José Hamilton Ribeiro Lança Livro E Integra Mostra Em Sp

José Hamilton Ribeiro lança livro e integra mostra em SP – 25/06/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Em São Paulo deve estar gelado, né?” Com pavor ao indiferente, José Hamilton Ribeiro volta e meia repetia a questão e, de gozação, punha em incerteza se deixaria mesmo seu refúgio rústico em Uberaba para eventos na capital paulista relacionados ao lançamento da novidade edição de seu livro “O Paladar da Guerra” (Companhia das Letras).

“Fazer o que em São Paulo? O que não falta em São Paulo é gente, um a mais não vai fazer diferença”, brincava na semana passada, quando a reportagem o entrevistou na sua herdade Forquilha, no município mineiro, para onde se mudou na pandemia.

Embora pareça charme, o vestimenta é que Zé Hamilton gosta de verdade do campo. Passa os dias a contemplar os pássaros e a natureza, a ler e, sempre que verosímil, a prosear com o leiteiro Carlos Irineu, o Carlinhos, que ordenha as 23 vacas da propriedade, ou com seu vizinho e violeiro Júnior Borges.

Mora sozinho, mas está sempre escoltado de funcionários da herdade, da sobrinha Cristina, que vive em Uberaba e administra a propriedade, e recebe visitas frequentes das filhas, as jornalistas Teté e Ana.

Conhece a fundo os bichos, códigos e a cultura da região. Diante de um grasnar invulgar ao repórter e à fotógrafa, ele decretou: gralha! Era mesmo. Mais adiante, um pássaro de ponta pontudo ciscava pelo terreiro. “É curicaca”. Era mesmo.

No caminho até o curral, num término de tarde, outras aves pouco familiares a urbanos surgem na borda da estrada. “Saracura. Essa é a hora de elas saírem para passear.” Numa árvore seca, um batalhão de urubus: “É sinal de que morreu uma rês aí pra plebeu”. Tinha morrido mesmo.

No curral, conversa com Carlinhos. Comentam sobre o lançamento do livro. “Tem que ortografar livro mesmo, sô, porque com essa seca… Tá braba, tá queimando tudo.” Zé Hamilton quer saber mais sobre a estiagem –faz murado de três meses que não chove para valer na região.

“Uai, seu Zé, vai continuar braba demais, olha o firmamento…”. O lusco-fusco é de um laranja plúmbeo, o ar está repleto, zero de vento. “Não tem sinal de chuva de jeito nenhum. Esse ano pode prevenir queima.”

Em tempos de chuva, as vacas produzem 300 litros de leite por dia. Na seca, uns 220 litros. “Carlinhos, e o indiferente esse ano?”. “Seu Zé, esse ano não vai ter indiferente. Cá já teve mês de junho que a gente pisava no gelo.” “Que bom”, festeja o jornalista. “Quem gosta de indiferente é pneumonia e IML”, graceja, repetindo uma de suas frases favoritas.

De repente, a prosa muda radicalmente, e os dois trocam impressões sobre a Guerra da Ucrânia e o poder de Vladimir Putin.

Na volta para lar, diante de uma pequena lagoa, surge a história de um jacaré que vivia ali. “Chamava-se Duque”, informa Zé Hamilton. “Comia frango de granja.”

Na varanda de lar, a rima de livros ao lado da rede onde gosta de se espichar para ler tem edições de “Sátira da Razão Pura”, clássico do filósofo teuto Immanuel Kant (“É, mas não estou lendo mesmo não, só dando uma beliscadinha”), “Humanidade: Uma História Otimista do Varão”, do historiador holandês Rutger Bregman, “Aves Brasileiras e Vegetalidade que as Atraem”, de Johan e Christian Dalgas Frisch, entre muitos outros.

Gosta de ler os jornais –devora os exemplares da Folha que lhe chegam– e acompanha o noticiário pela TV. O gosto está tinindo: é um comedor voraz de melancia, toma moca o dia inteiro e vez por outra aprecia um trago de vinho do Porto. Aos 88 anos (faz 89 em agosto), queixa-se de que a memória “já está claudicando”.

Mas em muitos momentos se recorda com nitidez de sua trajetória de 67 anos de jornalismo, nos quais ganhou sete vezes o prêmio Esso, por anos o mais importante do país. Começou com 19 anos, em 1954, no quotidiano paulistano O Tempo. Depois trabalhou na Folha (na quadra ainda Folha da Manhã e Folha da Noite) e em revistas da editora Abril (Quatro Rodas, Veja e Veras).

Nesta última, fez a cobertura da Guerra do Vietnã e algumas reportagens célebres, algumas delas reunidas na novidade edição de “O Paladar da Guerra”, pela coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras.

Nascido em Santa Rosa do Viterbo, na região de Ribeirão Preto, interno de São Paulo próximo à mote com Minas, conta que o paladar pela façanha o levou ao jornalismo. “Eu sou de uma cidade pequena, de uma verdade restrita. Logo você fica muito curioso para ver o que tem outrossim.”

Durante a ditadura, passou a atuar em jornais menores do interno de São Paulo. “A grande prensa estava muito sob vigilância dos militares. Porquê não se conseguia fazer jornalismo na grande prensa, talvez num ecossistema menor você tivesse a capacidade de fazer alguma coisa”, recorda.

Reinventou-se na televisão a partir de 1981, quando passou a trabalhar no recém-inaugurado Orbe Rústico, da TV Orbe, onde permaneceu até 2021, com reportagens originais sobre culturas —em todos os sentidos— dos interiores do Brasil.

Foi uma maneira de se conectar com suas raízes. “[Ir trabalhar no Globo Rural] foi uma forma de, ganhando a vida, reconhecer e considerar a minha origem. Eu paladar muito de uma frase do Almir Sater que diz: o simples é muito importante. Se você fizer o simples, e fizer muito feito, já está muito bom, não precisa mais zero”, observa, e solta uma risada.

Por tudo isso, lhe é custosa a dificuldade caótica da metrópole. Mas, já instalado em São Paulo, cumprirá nos próximos dias (muito agasalhado, se a temperatura desabar) uma pequena turnê articulada pela filha Teté, jornalista na Folha.

Ela assina a apresentação de uma exposição de fotos sobre cobertura de guerras do século 20 a ser ensejo no próximo dia 10, às 19h, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, onde “O Paladar da Guerra” será lançado com um bate-papo entre Zé Hamilton e uma colega que também cobriu guerras, Patrícia Campos Mello, repórter próprio da Folha que escreveu o posfácio da novidade edição do livro.

Além de fotos da Guerra do Vietnã, feitas por Zé Hamilton e pelo fotógrafo que o acompanhou na cobertura, o nipónico Keisaburo Shimamoto, a mostra reunirá imagens de profissionais porquê André Liohn, Hélio Campos Mello, Yan Boechat, Juca Martins e Leão Serva.

Antes, no sábado, dia 6 de julho, às 16h, Zé Hamilton estará no estande da Companhia das Letras na Feira do Livro do Pacaembu, onde estarão disponíveis exemplares autografados de “O Paladar da Guerra”.

A propósito, para conforto do responsável, a previsão do tempo informa que o inverno paulistano continuará quente.

Folha

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