Oriente Dia das Crianças é um pouco dissemelhante para quem gosta de livros. Desde a pandemia de Covid-19, a Flip deixou de ocorrer em julho, uma vez que era tradicional, e passou a ser organizada cada vez num mês dissemelhante do segundo semestre. Neste ano, a Sarau Literária Internacional de Paraty está a todo o vapor agora, em outubro, no litoral do Rio de Janeiro. E, pela primeira vez, o Dia das Crianças coincide com um dos principais festivais literários do país.
No ano pretérito, nascente blog já falou sobre os gargalos da programação infantojuvenil da Flip —e pouca coisa mudou de lá para cá.
Seja uma vez que for, essa coincidência é uma ótima desculpa para fazer deste sábado, dia 12, uma data ainda mais literária. Por isso, aquém há dez bons livros publicados recentemente para o público infantojuvenil. São obras que podem servir de ótimos presentes e também uma vez que início de conversas com crianças e adolescentes e fagulhas para eletrificar a lucidez de meninos, meninas e adultos.
A seguir, saiba mais sobre os livros. A cobertura completa da Flip pode ser acompanhada cá.
O Espaço Entre as Folhas da Relva
Não é excesso expor que a chilena María José Ferrada está entre as autoras latino-americanas mais interessantes do momento. Sua obra vem sendo publicada pouco a pouco no Brasil, do premiado “Kramp” a livros ilustrados uma vez que “Meu Bairro”, “A Árvores das Coisas” e outros. Agora, chega a vez de “O Espaço Entre as Folhas da Relva”. Com subtítulo “Instruções para encontrar um poema”, a edição é uma espécie de manifesto poético para as infâncias e os adultos. Nela, Ferrada desloca a noção de que a verso é a arte do sentimento e do eu —e cria uma poética que defende o campo da linguagem, do inesperado, do impossível, do estranhamento e da disrupção. “Faça um léxico./ Só com palavras transparentes”, recomenda ela. “Guarde todas as folhas/ que caem das árvores durante uma hora./ Com elas, faça um livro./ E esconda na livraria/ da sua cidade”, diz mais adiante o texto.
Contos de Fadas da Irlanda
Não é tão generalidade que um vencedor do prêmio Nobel de Literatura tenha livros lançados para o público infantojuvenil. Mas esse é o caso do irlandês William Butler Yeats, vencedor do troféu em 1923. Na verdade, “Contos de Fadas da Irlanda” pode ser lido por crianças e adolescentes, mas também por adultos. Nessa coletânea, o poeta compila uma série de histórias da literatura tradicional e verbal da Irlanda, trazendo personagens uma vez que o corcunda Dedente, fadas de todos os tipos, pessoas transformadas em gansos e outros seres fantásticos pouco conhecidos no Brasil. Enquanto os mais jovens se divertem com as aventuras e a fantasia, adultos são capturados pela relação entre a valorização da cultura popular irlandesa e a independência do país em relação ao poderio britânico, isso sem falar nas diversas referências espalhadas pelos textos, entre elas o clássico “Paraíso Perdido”, poema de John Milton.
Eu Penso Sempre em Você
Livros sobre a separação dos pais não são novidade na literatura infantojuvenil. Mas a novidade parceria do noticiarista Leo Cunha com o ilustrador Salmo Dansa acrescenta um belo capítulo a essa produção ao apresentar uma fábula ao mesmo tempo delicada e cortante. Cunha conta em primeira pessoa a história de uma garoto que toma uma série de medidas antes de visitar o pai, que agora mora em outra vivenda. Ela veste a saia que ganhou dele e não come muitos doces para não perder a rafa, por exemplo. Tudo porque, caso contrário, “você pode permanecer chateado”, repete ela várias vezes. Enquanto isso, Dansa aposta no fantástico e ilustra o conflito na forma de uma família de elefantes, com uma simpática elefantinha e seu pai macambúzio. “Por que vocês, adultos, se chateiam com coisas tão pequenas”, pergunta a rapariga, atando um nó na gasganete de quem lê. “O que foi que eu fiz para você permanecer tão sério?”, questiona ela.
A Morte É Assim?
Uma coisa é inegável —as crianças sempre fazem as melhores perguntas. E esse é o grande pulo do gato de “A Morte É Assim?”, estreia da editora Baião nos livros de não ficção. Nele, os autores compilam 38 perguntas sobre a morte feitas por crianças e adolescentes de várias partes do mundo. Para cada uma, há uma resposta ou pelo menos uma tentativa. Estão lá questões elementares uma vez que “Eu vou morrer?”, “O que existe depois da morte?” e “Por que os mortos são enterrados?”. Mas há também uma coleção de dúvidas fabulosas: “Antes de nascer eu estava morta?”, “É provável saber se nossos avós mortos têm sentimentos?”, “Morrer é má sorte?”, “Porquê saber se só dormi e não morri?”. Além da coragem de abordar um tema tão humano e tão tabu para a puerícia, a publicação cresce ainda mais ao não evitar tópicos delicados. Ela responde, por exemplo, “Por que há pessoas que se suicidam?”.
Duas Asas
Todos os dias de manhã, seu Guilherme levantava cedo, tomava moca e “comia pão e as cores da aurora”. Só aí já dá para perceber o tom poético e sensível dessa história, publicada pelas italianas Cristina Bellemo e Mariachiara Di Giorgio. Nela, o protagonista um dia encontra um par de asas no jardim, muito aquém do pessegueiro. Ele pergunta para os vizinhos se alguém perdeu aquele objeto, vai aos correios, quer saber quem deixou as asas dentro do seu quintal. Até que percebe que elas brotaram do jardim, perto de uma caixa enxurro de lembranças. A narrativa joga a todo momento com essas metáforas e insere cá e ali algumas brincadeiras de linguagem, com palavras que se unem, se misturam e formam expressões que desrespeitam a gramática e a ortografia. Até que evidente dia seu Guilherme acorda, toma moca, come pão com as cores da aurora e nota que as asas já estão maduras, prontas para o voo.
Lobo Mau com Dor de Dente
A editora Carambaia estreia na literatura para crianças com um personagem que habita esse universo há vários séculos: o lobo —mais especificamente, o Lobo Mau. Mas o responsável, o brasílico Daniel Kondo, consegue fazer alguma coisa privativo. Ele dialoga com essa tradição, tira sarro dela e, ao mesmo tempo, zero contra a maré contemporânea de desconstrução desse personagem. De qualquer tempo para cá, as livrarias vêm recebendo uma variedade de obras que subverterem esse vilão, retirando-o da prateleira dos malfeitores e apresentando-o com terror, meio bonzinho, vítima do sistema opressor e outras coisas do tipo. Na história de Kondo, feita num formato vertical e esticado, o lobo está sofrendo com dor de dente. Por isso, aparecem porquinhos, cabritinhos e até a vovozinha para ajudá-lo a resolver esse problema. Não história o final, mas é importante terebrar o olho e permanecer esperto. Nenhum lobo abre a boca à toa.
Lanche Noturno
“Lanche Noturno” até pode ser lido uma vez que uma fábula bonitinha, na qual animais se alimentam à noite. “Plim-plim, moca quentinho. Cheiro bom no ar”, diz o texto logo no primórdio, quando uma carroça com uma coruja cozinheira aparece durante a madrugada no meio da cidade. Mas essa é só a superfície. É bom notar que a história se passa num envolvente urbano e que talvez tudo seja uma metáfora. Se for assim, quem são esses morcegos, raposas, texugos, gambás e outras espécies que vagam no escuro? O que querem esses seres famintos que se arrastam pela metrópole? Quantos deles nós enxergamos no nosso dia a dia? O que representa uma coruja que prepara um boda para um ratinho que varre as ruas até tremer e permanecer fraco? Nenhuma dessas questões tem uma resposta óbvia ou correta. Mas geralmente é mais importante fazer perguntas do que já chegar com as soluções prontas.
Diploma de Promanação Poético
André Neves publica uma profunda homenagem à verso neste livro, que serve uma vez que uma espécie de introdução a muitos movimentos literários e à obra de diferentes autores —mas sem ser didático nem enciclopédico. “Quando o poeta nasceu,/ um querubim truão, meio tolo,/ veio soprar-lhe no rosto/ um ar de insignificante”, diz a obra, numa piscadela zero discreta a Carlos Drummond de Andrade. A partir daí, o título desfila versos rimados e brancos, estrofes metrificadas, palavras soltas, trava-línguas, estruturas típicas da verso popular, haicais, palíndromos que fizeram a cabeça dos franceses do Oulipo, entre outras experiências poéticas que vão pipocando de maneira engenhosa. Embora não se arrisque numa verso mais radical, que esfarela a linguagem, desmorona a vocábulo e dinamita a narrativa, “Diploma de Promanação Poético” é uma elegante resposta para quem acha que garoto não gosta de verso.
As Interrupções
“A literatura não poderia viver se não existissem as moscas.” Essa frase da escritora mexicana Margo Glantz, infelizmente pouco conhecida no Brasil, abre nascente criativo livro dos argentinos Nicolás Schuff e Mariana Ruiz Johnson. Enxurrada de referências, que vão do palhaço terrificante de “It” a Michel Foucault, essa metanarrativa tem início quando o noticiarista decide gerar um história, mas uma mosca aparece e acaba distraindo-o. A partir daí, surgem dinossauros, ladrões, detetives, ex-namoradas, a Chapeuzinho Vermelho e a própria avó do responsável, que sempre diz: “Para que redigir sobre isso? Temos que seguir adiante”. A história vai se transformando ao longo das páginas, passando de um história fantástico para uma trama policial, romântica, de terror e infantil, uma vez que se fosse um tentativa literário sobre os gêneros da literatura —mostrando com humor e nonsense uma vez que todos eles acabam sempre se misturando.
A Longa Jornada de Jamil Fugindo da Guerra
No término dos anos 1940, o teuto Theodor W. Adorno se questionou se seria provável fazer verso depois de Auschwitz e da morte de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. A pergunta reaparece frequentemente desde logo e ganha ainda mais força com os conflitos atuais, uma vez que na Ucrânia e no Oriente Médio —onde aproximadamente 11 milénio crianças morreram exclusivamente em Gaza, sendo que muro de 700 delas eram bebês com menos de um ano, segundo dados da organização Save the Children. Porquê fazer literatura infantojuvenil nesse cenário? Moreira de Acopiara e Luciano Tasso apostam na verso para descrever a história de Jamil, varão que precisou fugir da Síria por justificação da guerra, deixando para trás a mulher e o rebento. O caminho povoado de soldados, mercenários, rostos tristes e barcos frágeis sobre o mar ecoa ainda mais neste momento, quando Israel bombardeia a Síria depois de combater o Líbano e a Palestina.