Jean Claude Bernardet, 88, Se Equilibra Entre Morte E Vida

Jean-Claude Bernardet, 88, se equilibra entre morte e vida – 16/08/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Jean-Claude Bernardet chega aos 88 anos com o corpo de um varão da sua idade, mas ainda mais fragilizado pelas condições de saúde —o convívio com o HIV, com um cancro vezeiro na próstata, que ele decidiu não tratar com quimioterapia, e a quase perda da visão por conta de uma degeneração ocular.

Ao mesmo tempo, seu corpo magro, frágil, enrugado e com manchas tem uma vitalidade impressionante, em contraste à sua disposição de trabalhar incansavelmente uma vez que ator, diretor e escrevendo mais um livro de autoficção.

Bernardet prepara o livro “Viver o Pavor”, em seguida ter lançado no ano pretérito “Wet Nódoa: Memória/Rapsódia”, uma espécie de autobiografia, fragmentária e livre, com a escritora Sabina Anzuategui, que assumiu o projeto em seguida a morte da editora Heloisa Jahn.

“Não tenho tempo para pensar no que vou fazer. Tenho que fazer primeiro para depois pensar. Quando era mais jovem, não planejava muito. As coisas foram acontecendo de forma circunstancial —a universidade, lecionar, grafar, atuar, guiar”, ele diz, em seu apartamento no Copan, no meio de São Paulo.

Um dos maiores críticos e intelectuais vivos do cinema brasílio, Bernardet não tem tempo de permanecer recluso aos louros do pretérito. Escreveu quase duas dezenas de livros, publicações seminais para os rumos do cinema brasílio, uma vez que “Brasil em Tempo de Cinema”, de 1967, e “Cineastas e Imagens do Povo”, de 1985.

Agora com uma mostra em sua homenagem nos CCBB de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro ao longo de agosto, com curadoria da cineasta Andréa Cals, ele quer mesmo é seguir seus projetos com jovens diretores e sua parceria com Rubens Rewald, que codirigiu o documentário “#Eagoraoque”, de 2020, sobre o cenário político brasílio.

“O trabalho mais interessante que estou fazendo é com [o cineasta] Fábio Rogério. Filmes de seis minutos, sem edital, com quase nenhuma grana, com imagens de registro, concluídos o mais rápido verosímil”, diz ele, com o exaltação de um novato.

O primeiro foi “Leito Vazia”, que roda o país em festivais desde o ano pretérito. Nele, retrata, numa sequência de fotos cruas, uma das internações a que Bernardet teve que se subordinar em hospitais e explora a precariedade do bem-estar do paciente diante de uma indústria que só expande a vida para poder lucrar mais.

Agora, fizeram “A Última Valsa”, uma colagem de trechos de cenas dos filmes que Bernardet trabalhou uma vez que ator, para o Curta Kinoforum, que acontece em São Paulo, de 22 de agosto a 1º de setembro. Há ainda um terceiro curta em período de montagem, com o título provisório de “Sinais dos Tempos”.

Já com Rewald e a cineasta Emily Hozokawa, ele trabalha em um novo longa, chamado por ora de “Brizola”, sobre o papel da classe média brasileira nos rumos do país, a partir da reflexão da personalidade combativa e democrática do político gaúcho.

Mesmo tendo convivido com figuras uma vez que Paulo Emílio Salles Gomes, que o convidou para grafar uma vez que crítico num jornal, os cineastas do cinema novo, marginal, da período da pornochanchada, Bernardet não ficou restrito à sua geração, preferindo trabalhar com jovens aspirantes a diretores. Topava fazer uma vez que ator os curtas dos jovens estudantes da Escola de Comunicações e Artes, a ECA, da Universidade de São Paulo, onde lecionou até se reformar, em 2004.

“Essas pessoas me convidam e eu aceito com todo prazer e disposição. E também é deleitável para mim passar a ter um diálogo com essas pessoas mais jovens. Com as pessoas da minha geração eu não tenho mais diálogo”, afirma. “Porque elas não têm zero a me manifestar. E eu tampouco a elas”.

Nessa empreitada, ele acaba de protagonizar o primeiro curta do ator Pedro Goifman, rebento dos cineastas Kiko Goifman e Claudia Priscilla —ambos já dirigiram Bernardet. Em “Adrenalina”, o crítico é um ex-cirurgião cardiovascular que coleciona bicicletas roubadas em seu apartamento no Copan.

“Gostei de fazer esse filme, apesar de exigir de mim um esforço físico para levar a bicicleta roubada para meu apartamento. Conheço Pedro desde garoto. Ele foi crescendo e passou a me invocar de avô. Já que trabalhei com Kiko e agora com Pedro, pretendo continuar vivo para fazer um filme com o rebento de Pedro. Aí completariam três gerações de cineastas que me dirigiram uma vez que ator”, diz.

Se a curso de ator foi ocasional nas primeiras décadas, quando ainda era professor, ganhou maior relevância a partir de 2008, quando protagonizou “FilmeFobia”, de Kiko Goifman, pelo qual venceu o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília. “Eu estava deprimido nessa estação e faria qualquer coisa para transpor daquela situação”, diz.

Agora, Bernardet participa de “Nosferatu”, próximo longa de Cristiano Burlan, no papel de pai do vampiro, vivido pelo ator Pedro Sanches. A reportagem acompanhou um dia de filmagens no Teatro Cemitério dos Automóveis, em junho.

Na cena, o personagem de Bernardet é detido numa cadeira elétrica por dois vampiros que vão eletrocutá-lo. De óculos, calça e camiseta, ele se torna uma encarnação do Bob Cuspe, o punk de Angeli, e impressiona na forma uma vez que usa o corpo e sua concentração —totalmente absorvido pelo personagem, somente dando atenção às orientações de Burlan.

“Para mim, a direção vem sempre na segunda tomada. E essa relação que criei com Jean-Claude nos filmes que realizamos, ele entende muito. Não é uma maneira dialética ou intelectual, mas propondo dentro do espaço fílmico entre a ação e o corta”, diz o diretor.

Essa entrega ficou aparente noutra cena, com a atriz Helena Ignez, de 82 anos. Uma das damas do cinema novo e marginal, ela interpreta uma vampira mor. “Era uma tomada em que a personagem dela iria morder meu pescoço. Nem sei se mordeu mesmo. Joguei toda a vigor no meu corpo. Cristiano achou que ira ter um troço”, diz ele, rindo.

Esse método, peculiar para um não ator —aos moldes daqueles buscados pelo galicismo Robert Bresson—, atrai quem procura esquemas de encenação livres. A postura, sem afetações, faz da sua trajetória um farol para entender o que é um artista no Brasil —e nessa arte que Bernardet por décadas tentou interpretar.

Folha

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