Milei é Cruel Com A Cultura Argentina, Diz Selva Almada

Milei é cruel com a cultura argentina, diz Selva Almada – 21/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Logo em frente ao moca no qual Selva Almada marca essa entrevista, na avenida Corrientes, uma das artérias de Buenos Aires, há uma grande igreja evangélica. Seu prédio de paredes e pilastras brancas não é monumental uma vez que algumas das unidades construídas no Brasil, mas ainda assim destoa no meio do residencial bairro de Almagro.

Zero proposital, é simples, mas impossível não remeter ao enredo de “O Vento que Arrasa”, o primeiro romance dela, que é um dos principais nomes da literatura argentina atual. Publicado em 2012 e traduzido no Brasil pela Cosac Naify pouco depois, o título é agora relançado pela editora Todavia, que já publicou dois outros livros seus.

Há 12 anos a argentina adiantou, de patente modo, o debate sobre a presença evangélica em seu país, um tema que só ganharia tração na arte e na ateneu anos depois. É uma espécie do método de Almada: olhar para as beiradas, não para o umbigo portenho do país.

O romance que narra a história do reverendo Pearson, de sua filha, Leni, do mecânico Gringo Brauer e seu fruto, Tapioca, foi escrito com base no que ela observou em diferentes viagens à província de Chaco, na porção setentrião e uma das mais empobrecidas da Argentina. Seu marido nascera ali.

“Chamava muito a atenção o progresso evangelista que se via nesses lugares mais distantes, ainda não tanto em Buenos Aires. Estava em qualquer lugar, numa garagem de vivenda, num galpão.”

Foi com histórias que fogem do eixo mais sabido da Argentina que Almada foi indicada ao Booker Internacional, prêmio que seleciona os melhores livros estrangeiros traduzidos ao inglês e editados no Reino Uno ou na Irlanda.

Ela concorre com “Não É um Rio”, de 2021, já publicado no Brasil. A obra é a caçula de sua “trilogia dos varones”, ou trilogia masculina, da qual “O Vento que Arrasa” foi a primeiro. Entre um e o outro, veio “Ladrilleros”, leste sem edição brasileira.

O livro tem duas tramas que se entrelaçam: a de um trio de amigos com uma possante trouxa de sofrimentos que vive seus momentos mais importantes às margens desse rio e a de duas irmãs cheias de vida que têm pouco tempo para aproveitá-la.

Almada concorre, entre outros, com “Torto Arado”, do baiano Itamar Vieira Junior, também publicado pela Todavia, e o vencedor será sabido nesta terça-feira.

Porquê a escritora se sentiu com a indicação? Contente, é simples. Era a quarta obra que a Charco Press, sua editora britânica, enviava para a premiação. E, enfim, vingou. Mas de patente modo também há um paladar muito amargo nisso tudo.

A publicação de “Not a River”, em inglês, foi possibilitada por um programa da diplomacia argentina criado em 2009 para concordar a tradução de obras locais no exterior, o chamado Programa Sur. Desde aquele ano, mais de 1.600 traduções foram viabilizadas. Mas o programa minguou sob o governo do presidente ultraliberal Javier Milei.

“Qué sé yo…”, ou sei lá, diz a autora em seu típico espanhol prateado. “É mais uma das medidas de tudo que está acontecendo com esse governo em relação a um montão de temas relacionados à cultura. Parece que há uma crueldade com o setor cultural.”

Sob a batuta de Milei, o Programa Sur está na geladeira. Ainda não se sabe qual será seu orçamento para leste ano, mas a prelo divulgou nas últimas semanas que os planos são reduzi-lo a 10% do valor de 2023, quando foram destinados quase US$ 320 milénio, equivalentes a R$ 1,6 milhão.

“A todo momento há qualquer observação sobre a cultura uma vez que um tanto sem valia, isso quando não é tratada uma vez que um tanto a combater”, diz Selva. “No melhor dos casos esse governo terminará em quatro anos e virá outro, mas toda essa devastação que se pode fazer… Podem extinguir com uma canetada um tanto que se levou décadas para erigir.”

“E isso é o mais doloroso: depois teremos de reconstruir tudo, e levaremos mais outras décadas. Sem racontar a teoria que semeiam na população de que tudo o que se investe em cultura é verba roubado da saúde, da ensino, quando isso é uma pataratice”, diz ela. “Vai se gerando um caldo de ressentimento com a cultura.”

Milei é responsável de alguns livros, incluindo um recente sobre teoria econômica, e até há pouco tempo namorava com uma comediante. Mas entrou em pé de guerra com o setor cultural ao desfinanciar ou enxugar de maneira expressiva o orçamento de todos os órgãos da espaço que é uma espécie de soft power prateado.

Em 2023, mais de 120 obras argentinas foram traduzidas no exterior graças ao Programa Sur. Com a verba modesta de US$ 3.000, foram publicados em inglês 3.000 exemplares de “O Vento que Arrasa”, o finalista prateado do Booker. Naquele mesmo ano o programa viabilizou a publicação de dez obras argentinas no Brasil.

Para além das incertezas na cultura, essa autora que há anos veste os pañuelos verdes em resguardo do recta ao monstro teme consequências para as mulheres. A coalizão de Milei, Liberdade Avança, afirma querer derrubar a legalização do monstro no país.

A escritora não vem de uma família onde essa bandeira era presente, mas viu na mulheres mais próximas exemplos de independência. A mãe terminou o ensino médio somente quando a filha tinha em torno de 16 anos. A avó, empregada doméstica em Buenos Aires, obrigada a dormir nas casas dos patrões, pôde se reformar graças a uma moratória previdenciária que facilitava a aposentadoria a mulheres que por décadas trabalharam, mas não eram registradas.

Falando poucos dias posteriormente um ataque de ódio matar três mulheres lésbicas em Buenos Aires, ela menciona o caso. “Começam a circundar esses discursos de ódio contra gays, contra lésbicas, contra mulheres que abortam. Se esses discursos estão permitidos, é simples que a ação também passa a estar.”

Prestes a viajar para uma maratona de um mês de trabalho na Europa, entre outras coisas para a cerimônia do Booker, ela se despede da repórter e aperta o passo rumo a sua livraria, a Salvaje Federalista —das quais propósito é publicar obras que surgem nas províncias argentinas mais afastadas de Buenos Aires.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *