Livraria dos zahar que foi alvo na ditadura resiste no

Livraria dos Zahar que foi alvo na ditadura resiste no RJ – 07/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Lucien Zahar Rebento não presenciou a detenção de seu pai no auge dos anos de chumbo. Mas de tanto que ouviu a história da família, narra a cena uma vez que se tivesse estado lá.

“Era término do dia e um caminhão do Tropa parou cá na porta. Tínhamos terminado de receber uma edição resumida de ‘O Capital’, de Karl Marx. Eles sabiam”, diz o proprietário da livraria Galáxia, no meio carioca. Ele é o último integrante de sua família no negócio dos livros —a editora Zahar e a livraria, que antes se chamava LER (Livraria e Editores Reunidos), foram fundadas por seu pai, Lucien, e seus tios, Jorge e Ernesto.

Diferentemente do ex-deputado Rubens Paiva, que inspirou o agora oscarizado “Ainda Estou Cá”, o Lucien Zahar pai não chegou a ser torturado. Foi solto por mediação de um cliente da livraria, que “era general mas frequentava a loja e gostava muito dos irmãos”, conta o fruto.

Mas, assim uma vez que Paiva e outros dos personagens que surgem no filme —incluindo Fernando Gasparian, que depois criaria a livraria Argumento—, os Zahar foram perseguidos pela ditadura.

Não por possibilidade: fundada em 1956, a editora que traduziu e editou livros de nomes uma vez que Sigmund Freud, Jean-Paul Sartre e Eric Hobsbawm, passou a ser, nas décadas seguintes, referência na publicação de títulos das ciências sociais e humanas.

Não unicamente gerações de intelectuais da oposição foram formadas e alimentadas por suas obras, uma vez que muitos destes personagens se reuniam no andejar de cima da livraria, situada no mesmo prédio da editora, para longas conversas regadas a uísque.

“Nossa livraria ficava em frente ao Consulado dos Estados Unidos, próximo da Faculdade Pátrio de Filosofia. Esta região do meio já foi muito rica e efervescente culturalmente, frequentada por intelectuais, políticos, a nata da lucidez”, conta Lucien, que manteve a pequena loja da família depois que a editora foi comprada pela Penguin Random House, em 2019, e transformada em um selo da Companhia das Letras.

A Galáxia de hoje tem a rostro e o jeito da LER de outrora. Os títulos seguem trazendo o suprassumo da sociologia, filosofia, economia, política e artes. Ali estão as mesmas estantes até o teto, a mesma escada de madeira, o mesmo letreiro ao fundo com o nome da livraria, um idoso peso de papel de vidro com o nome Lucien —do pai.

Outrossim, o papel com que Lucien embrulha cuidadosamente os livros ainda traz o número de telefone da livraria com sete dígitos. Um invitação à nostalgia.

Avesso às novas regras da modernidade, Lucien não se rendeu à venda pela internet e nem às redes sociais. Fala com tristeza do baque sofrido com o chegada da Amazon e das megalojas.

Se há dez anos conseguia vender 1.400 livros por mês, hoje a conta mal chega a 300 exemplares. À voga antiga, o livreiro é daqueles que conhece muito o seu ror e gosta de conversar com os clientes sobre as obras. Sobrevive naquele espaço regelado no tempo por paixão.

“Porquê a loja é própria, consigo seguir. Mas mantenho o negócio por prazer, sabor de vender leitura. No dia que for para fechar, fecho”, conclui.

No país que lê cada vez menos —a sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou que, só nos últimos quatro anos, o país perdeu 7 milhões de leitores—, vender livros, sobretudo em lojas de rua, é resistência.

No meio do Rio, ainda existem sebos e livrarias abertos em meados do século pretérito uma vez que a Galáxia. Mas são cada vez mais raros. A pandemia levou embora espaços uma vez que a tradicional livraria e sebo São José, com seus 85 anos de história.

A Elizart, sebo fundado em 1952 por Manoel Mattos, é hoje mantida por seus netos, Ana Cristina de Melo Pinho e Arthur Reis, com táticas de guerrilha. O sobrado na avenida Marechal Floriano, de propriedade da família, mostra sinais da mudança dos tempos.

A placa de “vende-se” esquecida no supino da frontispício há anos, os pisos hidráulicos quebrados, as pilhas de livros nunca catalogados que seguem em um quina, o trânsito de clientes cada vez mais vasqueiro —tudo dá conta de um presente que nem de longe se assemelha ao pretérito de glórias da livraria, frequentada por nomes uma vez que Nei Lopes, Ruy Castro e Paulinho da Viola.

Mas ainda há pérolas guardadas no ror de quase 40 milénio livros, que já foi especializada em livros técnicos sobre o Rio de Janeiro. Vendido a R$ 5.000, está lá um dos únicos 250 exemplares já publicados de uma edição do Projecto Agache, sobre a construção e remodelação da avenida Presidente Vargas.

“A rua mudou muito. Com a construção do VLT, muitas lojas fecharam, não há mais circulação. O home office, na pandemia, tirou de vez as pessoas da região. Tem dia em que só vendemos livros virtualmente”, lamenta Ana Cristina, que passou a investir, desde setembro do ano pretérito, em novos canais de venda pela internet, uma vez que Mercado Livre e Shopee. “Seguimos lutando.”

Um recálculo de rota foi o que fez reviver a livraria Leonardo Da Vinci, instalada no subsolo do prédio modernista Marquês do Herval, na avenida Rio Branco, um projeto dos irmãos MMM Roberto.

Em seus 72 anos de história, a livraria já passou por maus bocados, de crises a ameaças de fechamento, sendo a mais recente em 2015. Mas ela foi mais uma vez salva naquela ocasião, tendo sido comprada e reformada pelo editor Daniel Louzada.

Uma das principais ações dele foi mudar o padrão de negócios da livraria. Antes, ela se baseava em importados, o que “não pagava mais as contas”, diz o proprietário. Hoje, a Da Vinci trabalha unicamente com livros brasileiros.

Louzada também montou um bistrô no espaço para ajudar a remunerar as contas e mantém uma intensa agenda de eventos nele —são mais de 150 por ano. Em 2021, criou uma editora Da Vinci, que já lançou dez títulos nas áreas de ciências sociais, e em 2024 lançou um podcast, “Subsolo”, apresentado por Louzada e pelo jornalista Leonardo Cazes. Novos tempos.

“De alguma forma, a história da livraria simboliza a história do país: a urgência de dirigir sucessivas crises em um envolvente desfavorável, sem nenhum pedestal, em uma cidade que perdeu protagonismo e, mais recentemente, em um contexto de nivelamento por insignificante e de espetacularização da cultura”, afirma.

“Felizmente, ela tem uma comunidade engajada que a sustenta, a apoia, e que foi responsável por sua sobrevivência. A Leonardo da Vinci é mais que uma livraria. É, modestamente, um grão de areia do país que pode ser”, conclui Louzada.

Folha

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