e dancinhas virais seja também um envolvente de incentivo à leitura.
Até alguns anos detrás, os apaixonados por livros buscavam livrarias e sebos para encontrar suas próximas leituras.
Hoje, o TikTok cumpre esse papel. Virou um espaço para debater as obras e até mesmo aumentar a popularidade dos livros e seus autores, principalmente entre os mais jovens.
A hashtag #BookTok reúne uma comunidade para pessoas interessadas em literatura.
Por meio dela, é provável encontrar vídeos curtos com indicações de obras, resenhas, críticas e comentários sobre enredos e personagens.
Tudo é produzido pelos booktokers, uma vez que são chamados os criadores de teor literário no TikTok.
O sucesso é tanto que os vídeos com essa hashtag já acumulam tapume de 215 bilhões de visualizações e com a hashtag #BookTokBrasil, 20,4 bilhões de visualizações.
A popularidade das obras pode completar transbordando para fora do mundo do dedo e influenciando nas vendas.
“O que vemos é a possibilidade de um livro viajar rapidamente por centenas de milhares, até milhões de jovens, e a procura estourar nas livrarias”, diz Roberta Machado, diretora de notícia do Sindicato Pátrio dos Editores de Livros (SNEL) e CEO da editora Record.
Foi o que aconteceu com a escritora americana Colleen Hoover, que teve suas obras entre as mais lidas do último ano.
Ela se tornou um fenômeno sabido em diversos países, incluindo o Brasil, graças à divulgação de suas obras na rede social e criou a própria hashtag, #ColleenHoover, que acumula mais de 4,8 bilhões de visualizações.
“A Colleen Hoover é caso fortíssimo, vendeu 4 milhões de livros só no Brasil desde que explodiu em 2021”, diz Machado.
Foi justamente influenciada pelos vídeos que falavam sobre o livro “É Mal Acaba (Galera, 2020) de Collen que fez a babá Francielly Aparecida de Assis, de 23 anos, se interessar pela primeira vez pelos livros, em 2021.
“Depois ver os vídeos, fiquei curiosa pela história. Um dia, passando em frente a uma livraria, decidi entrar e comprar”, diz Francielly.
Hoje, ela afirma que lê, em média, quatro livros por mês e assina uma plataforma de livros para ter entrada a muitas obras.
“No primórdio, foi um pouco fadigoso ler, mas depois passei a gostar e, desde portanto, não parei mais”, conta.
Collen Hoover não foi a única que conquistou o público mais jovem. A também americana Taylor Jenkins Reid também viu obras conquistarem o público em seguida o livro “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” (Paralela, 2019) ser presença uniforme nas indicações dos booktokers.
O sucesso foi tanto que o livro liderou o ranking de best-sellers do New York Times por 32 semanas, e a história está sendo adaptada por um serviço de streaming.
Impacto no mercado
Um grande sinal deste fenômeno é o espaço que o TikTok vem ganhando no mercado literário.
Na última Bienal do Livro de São Paulo, a rede social foi um dos patrocinadores oficiais e teve um estande no evento.
Em várias livrarias, é provável encontrar seções intituladas “Livros do TikTok”, que mostram as obras populares na rede social.
“O mercado de ficção para jovens tem desenvolvido muito, e o BookTok é talvez o principal vetor disso”, diz Roberta Machado, da Record. “O jovem, que antes tinha suas leituras decididas pelos pais ou professores, quer agora fazer suas escolhas por meio de suas bolhas, seus algoritmos.”
O mercado respondeu investindo menos nas lojas físicas, uma vez que pilhas gigantes em vitrines e livrarias, e em anúncios em ônibus e outdoor e mais em teor do dedo.
As editoras fazem parcerias pagas com booktokers e contratam profissionais com faro para tendências digitais, que avaliam o que esses novos consumidores de livros querem ler e esperam das obras.
Em um negócio em que as verbas de divulgação não são altas, diz Machado, o duelo de marketing para vender livros sempre foi estimular a indicação de obras e o boca-a-boca.
“Aí o TikTok entra com esse mecanismo de viralização mundial, atingindo em referto a geração Z (jovens nascidos entre o final dos 1990 e o início dos anos 2000), entregando teor para muito mais gente que qualquer outra rede”, diz Machado.
“O jovem está ali, cauteloso e querendo ele mesmo fazer a escolha do que consumir. É o melhor veículo de marketing editorial atual e o mais barato.”
Aline Frederico, professora de Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), explica que as recomendações costumam ter um grande impacto no desempenho de um livro no mercado.
“Pesquisas voltadas ao setor da leitura mostram que a indicação de outra pessoa é o segundo fator principal que faz uma pessoa escolher um livro, ficando detrás unicamente do tema”, diz Frederico.
Isso ganha ainda mais força quando ocorre por meio de meios de notícia de tamanho, uma vez que as redes sociais, explica a professora.
A divulgação de obras nestas plataformas e, consequentemente, seu sucesso ou viralização dependem de alguns fatores: as tendências em subida, os assuntos do momento e os influenciadores que comentam sobre uma obra.
“Encontrar o seu público e buscar os canais corretos para falar com ele são essenciais”, diz Frederico.
“Por isso que o TikTok é tão importante para a literatura para jovens e adultos, porque é o meio onde a editora consegue chegar no público diretamente.”
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