Mesa Na Flip Alfineta Elite Que Troca Pobre Por Humilde

Mesa na Flip alfineta elite que troca pobre por humilde – 10/10/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Quando começou a circunvalar entre os bacanas da intelectualidade, agora porquê um redactor publicado, “as pessoas pararam de encruzar a lajeada”, contou José Falero.

Com Bruna Mitrano não tem essa de usar eufemismos porquê “carente, humilde, simples”. “Paladar de falar pobre”, disse. “Não sou simples. Sou filha de camelô e sou complexa.”

A primeira mesa desta quinta (10) na Flip, a sarau literária de Paraty, no Rio de Janeiro, reuniu o gaúcho Falero e a carioca Mitrano para falar de uma cidade que exclui. Pode sobrevir inclusive, até mesmo sobretudo, em lugares que lhes pareceriam mais sensíveis à segregação social. Uma vez que o giro literário.

Seja em Copacabana, no Rio, ou na Santa Cecília, em São Paulo, o que mais se vê “pessoas pulando cobertores porquê se não tivesse um ser humano embaixo”, afirmou Mitrano.

Para Falero a ficha caiu quando passaram a chamá-lo “para os coquetelzinhos”, em espaços que pouco lembram a Lombada do Pinho, onde ele cresceu em Porto Contente.

Quando via a paisagem mudar da periferia para zonas mais centrais e nobres, ao se transladar de lar para o trabalho, “chegou ao ponto de parecer que aqueles prédios eram de papelão, um cenário de pataratice”. Eram lugares que “só frequentava na quesito de subalternizado”, servindo àqueles com quem depois confraternizaria, já na pele de responsável.

Mas “se aparece pai, primo, alguém da nossa estirpe que eles não conheçam, eles atravessam a lajeada”, disse o redactor.

Ele não deixou de reparar no perfil da plateia do auditório, que pagou R$ 130 para estar ali. A maioria é branca e vinda de uma escol que provavelmente olharia torto para ele não fosse seu status literário.

Falero lembrou de uma jornalista que certa vez lhe perguntou se ele já cometeu crimes e foi recluso. “Não sabia se ficava com raiva ou admirava ela, porque todo mundo pensa isso, só que ela expressou.”

Segundo ele, se por um momento acreditou que o meio intelectual refletiria menos alguns preconceitos estrebuchados pela sociedade, estava equivocado. “É o oposto”, disse. “Não há variação, [há] muito racismo, muito machismo, homofobia.”

Falero já foi comparado pelo crítico literário Alcir Pécora a Machado de Assis, a quem por sinal muito admira, ao fazer de seu “Os Supridores”, publicado pela Todavia, um “Marx para manos”. O romance de estreia narra a história de funcionários de um supermercado que se rebelam por um quadro social rígido, em que o trabalho duro não necessariamente te leva além. Também o responsável de 37 anos, na juventude, teve porquê ofício suprir produtos nas prateleiras de um mercado.

Mitrano, de 39 anos, fala das margens urbanas em “Ninguém Quis Ver”, que sai pela Companhia das Letras. Criada na periferia carioca, a rabino em literatura pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro abre o livro lembrando que “só esquece o mar quem mora perto do mar”. Ela, não. “Moro a setenta quilômetros do mar, moro a duas horas e meia do mar, moro a dois ônibus ou vinte e quatro estações de trem e onze estações de metrô do mar”, contam seus versos.

Ela disse redigir para gente porquê dona Isabel, que conheceu em Campo Grande, bairro há 55 km do meio do Rio. A senhora morava no Selva das Caboclas, numa comunidade tocada por mulheres. Achou bonito demais o que liam e quis saber o que era. Chorou. Nunca havia escutado um poema na vida. Mitrano decidiu que queria fazer poemas “para dona Isabel chorar”.

Ela contou que o hábito da escrita lhe veio no trem, “porque passava muito tempo no transporte público” e “tinha tanta verso perto de mim” que tratou de se apropriar dela. “Queria falar dos meus vizinhos, mas também para os meus vizinhos.”

Falero iniciou sua participação pedindo desculpa qualquer coisa. “Tô nervoso, e meu raciocínio não funciona muito às dez da madrugada”, brincou sobre o horário matutino da mesa.

Não pareceu. Tanto ele quanto Mitrano deram liga, em falas que se complementavam e geravam aplausos reincidentes no público.

O gaúcho gostou de ver João do Rio homenageado pela Flip e acha que sua obra dialoga muito com a do historiador do primícias do século 20, “muito rueiro”.

Mitrano adensou a sátira social quando disse que é quem vem da periferia que conhece a cidade para valer. “Esse morador não é ouvido, não tem voz”, todavia. Já quem costuma ter vez no debate público mal se desloca pela cidade, “não vê a premência de transpor, e não quer mesmo”.

Ela expôs uma frase que a aborrece, a de que “o povo é inepto”. “E essa pessoa é o quê? Tá onde, flutuando no espaço?” Para a poeta, “fica simples um projeto muito muito estruturado de exclusão de uma parcela da população”.

Mitrano ouve com frequência que sua literatura é violenta “porque traz esse cenário onde moro”. Acha, porém, “muito mais terrível você desumanizar uma pessoa, deixar uma pessoa em situação de rua, do que as violências que vejo na favela”.

Mediados pela poeta Stephanie Borges, os convidados contaram referências. As de Falero vão de mangá a Machado de Assis, passando por filmes de Quentin Tarantino.

Mitrano contou que adolesceu sem livros em lar, “só a Bíblia”. Cresceu evangélica e chegou a liderar um grupo de jovens cristãs. Ao mesmo tempo, ouvia punk rock, que a apresentou à “letra de protesto”. Uma “vida dupla” de religioso e punk, definiu.

Sua escrita foi se formando a partir daí. “Achava que redactor era aquele faceta morto, branco, cis, hétero”, alguém “falando de suas crises existenciais”, disse. “De repente, estou vivendo de verso. Pobre, mas vivendo de verso. Que loucura isso.”

Falero encerrou a mesa tocando o samba Cacique de Ramos num cavaquinho já posicionado para essa canja. Escolheu o repertório para tocar na ferida de um país “que invisibiliza coisa de preto”.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *