O jornalista Ricardo Viel penou para ter Yamandu Costa uma vez que seu biografado —ou melhor, seu perfilado, pois define uma vez que um “perfil biográfico” o livro que acaba de lançar sobre o violonista gaúcho.
“Yamandu Costa: Violão sem Fronteira” saiu em ebook no final do ano pretérito, em português, inglês e espanhol. Por ser uma edição independente, a versão em papel tem sido impressa exclusivamente para venda em shows do músico.
Brasílico radicado em Lisboa, onde é diretor de informação da Instauração José Saramago, Viel se empolgou quando soube que Yamandu tinha se mudado para a cidade, em 2019. Apreciador do violonista, planejou fazer um perfil alentado dele para alguma publicação jornalística.
“A primeira entrevista foi uma tragédia. Ele tinha chegado a Portugal fazia pouco tempo, estava mais interessado em saber sobre o país, em percutir papo. Eu perguntava as coisas [sobre a vida e a carreira dele], e ele dizia ‘não sei, não lembro’, muito evasivo. Ficamos quase uma hora e meia assim”, recorda o jornalista, responsável de “Sobre a Ficção – Conversas com Romancistas”, da TAG e da Companhia das Letras, e “Um País Levantado em Alegria”, da Companhia das Letras.
Depois do frustrante primeiro encontro, Yamandu sugeriu a Viel duas fontes que poderiam preencher sua incúria informativa a reverência de si mesmo: sua mãe, Clari, e seu companheiro (e violonista) Zé Paulo Becker. Só portanto a coisa começou a marchar, e outras fontes se sucederam.
A certa fundura, o jornalista percebeu que reunia material para um livro —tanto mais porque não havia nenhuma publicação sobre a vida do virtuose nascido em Passo Fundo. Ao termo de quatro anos e meio, tinha entrevistado mais de 30 pessoas e se reunido com seu personagem incontáveis vezes.
Mas demorou para que Yamandu colaborasse. “A gente se via muito, só que muitas vezes ele não queria falar sobre livro. Dizia: ‘vamos jogar sinuca’, ou portanto, ‘vem cá em mansão, fulano vai tocar violão’. Eu tentava conversar sobre a vida dele e via que ele não se interessava. Quando falei do livro, ele ficou meio assustado, disse: ‘Mas uma biografia? Eu sou muito novo, rosto’.”
De traje. Yamandu completou em janeiro 45 anos. Mas são mais de 30 anos de uma curso intensa e prolífica, com 32 álbuns lançados, milhares de shows e fãs por todo o planeta. Um desses fãs, o violonista australiano Maximillian Rudd, que morou no Brasil e se tornou companheiro de Yamandu, ajudou a reduzir o pé detrás do protagonista com o livro depois de lê-lo.
“Ele ligou pro Yamandu e falou ‘rosto, isso é maravilhoso, tá toda tua vida cá, tá muito muito exposto’. Aí o Yamandu começou a gostar mais. Mas ele tem muita salvaguarda. Não com o teor, mas com ter uma biografia.” Viel afirma que seu personagem não interferiu no resultado nem pediu para tirar ou aumentar informações.
“Violão sem Fronteira” mostra os primeiros passos do garoto prodígio, um autodidata que começou a tocar aos sete anos com a ajuda do pai –o músico Algacir Costa, líder do grupo regionalista Os Fronteiriços– e que dos nove aos 17 tocava mais de 12 horas por dia.
Batizado em homenagem ao poeta uruguaio Yamandú Rodríguez, o gaúcho iniciou sua vida artística uma vez que “Diamandu” ou “Dyamandu” –e na idade ele mesmo, que até hoje assina o nome com “d”, solicitava que a ortografia fosse divulgada assim, para não ter erro na sotaque.
Viel explica no livro: “Nos países sul-americanos onde se fala o espanhol, o ípsilon tem um som mais parecido ao ‘d’ do que ao ‘i’. A sotaque correta seria, portanto, ‘Diamandú’ –uma vez que, de traje, as pessoas mais próximas o chamam. Mas a grande maioria diz ‘Iamandú’.”
Uma reportagem da Folha em 1998 dizia que “uma das apostas dos organizadores” do festival Chorando Cima era “o jovem Dyamandu Costa, um violonista gaúcho de 15 anos”.
A destreza fora do geral veio acompanhada de certa fúria juvenil, e o livro retrata muito uma vez que no início a recepção sátira ao jovem talento foi ao mesmo tempo encantada e cabreira.
Luiz Fernando Vianna observou que “o virtuosismo do violonista tem uma poderoso tendência autofágica, exibicionista”. Arthur Nestrovski o comparou a “um Caravaggio do [violão de] sete cordas, esbanjando crédito e extravagância”.
Tárik de Souza, que exaltou seu “espírito anárquico” e o definiu uma vez que “gênio da raça” e “Hendrix acústico”, pontificou: “A pegada (ou seria patada) de Yamandu vira do avesso tais temas, aliando técnica prodigiosa e descompromisso. Fuça novos timbres, acelera e relenta curso, joga com intensidade e fundura. Do tampo do violão batucado ao arpejo vigoroso, da minuciosidade das notas agudas ao grave da baixaria, ele parece inventar um novo instrumento”.
Volta e meia o jovem era comparado a Raphael Rabello, outro virtuose do violão, o que o próprio Yamandu desde cedo se encarregou de espantar. Uma vez que conta Viel no livro, em 2001, depois de lucrar o Prêmio Visa, o que aumentou exponencialmente sua projeção pátrio, o gaúcho demarcou as diferenças.
“As pessoas não sabiam uma vez que se referir a mim e usavam essa verificação, mas não tem zero a ver. Eu venho da guarânia, da polca, do chamamé, e cheguei ao pranto já jovem. O Raphael cresceu em roda de pranto, teve o Meira uma vez que rabi, tocou com Radamés [Gnatalli].”
“Violão sem Fronteira” refaz o trajectória de Yamandu pelas cinco cidades em que viveu: Passo Fundo, Porto Contente, São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa. Detalha histórias saborosas, uma vez que a noite em que, um jovem de 17 anos, abriu um show de Baden Powell na capital gaúcha e, ao final da apresentação, foi chamado pelo lendário violonista para dividir o palco com ele.
Ou quando, recém-chegado à capital paulista, aos 18 anos —e já prosélito da boemia que tanto preza—, fez uma permuta com os donos de um dos seus bares preferidos, o Filial, para ter desconto de 50% nas contas em troca de aulas de violão ao fruto de um deles, o hoje violonista Daniel Altman.
O livro retrata ainda uma vez que Yamandu foi aos poucos buscando aplacar a peculiar fúria anárquica juvenil ao menear seu instrumento. A violonista Badi Assad narra um incidente de 2003 quando, ao lado do gaúcho na coxia de um espetáculo, o viu sussurrar ao ver Paulo Bellinati tocar no palco: “Um dia eu quero chegar nessa tranquilidade”.
O próprio perfilado considera que atingiu o objetivo, com a ajuda de um dos seus mais célebres parceiros. “Acho que de alguma maneira eu alcancei essa tranquilidade, sim. Uma calmaria procedente do tempo e da experiência. Um rosto muito importante para isso na minha vida foi o Dominguinhos. Ele me ajudou muito a botar a globo no solo, a ter mais calma”, diz Yamandu.
Várias fontes próximas do gaúcho concordam, do luthier gaulês Rémy Larson ao violonista prateado Lúcio Yanel —seu primeiro rabi— e o brasílio Guinga. Apontam fatores uma vez que a maturidade da própria idade, o enlace com a violonista franco-venezuelana Elodie Bouny, hoje dissolvido, os filhos (dois, da união com ela).
Viel concorda com todos, mas relativiza: “Ele ficou um rosto mais tranquilo, mas dentro dele ainda tem aquele… tem horas que ele dá uma explodida. Mas acho que sim, acho que ele aprendeu a dosar”.