Quem defende que religião e política não se discute pode se escandalizar: Bruna Maia e Anna Virginia Balloussier trouxeram o sexo —outro tabu— para a mesa de debates da Vivenda Folha na Flip nesta sexta-feira (11). Começaram reconhecendo que são temas espinhosos, mas disseram possuir mais espaço para falar sobre pluralidade sexual e religiosa hoje.
“A gente tem essa teoria dos religiosos porquê ‘pudicos’, mas o quanto isso acontece na vida real? Eles estão aí casando cedo, consumindo romances com teor sexual, por isso evito fazer grandes afirmações”, disse Maia, autora da pilar X de Sexo, na Folha.
“A reforma protestante começou, em partes, porque Martinho Lutero queria transar”, respondeu Balloussier, autora de “O Púlpito: Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos” e repórter próprio da Folha, arrancando risos da plateia.
Entre suas reivindicações, o líder religioso do século 16 defendia o termo do celibato, ainda hoje imposto aos padres, na igreja católica, e liberto para os pastores evangélicos.
Balloussier perguntou à plateia quantos eram evangélicos, e se espantou ao notar que exclusivamente dois levantaram a mão. Para ela, que se intitulou porquê advogada do sagrado na conversa, racismo religioso e intolerância religiosa são coisas distintas.
“A gente vê muito racismo religioso, inclusive quando retrata Jesus porquê uma pessoa que se parece comigo, com pele e olhos claros. É impossível ele ser assim. Mas é elitista essa sensação de que a religiosidade afro-brasileira deveria falar pelos negros do país, sendo que a maioria dos evangélicos é negra, enquanto vemos um embranquecimento dos terreiros.”
Para Maia, que defendeu a obediência entre sagrado e secular, religiões cristãs e de matriz africana exalam, à sua maneira, o libido secular.
“Eu sempre achei muito fácil ver o secular, tanto no catolicismo quanto na religião de matriz africana. A de matriz africana, em tese, é um tipo de religião que aceita muito mais a pluralidade sexual. O catolicismo sempre foi uma religião que associei com uma hipocrisia muito possante”, disse, ao reportar porquê exemplo a Pomba Gira, caracterizada por uma sexualidade marcante e geralmente associada à prostituição.
E, em resposta a quem acha que os crentes são todos caretas, Balloussier defendeu que não: “‘Poema dos Cânticos’ [livro bíblico do antigo testamento] é quase um ‘sexy hot’ da Bíblia. Foi um pastor que me cantou isso”, disse.
“Há muito mais autonomia na fé evangélica do que parece”, acrescentou. Pablo Marçal, figura que tem movimentado o noticiário nos últimos meses, tem muito a ver com esse movimento, segundo ela. “Quando a gente pensa na verve antissistema, tem a ver com isso. Ele acredita que não precisa de uma igreja para estar com Deus. Ele conseguiu pescar uma secção jovem que não quer mais saber de instituição.”
Ela explicou que foi Santo Agostinho —que os evangélicos não consideram santo, mas os católicos, sim— foi quem inventou o sexo porquê se entende hoje. “Ele cria a teoria do perversão original e coloca o marido porquê dominante do libido da mulher.”
Já para os evangélicos, grupo que ela insiste em frisar ser diverso, há essa teoria de que o prazer e o sexo são instrumentos divinos para que o ser humano procrie e seja também feliz.
Ela citou o pastor Claudio Duarte, sabido por suas pregações sobre relacionamento, porquê exemplo de que o tema não é necessariamente tabu nas igrejas protestantes. “O mais consensual é o sexo depois do consórcio. Há divergências sobre outros temas, porquê o sexo anal, por exemplo.”
Maia citou os fetichistas litúrgicos porquê um grupo que ela gosta de estudar. “Esse é o envolvente sexual mais pleno de regras que existe, ao mesmo tempo que é safadeza. A gente tem muito o que aprender do BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo) sobre notícia e consentimento. Muitas vezes eles estão interessados em coisas que vão muito além da penetração”, disse.
A conversa caiu ainda na legalização do monstro, que hoje é visto porquê perversão por católicos e alas evangélicas, mas já foi considerado um sacramento.
“Nos anos 1970, nos Estados Unidos, uma igreja batista tinha uma gama grande de permissões para o monstro. Isso mudou porquê uma estratégia política, que surgiu da junção de uma direita cristã com o Partido Republicano”, diz Balloussier. “Viram que o monstro era capaz de eletrizar uma base de eleitores.”
Para ela, a discussão no Brasil pode lucrar novos contornos entre os evangélicos, já que a teoria de vida a partir da concepção de um embrião pode esbarrar em temas já resolvidos, porquê a fertilização in vitro. “Esses curto-circuitos vão se formando. Muitos fiéis, casais inférteis, que não puderam ter filhos pela via proveniente, vão se sentir impedidos do recta de ter rebento —que é considerado um recta divino que eles têm.”
Maia finalizou falando que o sexo ocupa um lugar mais secular do que sagrado em seus textos. “Analiso o lugar de dominação e submissão do sexo, mas não num sentido de fetiche. Eu estou sempre explorando a dinâmica de poder que existe no sexo na reprodução. Meu trabalho vê o sexo porquê uma coisa muito mundana, porque ele perde a dimensão sagrada, de conexão, que a gente poderia buscar as vezes. Podemos pensar no sexo porquê um lugar de diversão. Espero fazer isso nos próximos trabalhos.”