No próximo dia 17 de abril, completam-se dez anos da morte do Nobel colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). A celebração vem com novidades —a publicação póstuma de um livro inédito do responsável, “Em Agosto Nos Vemos”, e a produção, pela Netflix, de uma série baseada em “Centena Anos de Solidão”, ainda sem data de estreia definida.
Os lançamentos geraram sentimentos controversos entre os admiradores do redactor. No caso do livro, que chega às estantes brasileiras neste 6 de março, o debate é sobre a obra não estar exatamente completa.
Em termos de narrativa, o leitor não fica na mão —ela tem primícias, meio e término. Mas nota-se claramente que o texto não está concluído em termos de edição, e faz falta a revisão minuciosa que Gabo fazia de todos os seus livros.
“Ele gostava muito dessa obra, mas no final da vida, já não tinha uma vez que trabalhar nos detalhes, no artesanato do texto, uma vez que fez em seus outros romances. Porém, o leitor cauteloso notará seu poder de descrição de personagens, de arquitetura de uma história, estão intactos. Por isso resolvemos publicá-lo”, diz à Folha Rodrigo García Barcha, um dos filhos do redactor, que assina o prefácio ao lado do irmão, Gonzalo. Em seus últimos anos de vida, Gabo foi agredido por um cancro e por um estado de demência que o impediram de seguir criando uma vez que antes.
O lançamento, no Brasil, será sincronizado com o de outros 70 países, novamente com tradução assinada por Eric Nepomuceno. Nesta mesma data, saem versões do romance no México, nos Estados Unidos, no Reino Unificado, na Armênia, na Bulgária, na China, na República Tcheca, na Croácia, na Dinamarca, na Holanda, na Estônia, na Macedônia, na França, na Noruega, na Hungria, na Itália, no Japão, na Coreia, na Lituânia, na Índia, na Noruega e na Polônia, entre outros países.
A trama conta a história de uma mulher de 46 anos, bela, discreta, casada e, até portanto, leal. Ela viaja todos os meses de agosto, natalício da morte da mãe, até uma ilhota caribenha onde está o túmulo dela e deixa flores em sua sepultura.
Tudo ocorre igual todos os anos. Depois chegar à ilhota de embarcação, a personagem toma sempre o mesmo táxi, hospeda-se no mesmo hotel, compra flores da mesma vendedora, cumpre sua tarefa e secção no dia seguinte.
Levante ritual, porém, muda no dia em que ela conhece um varão no bar do hotel, e logo a viagem funéreo anual toma outros contornos.
“Esta é uma das poucas vezes em que García Márquez coloca uma mulher uma vez que protagonista, uma vez que voz do relato principal. É uma obra que demonstra a vigência de Gabo nos dias de hoje”, diz Jaime Abello Banfi, diretor da Instalação Gabo, enfatizando que o processo editorial “foi feito com muito desvelo, para manter o espírito e a integridade do livro”. O responsável pela edição foi Cristóbal Pêra, colega do redactor que desempenhou a mesma função em muitos de seus títulos anteriores.
Hugo Ramírez, professor de literatura hispano-americana na Universidade dos Andes e profissional na obra do colombiano, considera a decisão de publicar “Em Agosto Nos Vemos” contraditória, no entanto.
Para ele, seria importante saber detalhes do processo de edição, uma vez que que trechos do texto foram mantidos e quais foram excluídos pelo redactor em uma leitura final, ou mesmo se há inserções que não são de sua autoria. Só assim, ele completa, seria verosímil “gozar a obra uma vez que um Gabo inédito”, diz.
O acadêmico afirma que “é necessário colocar um limite no que se deve ou não publicar”. Ele lembra que há mais de 20 versões intermediárias de “Centena Anos de Solidão” antes da final. “Vamos publicar todas?”, questiona. “É evidente que, se eu fosse fruto de Gabo, quereria continuar ganhando com sua obra, mas há um limite ético, penso eu. E a série da Netflix? Gabo jurou durante toda a vida que nunca permitiria que levassem oriente livro nem para o cinema, a televisão ou o teatro. E cá estamos, nas vésperas de uma estreia.”
Por término, Ramírez diz confiar que as obras do colombiano deveriam mesmo eram ser relidas, e com atenção, “pois há camadas, detalhes e interpretações” que pode ser que muitos não tenham percebido numa primeira leitura.
Segundo os filhos de Gabo, o texto publicado agora equivale à quinta e última versão do livro, na qual o redactor trabalhou até quando a sua saúde permitiu. Levou-se em conta no processo as notas que ele tinha deixado em seu computador.
O fruto Rodrigo diz que, olhando a obra universal do colombiano, “Em Agosto Nos Vemos” combina “perfeitamente” com os três romances curtos que ele publicou no final da vida.
Havia ainda uma trilogia autobiográfica que Gabo tinha em seus planos. Terminou exclusivamente o primeiro livro, “Viver para Recontar”, e parou por ali. Segundo Rodrigo, essa foi uma decisão que o redactor tomou conscientemente. Depois de finalizar o volume, hoje também considerado um clássico, “ele chegou à epílogo de que havia descrito sua puerícia e sua juventude, ou seja, os anos que o tornaram redactor, e isso era o mais relevante”, e decidiu desistir do resto.
A equatoriana Gabriel Polit é professora da Universidade de Austin, no Texas, onde a família de Gabo decidiu depositar toda a sua obra posteriormente sua morte, e acompanhou a chegada da coleção ao lugar.
Embora muitos colombianos tenham chiado com a opção, clamando pela permanência do pilha do redactor em seu país natal, a escolha por Austin foi muito acertada.
Ali, no Harry Ransom Center, estão coleções de mais de 12 ganhadores do prêmio Nobel de Literatura, uma vez que Doris Lessing e Samuel Beckett, além de outros autores reconhecidos internacionalmente, uma vez que William Faulkner e Norman Mailer.
Polit conta que “Em Agosto Nos Vemos” também está lá. “O caso é que nunca pode trespassar zero dali, nem digitalizar, nem zero. Tudo tem de ser lido ali mesmo”, diz.
A pesquisadora afirma também ter sentimentos ambíguos em relação à publicação póstuma do livro. “É evidente que temos de ler uma vez que uma romance inacabada”, pondera. Ao mesmo tempo, completa, “é uma alegria o encontro com uma obra inédita deste redactor que amamos tanto dez anos depois de sua morte”.
No prefácio, Rodrigo e Gonzalo fazem uma espécie de mea-culpa por terem posto o García Márquez responsável supra do García Márquez pai. É quase um pedido de desculpas ao redactor. “Se a obra for muito, todo o préstimo será de Gabo. Se for mal, toda a culpa será nossa”, conclui Rodrigo.