James Baldwin Lembra Que A História Dos Eua é A

James Baldwin lembra que a história dos EUA é a dos negros – 28/07/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Qualquer pessoa que tente compreender a questão racial na obra de James Baldwin não deve percorrer o risco de reduzir o responsável a exclusivamente isso.

Não é à toa que o documentário a saudação das 30 páginas de anotações de Baldwin em seu quotidiano sobre três líderes do movimento por direitos civis nos Estados Unidos —Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr.— se labareda “Eu Não Sou Seu Preto”.

A frase-título tomada muito o espírito de um redactor que não via a história dos afro-americanos porquê separada da história dos Estados Unidos. Para Baldwin, o traje de habitarmos o mesmo paquete não o torna mais tolerável, e sim mais revoltante.

Está aí a primeira propriedade meão da escrita de Baldwin quando vista a partir da lente racial: a noção de convivialidade entre pessoas negras e brancas nos EUA. Não existem dois Estados Unidos, apesar de a segregação de outrora e a desigualdade de hoje imporem percepções de realidades distintas.

Para o responsável, o racismo é tão perverso que faz olvidar que o mundo de privilégios propiciado pela branquitude —tão onipresente quanto invisível a olhos nus— não está separado do mundo de vexação racial. É, na verdade, o mesmo mundo.

“Não esqueçamos que oprimido e opressor estão unidos no interno de uma mesma sociedade”, escreveu Baldwin em “Notas de um Rebento Nativo”, coletânea publicada no Brasil pela Companhia das Letras em 2020 a partir da série de ensaios original de 1955.

O responsável era obcecado em desmascarar o mito da superioridade de pessoas brancas, apontando a humanidade generalidade entre negros e brancos, não suas diferenças. “A história do preto nos Estados Unidos é a história dos Estados Unidos”, lembra no experimento “Muitos Milhares de Mortos”.

Outro ponto meão em Baldwin é a noção de autoconsciência racial. “Ele não era o preto de ninguém. E isso é um transgressão na porra deste país livre”, escreve Baldwin sobre Fonny, o jovem preto abordado de forma violenta por um policial no romance “Se a Rua Beale Falasse”, originalmente publicado em 1974.

“Supõe-se que você seja o preto de alguém. E se você não for o preto de alguém, logo você é um preto mau: e foi isso que os policiais decidiram quando o Fonny se mudou para downtown”, complementa.

O racismo é tão sagaz que triunfa na “capacidade de convencer as pessoas a quem ela atribui um status subalterno de que essa inferioridade é real”, mesmo quando isso não passa de uma ilusão, lembra Baldwin.

O antirracismo de Baldwin é poderoso porque não depende da identidade do interlocutor. “Eu não sei o que a maioria das pessoas brancas neste país sente. Mas só posso concluir o que elas sentem pelo estado de suas instituições”, disse o redactor em um programa de entrevista em 1968.

O intelectual está menos preocupado em sentimentos de culpa ou de autodefinição racial, e mais no estado desigual das instituições econômicas, sociais e culturais. Nisto, parece antecipar o debate que se tem hoje sobre reparação.

“Deixe-me colocar desta forma: de um ponto de vista muito literal, os portos e as ferrovias do país; a economia, principalmente dos estados do Sul, não poderia ser o que se tornou se eles não tivessem tido, e ainda têm, na verdade, e por tanto tempo —tantas gerações —mão de obra barata”, disse em um famoso debate na Universidade de Cambridge em 1965, um ano depois a promulgação da Lei dos Direitos Civis nos EUA.

Ao creditar a riqueza da potência americana ao trabalho precarizado de pessoas negras, Baldwin ofídio a dívida impagável do racismo porquê sistema de poder econômico por meio do acúmulo de riqueza.

Baldwin não queria ser lido porquê um redactor de protesto, no entanto. Não acreditava nisso. Não porque não quisesse o protesto, pelo contrário, mas porque entendia que o romance de protesto —feito de forma caricata, maniqueísta, sem atribuir responsabilidade efetiva —desumaniza justamente aqueles a quem buscava encontrar um lugar.

“O romance de protesto fracassa por rejeitar a vida, o ser humano, por negar sua venustidade, seu pavor, seu poder, ao teimar que exclusivamente sua categorização é real e não pode ser transcendida”, escreveu no experimento “O Romance de Protesto de Todos”.

O que resta a fazer, por fim? Baldwin, de um lado, permite sentir raiva. “Não há um preto vivo que não tenha essa raiva no sangue —as duas únicas opções são conviver com ela de modo consciente ou entregar-se a ela”, escreveu no experimento “Notas de um Rebento Nativo”.

De outro, Baldwin, nos impõe —a brancos e a negros, também— um responsabilidade quase apocalíptico: ou “ousamos tudo agora” ou sobre nossas cabeças cumprirá a profecia feita a Noé. “Não mais chuva, da próxima vez, o queimação!”

Folha

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