Um ódio porquê nunca antes na vida. É isso que o influenciador Felipe Neto lembra ter sentido quando, em 2013, ajudou a espessar os protestos que logo se converteram em atos contra o governo petista de logo.
Quem o vê hoje desempenado à esquerda talvez já tenha esquecido que ele foi um desses antipetistas de carteirinha. Que fez coro para a operação Lava Jato. Que apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. E que via Lula porquê “corrupto, bandido, safado”.
Segundo ele —uma das principais atrações da Bienal do Livro de São Paulo, engrandecido no sábado, dia 7—, o que esse pretérito mostra não é só um crítico da esquerda, mas um jovem que era um copo até cá de veneno, ele próprio um agente do ódio.
No novo livro “Uma vez que Enfrentar o Ódio”, que quebrou recordes de pré-venda na Companhia das Letras, Felipe secção desse currículo para relatar a história de sua espécie de conversão na estrada para Damasco. Ou seja, de porquê deixou o pretérito de direita e se tornou uma pessoa de esquerda.
Mais do que isso: o youtuber narra em detalhes o que viveu depois de se tornar uma das principais vozes de oposição ao governo de Jair Bolsonaro nas redes, com ataques na internet, calúnias e ameaças de morte. Uma vez que personagem principal dessa narrativa, Felipe também tenta oferecer um manual contra aquilo que ele diz ter representado.
“Alegam que fui oportunista, que mudei de lado porque convinha. Mas só perdi numerário, não ganhei seguidores, perdi coisas vitais na minha profissão”, afirma, em entrevista, o influenciador que estima ter perdido R$ 70 milhões em campanhas publicitárias nos últimos anos.
Felipe dá nome e sobrenome dos famosos que julga serem eles sim os oportunistas: Whindersson Nunes, Bianca Andrade, Gabriela Pugliesi, Anitta e outros que ou se calaram ou não se manifestaram de forma contundente contra o bolsonarismo.
Nos últimos anos, figuras que fizeram oposição ao PT se aliaram ao partido: Geraldo Alckmin, hoje no PSB, virou vice-presidente de Lula; Marta Suplicy, que votou pelo impeachment de Dilma, é vice na placa de Guilherme Boulos (PSOL) à Prefeitura de São Paulo. Felipe Neto não estaria sendo mais realista que o rei ao cobrar seus colegas tão duramente?
“Na política, é oriundo a troca de lado. Eu mesmo mudei de lado. Minha sátira é à fraqueza de muitos influenciadores ao verem o desenvolvimento do neofascismo no Brasil. Diante desse risco, eles optaram pelo silêncio para manter seu patamar financeiro e número de seguidores”, afirma ele.
A prelo brasileira, inclusive esta Folha, também é mira de críticas na obra. Na narrativa que Felipe constrói, a penitência dos pecados é concluída num relato sentimental de um jantar no qual ele pede perdão a Dilma Rousseff.
“É preciso que eu peça perdão, ou nunca poderei superar essa tempo da minha vida”, escreve. “Eu apoiei o golpe, eu ajudei a cevar o antipetismo, eu participei de todo o movimento que levou o Bolsonaro ao poder, acordei tarde demais. Eu estava inverídico.”
Dilma diz que ele estava mesmo. Mas dá o seu perdão, abraça o influencer e, depois, sela a amizade oferecendo um cafezinho. À idade, a cena foi registrada pelos convidados do encontro.
Uma vez que na internet tudo muda em subida velocidade, alguns debates já tiveram novos capítulos desde que ele terminou de ortografar o livro. Por exemplo: a principal plataforma de atuação política de Felipe, o X (ex-Twitter), hoje está bloqueada no Brasil, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federalista, depois endossada pela Primeira Turma da galanteio.
“Elon Musk quer fabricar instabilidade política no Brasil”, diz Felipe. “Achei que ele teria mais esteio social, mas isso não vem acontecendo. Vejo mais pessoas em prol da decisão do STF que contra, o que me pegou de surpresa.”
O youtuber aponta o alcance restringido do X e diz que sua queda não causará grandes mudanças no país. E reforça as críticas a Musk.
“As atitudes dele não têm zero a ver com resguardo da liberdade de frase. Se tivessem, estaria atacando a China, onde o X é proibido, ou a Índia, que determinou remoção do teor de um documentário da BBC da plataforma. Ele quer desestabilizar países que tenham saído da extrema direita. Sabe aquele vilão de filme? Ele é um Lex Luthor.”
Outra novidade desde que Felipe terminou o livro foi o desenvolvimento, na corrida pela prefeitura paulistana, de Pablo Marçal, candidato do PRTB com presença poderoso nas redes e com apelo no bolsonarismo. O influenciador vem acompanhando a disputa.
“Bolsonaro nunca entendeu zero de estratégia do dedo, só fazia o que era mandado. Marçal é mais consciente. Quando decide vincular a imagem do Boulos a um cheirador de cocaína, sabe que está mentindo. É uma figura perigosa para o envolvente político brasiliano.”
E a estratégia dos candidatos rivais frente a esse desenvolvimento?
“Não dá para explorar as campanhas de Tabata e Boulos em pé de paridade, estamos falando de alguém na liderança e alguém nas últimas posições. Um tem muito a perder e outro não tem zero a perder, por isso pode ser mais ousado. O Boulos está numa sinuca de ponta, mas acho muito exagerado expor que ele foi manso na campanha. Isso é patranha.”
Quanto ao incidente do evento de campanha de Boulos em que o hino vernáculo foi cantado com linguagem neutra, no término de agosto, Felipe achou “uma enorme bobagem” —mas critica a reação de aliados ao caso.
“Fiquei irritado de ver integrantes da própria esquerda fazendo um escarcéu. Óbvio que é ruim, desconectado das massas, cria uma imagem prejudicial da esquerda. Mas, em vez de a esquerda tratar o matéria com a pouca seriedade que teve, ela joga sal na ferida”, diz.
E quanto à promessa do prelúdios do livro, porquê enfrentar o tal do ódio? O eventual leitor há de se surpreender um pouco com a resposta, que é mais pessimista do que o título sugere.
Segundo Felipe Neto, é praticamente impossível a esquerda ter uma estratégia do dedo capaz de vencer a direita. “O que a gente procura o tempo inteiro é vedar o sangue. É sempre uma hemorragia sendo contida”, afirma.
O que mudaria esse cenário, diz, seria uma maior regulação das redes. Mas será que uma proposta assim não seria usar leis para beneficiar um campo político?
“A direita é muito bem-vinda, embora eu a ache equivocada. A teoria não é varar a direita do debate. É varar a extrema direita que prega a intolerância.”