“Num primeiro momento, eles tinham curiosidade sobre mim”, escreve Joaquim, um jovem preto nascido na periferia de Porto Feliz, sobre os colegas de sua novidade universidade. “Mas, quando descobriam que eu era cotista, eles se tranquilizavam, já presumiam saber tudo sobre mim.”
Joaquim é o coração do novo romance de Jeferson Tenório, que segmento da premissa contrária —há oceanos ainda inexplorados dentro de personagens uma vez que ele, estudantes selecionados por cotas raciais que têm mudado por dentro as universidades.
E não só elas, segundo o jornalista. “Foi uma revolução silenciosa”, afirma o responsável do novo “De Onde Eles Vêm”, que falará na Flip sobre levante seu primeiro romance posteriormente o estrondoso “O Avesso da Pele”, que vendeu mais de 200 milénio exemplares e foi claro de tentativas de increpação.
De convénio com Tenório, são efeitos efeitos das ações afirmativas desde mudanças nas referências bibliográficas do ensino superior até a proliferação de uma gramática antirracista no dia a dia. Mas zero disso foi de uma hora para outra, e aí reside um trunfo do romance.
“Eu não quis fazer um retrato leal, hiper-realista, do que foi esse momento do primórdio das cotas”, afirma o jornalista de 47 anos, prestes a ser pai pela segunda vez, em seu apartamento no núcleo de São Paulo. “Quis levar o leitor para uma atmosfera em que ele próprio se sentisse uma vez que alguém tomando consciência.”
É um ângulo privilegiado para isso. O responsável hoje premiado com o Jabuti foi um dos primeiros estudantes a entrar por cotas na licenciatura em letras da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul, em 2010. Portanto testemunhou uma vez que muitas reivindicações foram se construindo aos poucos.
Há uma cena em que Luana, colega de Joaquim, pergunta educadamente a sua professora de estudos de gênero se havia autoras negras na bibliografia do curso. Não havia. Mesmo que o embate não seja ofensivo, o tom “soou por demais violento” para a professora, escreve Tenório. “Em toda a sua curso, era a primeira vez que alguém questionava sua bibliografia.”
“Hoje você já entra numa lição de universidade pública e encontra uma heterogeneidade de alunos muito muito organizados”, diz o jornalista. “Antes, os professores não eram contestados. Quando você entra num curso de letras e vê referências completamente eurocêntricas, brancas, masculinas, é uma violência, não é? Portanto a descolonização das ideias sempre vai gerar esse atrito, e é preciso encontrar pontos de convergência.”
Mas o livro não é sobre cotas, é sobre Joaquim. Se outro sucesso recente, o “Marrom e Amarelo” de Paulo Scott, se debruçou sobre o processo de seleção e ingresso dos negros na universidade, “De Onde Eles Vêm” está mais interessado nas sutilezas do convívio com colegas e professores.
Um docente avalia, por exemplo, que os cotistas são “esforçados, mas não têm base”. “Querem tapar o queda com um remendo”, desabafa. Já o garoto se revolta “por saber que a maioria dos colegas da universidade não tinham de cuidar de uma avó com demência, não tinham de enfrentar um ônibus uma vez que aquele, não tinham de permanecer procurando ofício”.
Se as cotas são consolidadas em lei federalista desde 2012, o livro se atenta às experiências da dezena anterior, quando já havia políticas pontuais de ação afirmativa num ar mais improvisado, trazendo pessoas negras às salas de lição sem se preocupar com sua adaptação e permanência —integrando sem, de vestuário, incluir.
Numa crise mais aguda, Joaquim chega a vociferar contra o sistema de cotas. De zero adiantava estar naquela faculdade com as toneladas de encargos que continuavam sobre suas costas.
“Lembro de ter entrado no curso com tanta vontade. Porquê se fosse minha única chance na vida”, escreve o aluno. “Mas os problemas externos me tomaram de tal maneira que a universidade se tornou grande demais para mim. Na verdade, eu comecei a desenvolver raiva e ao mesmo tempo inveja dos meus colegas que podiam ter crises existenciais, que podiam trancar o curso, ou mesmo desistir dele.”
Porquê arrimo de família, Joaquim precisa lucrar verba de qualquer jeito, sem conseguir lucrar experiência em estágios não remunerados. E se hoje Tenório se sustenta muito pelo meio literário, sua resposta sobre os empregos que já exerceu lembra muito o que se lê no romance.
“Nossa”, diz um jornalista de fala suave e delicada. “Desde atendente de lanchonete, de telemarketing, pizzaria, office boy, até na própria escola, onde você acaba sendo um operário da instrução. Tendo 15 turmas e 400 alunos, você vira uma máquina de dar lição. Por quase 40 anos da minha vida, eu fiz coisas de que eu não gostei e não entendia por quê.”
Tenório não fala no tom de uma pessoa que enfim “chegou lá”, naquele chavão empreendedor. Não é o fervor triunfal de alguém que resolveu sua vida —é o mesmo tom agridoce que encharca “De Onde Eles Vêm”, uma narrativa que não oferece panaceia nem desolação a seu protagonista. “Há esperança, mas uma esperança ferida”, reconhece o responsável.
Nas horas mais difíceis, Joaquim se apoia na leitura de “Terreno Estranha”, clássico do jornalista afro-americano James Baldwin sobre as relações raciais nos Estados Unidos. O jovem sente que não exclusivamente entendia Baldwin, mas era entendido por ele.
“O que eu queria uma vez que responsável era ser lido”, diz Tenório, justificando sua prosa simples e fluida. “Mas eu gostaria de ser lido por aquela pessoa que talvez nunca tenha terminado um livro. Aquele jovem que nunca leu um livro pode pegar o meu e pensar, nossa, esse rosto cá sabe o que eu estou passando.”
Ou seja, não é que Tenório queira ser entendido pelo seu leitor —ele quer mostrar que o entende.