James Baldwin, 100, Foi ícone Independente Do Antirracismo 28/07/2024

James Baldwin, 100, foi ícone independente do antirracismo – 28/07/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

No funeral de James Baldwin, em 1987, uma das encarregadas de discursar foi Toni Morrison, poucos anos antes de se tornar a primeira mulher negra a levar o Nobel de Literatura. Mas ali quem falava era uma amiga, sete anos mais novidade, que se referia a ele porquê “Jimmy”.

“Há coisas demais a pensar sobre você, e coisas demais a sentir. A dificuldade é que sua vida rejeita ser resumida —sempre rejeitou— e convida, no lugar, a ser contemplada.”

Século anos depois do promanação do responsável, marco que se completa na próxima sexta-feira, dia 2, essa contemplação não se abrandou —e Baldwin não se tornou nem um pouco mais fácil de definir.

Novaiorquino do Harlem morto de cancro em Paris, onde morou durante a maior segmento da vida madura, Baldwin não foi somente um repórter comemorado por romances porquê “Terreno Estranha” e “Se a Rua Beale Falasse”, mas um intelectual capaz de se inserir com voracidade e elegância no debate público, influenciando discussões sobre raça, sexualidade e religião num esforço de incansável independência.

“Baldwin consegue vivenciar a anfibologia porquê um lugar”, afirma o sociólogo Márcio Macedo, professor e coordenador de volubilidade da Instalação Getulio Vargas. “E a anfibologia é a única forma de entender a experiência negra em toda a sua dificuldade.”

Com isso, diz o professor, ele conseguia entender e organizar, na ebulição dos movimentos pelos direitos civis dos negros nos anos 1960, tanto a radicalidade dos Panteras Negras e dos muçulmanos que estavam com Malcolm X quanto a perspectiva pacifista de Martin Luther King.

Seu mais recente lançamento no Brasil, a reedição de “Da Próxima Vez, o Queima” na Companhia das Letras —que encampa um projeto sólido de reapresentação do responsável ao público desde 2018—, traz o longo experimento autobiográfico “Ao Pé da Cruz: Missiva de uma Região de Minha Mente”, que deixa explícita a singularidade de seu trajectória.

O texto mostra sua incorporação e, logo, retraimento dos valores tradicionais de sua família; o mesmo balanço pendular em relação ao trabalho porquê pregador numa igreja cristã, na juventude; movimento que depois repete num encontro com o mítico líder Elijah Muhammad, da País do Islã. Cá, há uma cena fascinante.

Circunvalado de acólitos numa mesa em sua morada, Muhammad percebe que Baldwin não pretende se filiar a seu grupo e pergunta, logo, o que ele era se não muçulmano. “O que sou? Agora? Não sou zero”, responde ele, um tanto desconfortável. “Sou repórter. Sabor de fazer as coisas sozinho.”

“Não sei se a literatura do Baldwin é desejada por muita gente”, diz o historiador Allan da Rosa. “É uma literatura que aceita provar fraquezas de discursos tidos porquê libertadores e forças de discursos tidos porquê superados.”

Segundo o pesquisador, Baldwin tensionava “isso que hoje a gente labareda de representatividade”. “Ele dizia que o repórter não é deputado para simbolizar milhões de pessoas. Se ele quiser simbolizar essas pessoas, vai deixar de simbolizar a si mesmo.”

Rosa lembra que, quando vinham comemorar o repórter porquê uma voz em prol da libertação da comunidade gay, pelo romance “O Quarto de Giovanni”, ele retrucava. “Não, eu não escrevi um livro sobre a homossexualidade. Isso é superficial, fortuito. Eu escrevi um livro sobre os labirintos do paixão.”

A figura de Baldwin, porquê um varão preto que fugia à heteronormatividade e às masculinidades viris que eram hegemônicas em sua estação —aliás, presentes em homens porquê Malcolm X—, corrobora o que Macedo dizia sobre seu terreno de anfibologia.

Em conversas que teve com leitores de sua obra em gerações anteriores, o professor sentia ter contato com dois grupos separados: os ativistas atentos a suas produções sobre raça e os homens gays que se identificaram com “O Quarto de Giovanni”. “É engraçado que, naquele contexto, não se faziam conexões. Era porquê se eles lessem James Baldwins distintos.”

Hoje, num mundo mais afeito a fazer intersecção entre debates de raça, gênero e sexualidade, a leitura do americano se renova e se alastra. “Baldwin se tornou uma das vozes mais fascinantes do século 20 graças ao seu estilo lúcido, que impressiona pela atualidade”, afirma Alice Sant’Anna, que o edita na Companhia das Letras.

Essa atualidade, germinada por autores porquê ele, o acolhe melhor porquê referência. Durante a conversa com o repórter, Macedo mostra um aviso que vinha nas primeiras páginas de uma edição de 1967 de “Numa Terreno Estranha”, na editora Mundo —que, na tradução da Companhia, perdeu a primeira vocábulo do título.

“Nascente livro destina-se a leitores adultos: sob nenhum pretexto deve ser posto na mão de menores”, alertava o texto, que logo em seguida saudava a obra porquê “um dos mais poderosos romances de nossa estação”.

Um tanto revelador de um crítico que consegue ser ao mesmo tempo combater e conciliar, porquê sugere Sant’Anna. “É uma proposta de fazer com que nós, brancos, percebamos o nosso lugar e, a partir daí, propor uma transformação.”

“A maior sátira dele é à hipocrisia da América”, afirma Allan da Rosa. “Ele apresenta a neurose do racista, mostra porquê há uma tormenta no puritanismo do branco, que elabora um sistema discursivo e ideológico para dar conta de ser pseudocristão, linchador e segregacionista. Esse é o grande mistério. Ele mergulha nessa subjetividade e em porquê porquê isso se esparrama nas almas negras.”

Foi isso que tocou fundo em gente porquê sua amiga Toni Morrison. “Aqueles que viram a penúria de suas próprias imaginações no espelho que você mostrava a eles tentaram reduzir esse espelho a fragmentos que podiam qualificar, tentaram desprezar os cacos”, disse ela, emocionada, naquele oração de 1987.

“Mas para os milhares e milhares que acolheram seus textos e se deram permissão para ouvir sua linguagem, por esse gesto somente enobreceram a si mesmos”, continuou ela, “se descobriram e civilizaram”.

Folha

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