Em mais um dia nas vilas de Lombada do Pinho, na zona leste de Porto Satisfeito, uma nova-velha candidata a vereadora usa palavras bonitas para mascarar falsas promessas enquanto quatro amigas discutem a verdade do exposição —e seu impacto nas reais necessidades dos moradores locais.
Assim começa “Vera”, novo livro de José Falero, responsável do premiado romance “Os Supridores”, de 2020. Ambos foram lançados pela Todavia.
Apesar da ambientação com fundo político-social, já conhecida de suas obras anteriores, nas páginas seguintes fica evidente que o objetivo do responsável é aprofundar as dinâmicas desiguais das relações de gênero a partir de um olhar interseccional.
É a primeira vez também que Falero traz ao protagonismo da história personagens femininas, ainda que, segundo ele, a masculinidade tóxica seja personagem.
“Brinco que a minha namorada deveria ter 50% dos direitos autorais dos meus livros, porque foi a partir de uma conversa nossa que ela me provocou a olhar para a falta de mulheres nos meus livros”, conta. “Ou por outra, era uma oportunidade para eu mesmo pensar sobre a minha requisito de varão e o universo masculino.”
Na narrativa, não faltam exemplos de uma vez que o machismo opera, em diferentes instâncias, considerando a flutuação de personagens: de Vera, uma empregada doméstica assediada pelo porteiro, até a sua patroa, Iolanda, a mãe, Helena, as amigas, as vizinhas. “Tentei tratar daquilo que poderia contribuir para refletirmos sobre até que ponto as relações de gênero parecem se misturar com as de classe e raça.”
O romance, na verdade, é o primeiro de uma trilogia em construção, que irá seguir o incremento do fruto de Vera, Vanderson, da puerícia à vida adulta.
“A teoria é mostrar uma vez que esse menino é moldado pelo convívio. Muita gente fala que um varão é machista porque foi criado assim. E uma vez que diversas famílias [brasileiras] não têm convívio direto com os pais, a responsabilidade acaba recaindo sobre as mães. Mas é uma falácia. Quando alguém vai para o mundo e fica em contato com outras pessoas, é esse contexto que molda muito mais a mentalidade machista e misógina.”
Nem por isso Falero se sente uma exceção. “É importante frisar isso, porque muita gente pode ler o livro e pensar que para eu fazer essa sátira, devo ser dissemelhante ou melhor. A subjetividade de um varão foi modelada num país misógino e machista. O que podemos fazer é nos policiarmos para melhorar atitudes, e isso não nos faz grande coisa.”
Grafar as passagens do livro, inclusive, trouxe para o responsável novas crises diante da própria masculinidade. “Tinham trechos difíceis, não no sentido de bloqueio criativo, mas da ordem moral, porque me percebi pior do que eu achava que era, entende?”
Além do trabalho sensível que tece em torno de um tema tão espinhoso, Falero mostra em “Vera” uma evolução da sua escrita, e ele credita essa maturidade ao tempo devotado só para isso.
“Para mim, ‘Vera’ representa o vértice do meu domínio técnico, porque estou escrevendo agora com um acúmulo de experiência, somado ao tempo disponível para escrevê-lo. Sou um noticiarista cauteloso aos detalhes, escrevo 30 versões da mesma frase e fico comparando para escolher qual fica”, diz.
“Veja, é uma série de questões favoráveis para isso. Grafar é meu trabalho. É a coisa que mais me orgulho, e zero é perfeito, nem na literatura, nem em nenhum campo de construção de coisas, mas [esse livro] é o melhor que já consegui fazer.”
Nascido na periferia de Porto Satisfeito, Falero descobriu a vocação para a escrita quando se tornou um leitor ávido. Passou a conciliar o novo ofício com trabalhos uma vez que porteiro, facilitar de cozinha, assistente de obra e estoquista em supermercado, até conseguir se sustentar unicamente com o que ganhava pelas suas histórias.
Responsável de outros três livros, ele se firma uma vez que uma das vozes mais interessantes de seguir na literatura brasileira contemporânea.
Ainda garante que a sua vontade é seguir desenvolvendo narrativas longas, apesar de ter aproveitado o tempo uma vez que historiador na revista do dedo Parênteses —os textos publicados entre 2019 e 2021 foram reunidos no livro “Mas Em Que Mundo Tu Vive?”, de 2021— e contista a invitação da editora Karine Bassi, da Venas Abiertas, que publicou seu livro de estreia, “Vila Sapo”, reeditado depois pela Todavia.
“Era alguma coisa da vida prática, precisava de trabalho, mas queria poder tatear, entender o que eu paladar, gatinhar, tropicar, levantar de novo e ver uma vez que funciona. Tive muita liberdade”, lembra.
Agora, seu objetivo é invadir outros ambientes fora da bolha intelectual. “Quero ser um noticiarista popular. Fiz muitos progressos na minha curso, mas não nesse sentido.”