“A termo não serve para substituir a imagem. Ela é péssima para isso”, diz Eva Furnari. “Tive que reaprender a redigir. Fazer um livro juvenil é porquê trocar de profissão.”
Aos 76 anos e consolidada porquê um dos principais nomes da literatura infantojuvenil brasileira, a escritora e ilustradora está com o indiferente na bojo das estreias. Autora de quase 70 obras para crianças, entre eles “Felpo Filva”, “Cocô de Passarinho”, “A Feitiçeira Zelda e os 80 Docinhos” e muitos outros, Furnari resolveu mudar de ares. Neste domingo, dia 16, ela lança em São Paulo o seu primeiro romance para adolescentes: “Rozaspina”, que também é o seu primeiro livro sem ilustrações.
“Foi muito difícil largar a imagem. A minha geração é sempre visual”, conta. Não que as 360 páginas do volume estejam sem nenhum ilustração —Furnari ilustrou a toga e colocou quatro mapas e uns pares de botas no miolo. Mas só. “É muito dissemelhante do livro infantil. Numa história mais longa, você precisa pensar no roda narrativo, estruturar profundamente os personagens. Sem as imagens, são as palavras que geram os sentimentos. Fui aprendendo na marra, meio autodidata.”
“Rozaspina” sai pela editora Moderna e conta a história da moça Lalin, que descobre ter poderes mágicos ligados ao bordado, incluindo o dom de dar vida a bichos que ela costura. Vivendo numa ilhéu isolada com a avó, a pequena acaba se envolvendo numa trama detetivesca que envolve um vilão poderoso, o sumiço de sua mãe e uma espécie de escola de magia, a tal Rozaspina do título, um lugar pleno de bruxos costureiros. Para tentar estancar o mago maligno, ela se une aos amigos Luc e Mirko, que também descobrem seus poderes mágicos ligados às linhas e agulhas.
Soou familiar? Furnari abraça na obra uma estrutura narrativa clássica, que pode ser vista em diversos livros de fantasia. É porquê se “Rozaspina” fosse uma espécie de “Harry Potter” pleno de bordados e crochês. Os elementos são os mesmos que estruturam o best-seller de J. K. Rowling e outros clássicos de autores fundamentais da literatura fantástica, porquê C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien. Estão lá a protagonista que desconhece o seu pretérito, o chamado para a façanha, as revelações inesperadas, os objetos mágicos, os ajudantes do herói, a morte simbólica que funciona porquê rito de passagem.
A autora diz que não se apegou a essas fórmulas —ou não de forma consciente. “Você pode até montar uma narrativa lógica que funcione. Milhões de manuais ensinam a fazer isso, a enganchar o leitor. Mas as histórias precisam de mais. Precisam ter psique”, afirma. “Eu não sou uma pessoa estudiosa. É a percepção que me guia. É porquê uma vara de pescar, a gente não sabe de onde vem a imaginação.”
Mas é verosímil rastrear alguns caminhos percorridos por esse anzol. “Rosaspina”, por exemplo, é o nome em italiano do “A Bela Adormecida” dos irmãos Grimm —história de fadas em que bruxas e costuras são muito importantes, finalmente a princesa só cai em sono profundo depois de ser amaldiçoada pela vilã e pungir o dedo num tear.
Furnari conta que começou a rascunhar o romance há mais de 20 anos, em 2003, com anotações e desenhos feitos em diversos cadernos. Inicialmente, porém, a intenção era produzir um livro infantil ilustrado. Só que a trama foi ficando cada vez mais complexa, os croquis dos personagens se avolumaram, os cadernos se multiplicaram com esboços e até uma maquete com o cenário foi produzida. Aos poucos, virou uma façanha para adolescentes.
“Os cadernos têm 500 milénio coisas. São um caldeirão. Foram tantas ideias que, no prelúdios, o projecto era publicar três volumes. No termo, reduzimos para um só.”
Não que Furnari precisasse de toda essa pesquisa para desbravar o universo da magia. A feitiçeira é uma figura recorrente nos livros da autora desde o prelúdios da curso. Sua primeira personagem de sucesso foi exatamente a Bruxinha, que nasceu neste jornal, na Folhinha, em 1982. Depois, vieram incontáveis livros com feiticeiras —entre eles, “Sorumbática”, “Trudi e Kiki”, “Truks”, além do já citado “A Feitiçeira Zelda e os 80 Docinhos”, por exemplo.
Mas há uma diferença. Nos infantis, a feitiçeira é geralmente meio atrapalhada, quase maluquinha, às vezes nonsense, com um ar boa-praça e sempre carismática. Isso motivo uma rachadura na aura de terror que costuma vir a tiracolo com essas personagens, o que acaba produzindo um sorrisinho de surpresa ou uma gargalhada de quebra de expectativa no leitor. “Rozaspina”, porém, vai por outro caminho.
Embora Lalin também seja um poço de carisma, a protagonista do romance não transita pelo humor. Sua vida é mais trágica. Suas questões, mais filosóficas. Os desafios estão intimamente ligados à autodescoberta, ao encontro com o primeiro paixão, à dura transição da puerícia para a vida adulta. É outro registro, outro tipo de feitiçeira. São novos feitiços.
Isso quer expor que Eva Furnari é agora uma escritora para adolescentes e que as bruxinhas amalucadas ficaram para trás?
“Não vou fazer a prosseguimento da história da Lalin. Não é o projecto. Mas sobrou tanto material, tanto, mas tanto, que estou preparando um novo infantil dentro desse universo. Não posso dar detalhes, mas tenho arquivos e arquivos de magias”, diz. “Volto para os infantis muito dissemelhante.”
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