Flup 2024 Clama Que A Vida Negra é, Ela Mesma,

Flup 2024 clama que a vida negra é, ela mesma, literatura – 17/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Quando recebi o invitação para estar cá, fiquei pensando, ‘o que eu vou fazer num espaço literário?’ Eu nem sou escritora”, disse Ana Paula Oliveira, um tanto constrangida, ao pegar o microfone na Flup, a Sarau Literária das Periferias. “Mas a gente escreve histórias com as nossas ações, né?”

Cria da favela de Manguinhos, na zona setentrião do Rio de Janeiro, Oliveira amarrou um nó na gasganete da plateia ao racontar uma vez que se tornar ativista lhe deu novo impulso de vida depois que seu fruto, Johnatha, foi assassinado com um tiro disparado nas costas por um policial, há dez anos.

A cena é útil para entender a Flup, festival que acaba de receber, nos últimos sete dias, palestras de nomes centrais da produção de livros e teses acadêmicas, mas procurou tratar com igual valia experiências que brotavam de outros lugares sociais.

Foi verosímil ouvir argumentações incisivas de palestrantes que não fariam mal-parecido em nenhum festival internacional, uma vez que a nigeriana Oyeronke Oyewumi e a britânica Bernardine Evaristo, incluindo brasileiros uma vez que Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Leda Maria Martins, Kabengele Munanga e Luciany Aparecida.

O peso dos convidados —em sua grande maioria, convidadas— já evidencia uma vez que a Flup se tornou um evento de alcance pátrio ao longo de suas 14 edições. O trajo de ter sucedido no Circo Volátil, moradia tradicional em frente aos Arcos da Lapa, fez reverberar suas palavras pelo meio nervoso do Rio de Janeiro.

Com raízes na periferia, o festival não esteve fisicamente ali durante esta semana, ampliando seus megafones também para uma classe média do meio da cidade, mas o público nunca deixou de espelhar as mesas majoritariamente negras.

Diversos palestrantes compararam o evento a uma espécie de quilombo, lembrando a conceituação de Beatriz Promanação, a historiadora homenageada desta edição —ou seja, um espaço de guarida, troca e fortalecimento da comunidade negra.

Finalmente, uma vez que muito se lembrou, o envolvente internacional faz uma transição hostil contra pautas raciais e proteção de minorias —Donald Trump, reconduzido à presidência dos Estados Unidos, é o epítome de uma direita extremada que hoje cresce por todo o mundo.

A Flup é um evento que abraça em vez de rechaçar a política, contrariando a noção de uma localidade intelectual em que sábios se reúnem para filosofar divorciados do mundo.

A graduação 6×1 estava na ordem do dia, e foram comuns protestos inflamados contra a subida taxa de jovens negros mortos de forma violenta no Brasil e a anistia pelo Congresso de partidos, da esquerda à direita, que ignoraram as cotas para candidaturas negras.

As divergências aparecem tanto no contraste de métodos e experiências entre os palestrantes quanto na gama de manifestações culturais convocadas para dentro do mesmo espaço de debate —não só saraus de slam e trova, mas apresentações musicais, rodas de samba e bailes funk que encerraram todas as noites.

Tudo regido com congruência: difícil não ver a joeira que a pernambucana Lia de Itamaracá embalou ao final da segunda-feira uma vez que um complemento, harmonioso e performativo, das ideias de coletividade negra apresentadas antes no mesmo palco.

E nisso há um reforço eficiente de público. A plateia atraída em plena terça-feira para o show da popstar paraense Dona Onete, se chegasse um pouquinho mais cedo, veria uma conversa rica entre a escritora cubana Teresa Cárdenas e a mineira Cidinha da Silva.

Toda a programação, por fim, foi ocasião e gratuita, muito por pretexto do patrocínio de empresas de grande porte uma vez que Shell, Vale e CCR, além de instituições uma vez que a Ford e a Open Society Foundation.

É um festival ingénuo ao imprevisto e ao improviso. E se isso pode provocar tropeços uma vez que a mesa de preâmbulo internacional, a que nenhuma das convidadas pôde comparecer por motivos pessoais e logísticos —nem mesmo a mediadora e curadora do evento—, também gera boas surpresas.

Quando um rabino de cerimônias, Chico Regueira, foi chamado para entrevistar a plateia, trouxe ao palco uma mulher mais velha, Marlyê, que contou ser cantora de curso discreta e emocionou o público ao soltar um vozeirão a cappella. Terminou longamente ovacionada.

Na Flup, muito se falou em afrocentrismo, no incitamento a pessoas negras se entenderem e se narrarem partindo de termos e concepções próprias das culturas africanas e diaspóricas.

É uma discussão alinhada a um festival literário já que, ao termo e ao cabo, reflete sobre uma vez que racontar uma história —seja pelos livros, pelas salas de lição ou pela própria vida, uma vez que faz Ana Paula Oliveira todos os dias.

O jornalista viajou a invitação do festival

Folha

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