Dois mecânicos do interno do país deixam a cidade onde moram para terminar o projeto de uma bicicleta voadora, a invenção de seus sonhos. Eles viajam a bordo de uma “camicleta”, mistura de caminhão com uma magrela, e rumam para São Paulo em procura da peça final da geração, enfrentando diferentes perigos.
Essa premissa parece coisa de gente maluca, mas embalou a primeira série da TV brasileira, “Shazan, Xerife e Cia.” O programa de 1974, criado por Walther Negrão, foi ainda o primeiro derivado de uma romance da Mundo —o folhetim “O Primeiro Paixão”, também escrito pelo responsável— e fundou o horário das seis na dramaturgia da emissora.
A trajetória fascinante da produção é contada em detalhes agora no livro “Camicleta – Manual dos Proprietários”. O responsável, Saulo Adami, descreve a obra porquê a memória provável da série em mais de 400 páginas, resultando de dez anos de pesquisa.
Protagonistas do derivado, Shazan e Xerife foram marcos nas carreiras dos atores Paulo José e Flávio Migliaccio. Eles eram meros coadjuvantes de “O Primeiro Paixão”, mas ficaram tão populares na história que o ducto logo percebeu o potencial de um programa só deles.
“Eles saíram da romance caminhando para uma série de televisão”, diz Saulo Adami. “‘O Primeiro Paixão’ começou em janeiro de 1972 e, em abril ou maio, [a emissora] solicitou ao Walther Negrão que ele criasse a estrutura que viabilizasse os dois personagens em uma série.”
Para o noticiarista, a dupla de mecânicos tinha apelo com o público porque os espectadores se identificavam com seu perfil trabalhador e de família. A ingenuidade era um diferencial, porque aproximavam os personagens das crianças, que viraram o público-alvo de “Shazan, Xerife e Cia.”.
O livro é a memória provável porque tanto a romance quanto a série se perderam nos caminhos da história. A maior secção dos arquivos dos programas foram destruídos em junho de 1976 em um incêndio no montão da Mundo, que já era incompleto. Por limitações econômicas, a emissora reutilizava as fitas em que gravava as suas produções na quadra.
Enquanto de “O Primeiro Paixão” só restaram duas chamadas da programação, Adami a muito dispêndio encontrou 16 dos 212 episódios das aventuras solo de Shazan e Xerife. Mas “Camicleta” reúne descrições e fichas técnicas minuciosas de todos os capítulos produzidos.
A pesquisa veio de um trabalho de mina devotado, ou “encardido”, porquê diz o responsável. Adami leu mais de 40 livros da Mundo sobre a série, leu a programação da TV em jornais e buscou em sebos os exemplares das revistas da quadra, porquê a Edital e a Amiga TV Tudo.
“Alguns apontam que esses veículos tinham muita fofoca, mas eles também entrevistaram pessoas, contaram bastidores e fizeram grandes matérias”, diz. “Eu considerei essas histórias, e o livro pontua quando elas não batem entre si.”
Esses conflitos de versões rendem algumas das partes mais divertidas de “Camicleta”. Adami escreve sobre partes específicas de “Shazan, Xerife e Cia.” com prazer juvenil, porquê se tentasse fechar um quebra-cabeça com peças perdidas.
Um capítulo sobre o veículo dos protagonistas, por exemplo, se perde feliz na discussão sobre a quantidade de carros usados nas gravações do seriado. Ele compara relatos que colheu de fãs e de gente da produção, muito porquê fotos das placas dos caminhões, e encontra detalhes que poderiam passar batidos.
Uma porção significativa dos depoimentos chegaram a Adami graças ao próprio livro. A edição atual de “Camicleta” é a terceira, a mais próxima da definitiva, em seguida as duas anteriores servirem de pedido de ajuda —o responsável só havia localizado dois episódios do seriado quando a publicação chegou às livrarias pela primeira vez, em 2016.
O auxílio veio no mesmo embalo furioso da camicleta do programa. Além de descobrir fãs do programa nas redes sociais e de encontrar novos episódios no montão do jornalista Mauro Alencar, o livro ajudou Adami a contatar o fundador Walther Negrão.
Apesar de todas essas aberturas, o responsável ainda luta para pesquisar os arquivos da série na Mundo. Ele diz que nunca teve aproximação ao montão da emissora —mas também acredita que o material da empresa deve ser muito maior que o dele.