Em 2010, aos 74 anos e recém-anunciado vencedor do Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, morto neste domingo (13), aos 89 anos, falou a jornalistas da Folha, no auditório do jornal, e citou três brasileiros que, na opinião dele, poderiam ter proveito o prêmio: Guimarães Rosa (1908-1967), Jorge Querido (1912-2001) e Euclydes da Cunha (1866-1909).
No caso de Rosa, segundo ele, havia a dificuldade de tradução da obra. Querido, por sua vez, tinha a propriedade de ser um plumitivo popular. Sobre Cunha, ele não citou objeções, pelo contrário: disse que o responsável de “Os Sertões”, no qual se baseou para redigir “A Guerra do Termo do Mundo”, foi responsável de uma obra que permite compreender a América Latina.
“A mim impressionou tanto a história de Canudos quanto o caso do próprio Euclydes da Cunha, porque ele viveu essa guerra de uma maneira tão dramática e tão dilacerada que permitia ver até que ponto um país inteiro viveu um mal-entendido tão grande, uma fanatismo tão grande, que é o que explica a matança”, disse. “A matança é resultado desta incomunicação entre dois segmentos da sociedade brasileira, um moderno e outro primitivo, que viveram ambos porquê verdade uma ficção”.
Llosa também falou sobre Rosa porquê um dos grandes escritores latino-americanos, “pelo vigor e pela sede da obra, pelo trabalho linguístico inesperado”.
E, exatamente pela elaboração linguística, na opinião dele as traduções não conseguiam chegar à profundidade dos livros, principalmente de “Grande Sertão: Veredas”, chamada pelo peruviano de “obra-prima absoluta”.
Para ele, Querido foi prejudicado pelo tipo de livros que escrevia. “Existe o preconceito de que se um plumitivo é muito popular não é um grande plumitivo”.
Llosa avaliou o colega baiano porquê um plumitivo que rejuvenesceu à medida que envelhecia, com livros de “uma vitalidade juvenil, cheios de paixão à façanha, à vida material, ao sexo, à comida, com uma grande picardia”.
O vencedor do Nobel revelou, durante a conversa, que Querido o ajudou quando escrevia “A Guerra do Termo do Mundo”, apresentando pessoas, inclusive a que o acompanhou na viagem ao sertão, Renato Ferraz.
Ao refletir sobre literatura, Llosa disse que redigir é rejeitar a veras, “queira ou não o plumitivo”.
“A literatura nos dá sempre um pouco que a vida não dá. E isso se deve à exigência humana: fomos feitos de tal maneira que vivemos só uma vida, mas temos uma imaginação, uns desejos, uns apetites que nos fazem querer não uma, senão milénio vidas”, disse.
O plumitivo afirmou que as ditaduras, as de direita e as de esquerda, as militares, as religiosas e as ideológicas, compreendem a inquietação das pessoas frente ao mundo.
“Porque não há ditadura que não queira controlar essa atividade que é a geração de mundos fictícios. Estabelecem censuras, estabelecem censores, têm uma suspeição procedente pela literatura, porque intuem que nela há um pouco perigoso. E creio que têm razão, que há um pouco perigoso na quimera que é a literatura”.
Llosa falou também sobre jornalismo e ficção. “Para mim o jornalismo foi uma manancial maravilhosa de experiências a partir das quais depois eu inventei histórias”, relatou.
O plumitivo começou no jornalismo aos 14 anos, em um momento em que a sociedade peruana era muito estratificada e um segmento social sabia pouco sobre os outros.
“O jornalismo me permitiu saber esse mundo tão dividido, separado, de compartimentos, estanques que era a sociedade peruana”, contou. “O jornalismo foi uma manancial maravilhosa de experiências das quais saíram muitos dos meus romances”.
Porém, Llosa via perigos também nessa relação, porquê o tipo de linguagem, informativa e funcional no caso do jornalismo.
“Na hora de redigir um romance nem sempre esse tipo de linguagem é a mais adequada”.
Questionado sobre se Hugo Chávez (1954-2013) seria um bom personagem, o plumitivo citou livros em que já havia escrito sobre ditadores, porquê “Conversação na Catedral” e “A Sarau do Cabrão”.
“Quando se escreve sobre um ditador, escreve-se sobre todos os ditadores. Os ditadores repetem a si mesmos porquê maníacos. A verdade é que não tenho vontade de redigir sobre mais ditadores”.
Por término, o peruviano comentou, rapidamente, sobre a desavença histórica com o plumitivo Gabriel García Márquez (1927-2014), ao ser perguntado se o colombiano havia ligado para parabenizá-lo pelo Nobel.
“Esse é um tema que vamos deixar para nossos biógrafos, se os merecermos”.