A Folha convidou quatro profissionais envolvidos na cobertura de literatura do jornal para indicar cinco destaques entre os melhores livros de 2024.
A teoria é oferecer uma lista com pluralidade de visões e gostos, com uma novidade em relação a anos anteriores. Dessa vez, os críticos foram orientados a escolher exclusivamente obras de ficção —a estante de não ficção terá outra seleção divulgada em breve. De resto, a única exigência era que a obra tivesse sido lançada neste ano.
A lista tem uma heterogeneidade de romances, contos, poemas, compilados históricos e anotações de diários, abarcando autores de países uma vez que Argentina, Itália, Romênia e Austrália, com destaque para brasileiros de seis estados diferentes.
Confira todas as 20 indicações a seguir.
ALEX CASTRO
Plumitivo, é responsável de ‘Atenção.’ e ‘Mentiras Reunidas’
Segurant, o Cavaleiro do Dragão
Emanuele Arioli, ed.: Vestígio, trad.: Emanuele Arioli, R$ 79,80 (256 págs.), R$ 55,90 (ebook)
Esse livro de cavalaria recentemente revelado e reconstituído por um pesquisador franco-italiano é uma perfeita introdução à literatura medieval: além de ser um texto paradigmático da melhor literatura artúrica, ele já aponta para os vários caminhos que a literatura vai seguir a partir do Renascimento, de Rabelais e de Cervantes. Uma vez que um atrativo privativo, a tradução diretamente do francesismo macróbio ficou a função do próprio pesquisador, enamorado pelo Brasil, e foi baseada no ritmo e no vocabulário da nossa literatura de cordel.
Guerra – I: Ofensiva Paraguaia e Reação Aliada − Novembro de 1864 a Março de 1866
Beatriz Bracher, ed.: 34, R$ 119 (536 págs.)
Se é nos momentos de maior crise que melhor se conhecem as pessoas e os povos, logo não existe momento melhor para entender o Brasil do que nosso maior conflito armado. Assim uma vez que Arioli não escreveu “Segurant”, mas criou uma novidade obra a partir de fragmentos esparsos, o mesmo fez Beatriz Bracher nesse romance insuperável e inovador sobre a Guerra do Paraguai. A autora já avisa que são dela exclusivamente as breves palavras dos paratextos: de resto, o livro é formado pelas palavras das próprias pessoas que viveram a história.
De Onde Eles Vêm
Jeferson Tenório, ed.: Companhia das Letras, R$ 74,90 (208 págs.), R$ 39,90 (ebook)
A escravidão é o indumento medial da história brasileira e as estruturas racistas criadas por elas ainda estão entre nós. Em seu novo livro, Tenório, nosso grande romancista do racismo, nos leva ao primeiro momento de adoção de cotas raciais nas universidades públicas. Por fim, quem são essas pessoas entrando nesse espaço até ontem tão branco? Com um leque temático cada vez mais largo e com cada vez mais domínio da técnica literária, Tenório aborda também a misoginia, a homofobia, o etarismo e o capacitismo. Enfim, uma obra sobre “outrofobia”.
Nem Mesmo os Mortos
Juan Gómez Bárcena, ed.: DBA, trad.: Silvia Massimini Felix, R$ 104,90 (480 págs)
Seguindo a trilha oportunidade por “Nostromo”, de Joseph Conrad, e “Os Passos Perdidos”, de Alejo Carpentier, surge o mais novo candidato ao posto de “grande romance latino-americano”. Escrito por um espanhol, ambientado em um México que representa toda a América Latina e evocando a estética do faroeste, “Nem Mesmo os Mortos” é uma viagem alucinante e alucinógena, através do espaço mas também do tempo, pelos dramas do nosso continente, da escravidão colonial à crise dos imigrantes não documentados de Trump. Absolutamente imperdível.
Solenoide
Mircea Cartarescu, ed.: Mundaréu, trad.: Fernando Klabin, R$ 146 (784 págs.)
“Solenoide” é uma das leituras mais impactantes de toda uma vida dedicada a leituras impactantes. Ostensivamente, o romance é sobre um professor fracassado de Bucareste, mas não há uma vez que descrever essa obra tão cósmica com palavras que lhe façam justiça. Nunca houve na literatura um livro tão antiliterário e que, justamente por isso, ilustra tão muito as potencialidades ainda inexploradas do romance. “Solenoide” é, no mínimo, uma leitura revolucionária e transformadora, e talvez até, sem pavor do excesso, uma experiência religiosa.
CAMILA VON HOLDEFER
Tradutora e pesquisadora da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul
As Planícies
Gerald Murnane, ed.: Todavia, trad.: Caetano W. Galindo, R$ 69,90 (112 págs.), R$ 49,90 (ebook)
Livro estranho, fascinante e hipnótico, é o primeiro do australiano publicado no Brasil. A narrativa acompanha um cineasta que pretende rodar um filme sobre as planícies e seus habitantes —é um outsider, ou seja, acompanha tudo uma vez que uma espécie de antropólogo. Murnane, ao produzir a densa atmosfera autorreferencial das planícies, faz uma óptimo caricatura da maneira uma vez que nossa cultura, nossas crenças e nossos comportamentos são moldados pelo lugar em que vivemos, que enxergamos de modos ligeiramente diferentes.
Poemas em Coletânea
Jon Fosse, ed.: Círculo de Poemas, trad.: de Leonardo Pinto Silva, R$ 104,90 (472 págs.)
Sou, admito, obcecada por Fosse. Seu livro de poemas é congruente com um projeto estético sólido. Fosse não se vale de uma voz pretensamente universal ou incorpórea, mas escreve com uma voz muito própria que trabalha e retrabalha elementos palpáveis que se repetem em romances, novelas, peças e, sim, nos próprios poemas. A repetição não é falta de ponto, mas um estudo de novas maneiras de perceber. O embarcação, o azul do firmamento, o menino, o cão: isso é Fosse, isso é a voz de Fosse e dos personagens de Fosse. É pegar ou largar.
O Gaucho Insofrível
Roberto Bolaño, trad.: Joca Reiners Terron, ed.: Companhia das Letras, R$ 69,90 (152 págs.); R$ 37,90 (ebook)
Último livro de contos escrito pelo genial responsável chileno, a obra ganhou tradução (à fundura) para o português exclusivamente levante ano. A verve de Bolaño é a mesma, mas os contos são mais estranhos —ou mais sombrios e menos escrachados— que os de coletâneas uma vez que “Chamadas Telefônicas”. De certa forma, “O Gaucho Insofrível” faz jus à melhor tradição do narrativa, aquela cuja tradução da narrativa é tão complexa quanto plural.
Acrobata
Alice Sant’Anna, ed.: Companhia das Letras, R$ 69,90 (88 págs.), R$ 39,90 (ebook)
Sabor muito da trova da Sant’Anna desde que li “Rabo de Baleia”, logo publicado pela Cosac Naify. “Acrobata” tem um tanto de seu predecessor, mas revela uma poeta mais madura e mais disposta a exibir e distrair com aquelas qualidades que lhe são mais características sem que uma anule a outra —uma certa leveza, diria até que zombaria, que não esconde uma maneira estranha, enviesada e meio taciturna de enxergar o mundo. Parece uma combinação improvável e é. Por isso funciona.
Trilogia
Jon Fosse, ed.: Companhia das Letras, trad.: Guilherme da Silva Braga, R$ 69,90 (200 págs.), R$ 39,90 (ebook)
Fiz um grande esforço para não colocar dois livros de Fosse. Falhei, pois me senti uma impostora. A verdade é que leio Fosse com a sofreguidão de uma religiosa na rito. “Trilogia” é, em manifesto sentido, muito similar à “Septologia” (em breve no Brasil) e “É a Ales”: personagens, situações e elementos que nunca são exatamente o que parecem são inseridos em uma atmosfera lúgubre e pesada. Cá, um par que comete um assassínio precisa, talvez, mourejar com as consequências de seus atos.
STEFANIA CHIARELLI
Professora e pesquisadora de literatura brasileira na Universidade Federalista Fluminense
Línguas
Domenico Starnone, ed.: Todavia, trad.: Maurício Santana Dias, R$ 69,90 (144 págs.), R$ 54,90 (ebook)
O talento de Starnone na arquitetura de boas histórias redobra neste romance protagonizado por um narrador idoso revisitando a meninice na Nápoles do pós-guerra, pretexto para uma reflexão sobre vida, morte e memória. Uma vez que de uso, o plumitivo cria personagens de grande densidade e faz cintilar o relato no amolado duelo de palavras entre avó e neto. Um responsável em plena maturidade literária.
Cassandra em Mogadício
Igiaba Scego, ed.: Nós, trad.: Francesca Cricelli, R$ 89 (376 págs.)
Um diálogo intergeracional estrutura essa obra autobiográfica que irradia para as geografias da Itália e da Somália, recuperando a trajetória de uma família esmigalhada pelo tempo, o colonialismo e os deslocamentos. Em seu relevante projeto literário, Scego pinta uma Roma de intensos cruzamentos culturais e mostra a língua uma vez que espaço de disputa. Comovente e arrebatadora, a história dessa bambina negra redefine nosso olhar sobre lugares e gentes.
Nostalgias Canibais
Odorico Leal, ed.: Âyiné, R$ 79,90 (110 págs.)
Leal apresenta o conjunto de cinco contos tendo o Éden uma vez que fio condutor. As delícias de um festim terreno estão presentes na mesocarpo humana devorada em “Paraíso Canibal”, na fenda do volume. O responsável incorpora a presença do insólito, forjando histórias marcadas pelo domínio do ritmo narrativo e imagens que perduram em seguida a leitura, seja pelo humor ou pelo lirismo batizado com ironia. Bela e promissora estreia.
Contos Céticos
Adriana Lunardi, ed.: Record, R$ 74,90 (160 págs.), R$ 34,90 (ebook)
A ficção de caráter intimista da escritora catarinense rende um volume de nove narrativas breves (e uma nota do sorte) caracterizadas pela precisão e o treino permanente da incerteza. A finitude, os desencontros e as ausências são expressas pela elegante sintaxe desse livro que pede uma leitura atenta ao trabalho com a linguagem: frase a frase, parágrafo a parágrafo, é literatura feita de sutileza.
Baumgartner
Paul Auster, ed.: Companhia das Letras, trad. Jorio Dauster, R$ 79,90 (176 págs.), R$ 39,90 (ebook)
O último romance do responsável demonstra de novo sua habilidade de nos tragar para dentro de um universo regido pelo eventualidade, a coincidência e o pretérito. Seymour Baumgartner está viúvo há uma dezena de Anna, morta em um acidente. Dela, lê anotações autobiográficas que se justapõem às próprias lembranças, elementos que compõem essa narrativa sobre a atenção a todas as coisas vivas. “Chegando ao termo, queria que ao menos lhe fosse concedida a honra de que o coração parasse enquanto produzia sua frase derradeira.”
WALTER PORTO
Editor de Livros e colunista do Pintura das Letras
Literatura Infantil
Alejandro Zambra, trad.: Miguel Del Castillo, ed.: Companhia das Letras, R$ 69,90 (224 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Grafar ao rebento, segundo Zambra, significa ao mesmo tempo honrar a moço que você sempre foi e lançar uma garrafa a um horizonte a que você não pertencerá, mas mesmo assim nutriz.
O Embranquecimento
Evandro Cruz Silva, ed.: Patuá, R$ 50 (182 págs.)
Cruz Silva dá um tratamento elegante e multifacetado a um motivo literário de contemporaneidade latente: a mulher negra de família pobre que, ao ingressar em círculos universitários, equilibra o orgulho com a tormento do deslocamento, numa narrativa que conversa com o óptimo “De Onde Eles Vêm”, supra.
Puro
Nara Vidal, ed.: Todavia, R$ 59,90 (96 págs.); R$ 38,90 (ebook)
Vidal olha sem pavor para o caimento da história do Brasil —as barbaridades de texto eugenista de que foi capaz uma branquitude supostamente civilizada e assustadoramente familiar. Não satisfeita com a vertigem, atira quem está lendo junto no penhasco.
Asma
Adelaide Ivánova, ed.: Nós, R$ 69 (200 págs.)
Ao elaborar sua trova épica, Ivánova soa tão radicalmente novidade escrevendo sobre temas tão, mas tão ancestrais que faz pensar que a língua, no fundo, se reinventa para falar sempre da mesma febre que não passa. Mas cá ela se reinventa com embocadura deliciosa e insubmissão das mais inspiradoras.
Tese sobre uma Domesticação
Camila Sosa Villada, trad.: Silvia Massimini Felix, ed.: Companhia das Letras, R$ 69,90 (224 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Talvez a prosadora mais voraz do nosso tempo, Camila Sosa Villada se detém sobre assuntos milenares uma vez que sexo, himeneu e família com uma ousadia tão oriundo e um tesão tão trágico e furioso que é uma vez que se estivéssemos ouvindo falar disso tudo pela primeira vez —direto da sua prima mais boca suja.