“Verba”, responde David Simon antes mesmo de o repórter terminar a pergunta sobre as razões de a televisão estar num período mais, digamos, medíocre artisticamente. “Verba”, repete o pai de “The Wire”, uma das séries que consolidaram a era mais gloriosa da TV americana.
“A HBO começou porquê uma insurgência contra a televisão”, afirma ele, sobre o via responsável por pôr de pé, na viradela do século, seu roteiro influente sobre a guerra às drogas na cidade de Baltimore, além de outras joias porquê “Sex and the City”, “Família Soprano” e “A Sete Palmos”. “Era uma janela única na história da TV, e eu consegui dar um jeito de me meter ali. Não acho que ela exista mais.”
“Aquela era de ouro, de uma ‘contraprogramação’ que exibia coisas que não estariam normalmente na TV, essa janela fechou”, diz o plumitivo de 64 anos. “Estou esperando o próximo que vai ter culhão para fazer o que a HBO fez há 30 anos. Porque ela mesma [hoje o serviço de streaming Max] acabou de incluir todo seu moeda num remake dos livros de ‘Harry Potter’. É o lugar mais seguro onde lançar a globo.”
Essa adaptação se explica pelos cifrões, porquê ressalta um varão lendário por sua retórica firme e rabugice insanável, um roteirista tão avezado a olhar para os problemas que afligem a floresta, em vez das árvores, que transformou isso na premissa de sua série mais famosa.
“The Wire”, que durou de 2002 a 2008 e foi exibida no Brasil com o impopular título “A Escuta”, começa porquê um embate entre policiais e traficantes, mas amplia cada vez mais sua lupa ao longo das temporadas para diagnosticar as chagas dos sindicatos, da política, das escolas e da prelo americana.
Nas suas décadas de glória, os canais a cabo usavam sucessos porquê “Família Soprano” e “Game of Thrones” para bancar produções ousadas porquê essa, que tinham mais dificuldade de se remunerar. A proliferação dos streamings apertou a margem de lucro, de combinação com Simon, “e a primeira coisa que se corta quando a receita é ameaçada é aquilo que se arrisca mais”.
“Pense que há somente uma dezena eles me deram moeda para fazer uma minissérie de seis episódios sobre política de moradia [‘Show Me a Hero’], sobre o porquê de os Estados Unidos ainda serem um país segregado. É para fazer coisas porquê essa que eu combinação de manhã. E não consigo mais vender zero disso.”
O irônico é que Simon nunca quis se tornar um midas do audiovisual. “Meu projecto sempre foi continuar porquê jornalista. Nunca achei que passaria tempo significativo fazendo dramaturgia na televisão. Só que continuavam me oferecendo oportunidades, e eu nunca voltei a redigir um livro.”
O motivo original da entrevista que Simon deu à Folha na última quarta-feira, ostentando a careca brilhosa e os olhos verde-claros em frente ao computador de sua morada, era justamente sua grande obra literária, “Ramificação de Homicídios” —que só agora chega ao Brasil, pela Darkside, em ótima tradução de Diego Gerlach.
O livro-reportagem de 1991 catapultou o nome de Simon, já repórter respeitado do jornal The Baltimore Sun, ao boca a boca pátrio. Locado durante um ano dentro de uma unidade de polícia, ele criou uma narrativa de estofo incomum, mais de 600 páginas que se leem com sabor de romance e não tiveram informações contestadas pelos agentes envolvidos, mesmo que o retrato deles passe longe do heroico.
A estratégia para o sucesso desse trabalho, segundo o responsável, foi muito simples. “Tempo”, diz Simon. “Jornalistas normalmente caem de paraquedas numa cena, colhem declarações de quem encontram pela frente e seguem para a próxima reportagem. Foi um incrível luxo permanecer um ano numa só separação da polícia.”
E foi esse esforço, finalmente, que lhe abriu os portões da televisão. A obra foi transformada dois anos depois na série “Homicídio” pela rede ocasião NBC, na qual Simon atuou porquê produtor e consultor. Pegou sabor e, a partir daí, passou a esquematizar o que se tornaria a minissérie “The Corner” e, depois, a monumental “The Wire” em parceria com o detetive Ed Burns —ele mesmo um personagem do livro, descrito porquê um lobo solitário durão e sumptuoso.
As raízes sempre foram os fatos, e ler os relatos de Simon se parece com escoltar trechos de “The Wire” —se não há um McNulty de trajo, existe na vida real um Jay Landsman porquê o interpretado por Delaney Williams. O livro alcança o efeito hipnótico da série no conflito da urgência com a burocracia, da justiça com a desordem, de agentes mais ou menos empenhados com seus obstáculos infernalmente banais.
“O trabalho é oriente: você senta detrás de uma escrivaninha de metal financiada com moeda público no sexto andejar”, escreve o responsável num trecho inspirado. “Atende ao telefone quando toca pela segunda ou terceira vez, porque Baltimore retornou os equipamentos da AT&T para trinchar despesas, e o novo telefone, em vez de tocar, emite um som que parece vir de uma ovelha de metal.”
Poucas páginas depois, na mesma descrição, ele sobe o tom. “Você fala pelo morto. É quem vinga aqueles que foram perdidos pelo mundo. O seu salário pode até ser pago com o moeda dos impostos, mas, que diabos, depois de seis cervejas, você praticamente consegue convencer a si mesmo de que trabalha para Deus em pessoa.”
David Simon nunca voltou para esse jornalismo —de onde saiu batendo a porta. Ficou tão fulo com o que via porquê práticas abusivas de repórteres-estrela do Baltimore Sun que escreveu a última temporada de “The Wire” inspirado nessa experiência, tornando um de seus desafetos no principal vilão, um jornalista que inventava histórias para se dar muito. A temporada foi criticada porquê a mais bidimensional da série.
Dá um gostinho da desilusão sofrida pelo responsável, que contemporiza agora dizendo que lê bom jornalismo todo dia, mas entende que ele produz cada vez menos impacto e que a crise da prelo foi crucial para os Estados Unidos estarem “em queda livre na direção de um regime totalitário”. “Minha surpresa pelos jornalistas que reportam da rua não diminuiu, mas há menos gente lendo isso e mais gente corrompida pelos altos níveis de desinformação”, afirma.
“Toda organização de prelo tinha um resultado valioso em mãos. Mas, porquê o moeda vinha dos anunciantes, elas não concebiam um protótipo fundamentado em assinaturas. Não entendiam o mundo novo da internet e aí passaram a dar seu resultado de perdão ali. Quando perceberam o erro, a maior secção dos leitores tinha ido embora e a maior secção do resultado tinha se perdido. Passaram a vender cascas vazias de si mesmas.”
Simon soltava a língua no dia seguinte ao proclamação de que a Meta deixaria de usar checagem de fatos em suas plataformas, numa postura alinhada à eleição de Donald Trump. O repórter pergunta se a guerra contra a disseminação de informações falsas já está perdida e a resposta, para um pessimista nato, era até previsível.
“Só vai piorar. Tudo está acelerando e não acho que a prelo esteja numa posição de sofrear o que a ‘big data’ está fazendo para destruir a credibilidade dos fatos”, diz. “Estamos indo para o inferno.”