A mesa que reuniria os professores Jamaica Kincaid e Henry Louis Gates Jr., dois dos convidados internacionais mais esperados da Feira do Livro, teve uma outra presença ilustre, mas na primeira fileira da plateia: o nigeriano Wole Soyinka, vencedor do Nobel de Literatura em 1986.
O responsável se sentou entre Luiz e Lilia Schwarcz, fundadores da Companhia das Letras, que passa a publicar a obra do nigeriano em setembro —ele vinha sendo editado na Kapulana. Nesta sexta, o parelha ofereceu um jantar em celebração aos 90 anos do responsável, que se completam na próxima semana.
Não é à toa que Soyinka estava na Feira, osco com óculos escuros e chapéu de pescador na tarde deste sábado. Escolheu a dedo ver uma mesa que reunia uma das principais romancistas negras em língua inglesa, cotada ela própria para o Nobel, e um crítico literário que chegou a ser aluno de Soyinka e o reverenciou durante sua fala.
Gates, mais afeito ao palco, foi mais vistoso aos holofotes que Kincaid, tímida e avessa a entrevistas e aparições públicas. A mesa, aliás, esteve carregada de incerteza até o último minuto, já que os palestrantes chegaram ao evento, no mesmo carruagem, minutos depois do horário para o qual a mesa estava marcada, às 15h.
Mas não decepcionaram. Gates elogiou sua amiga e colega de palco —autora de obras pungentes porquê “Autobiografia da Minha Mãe” e “Annie John”— porquê uma revolucionária insubmissa, que manda espiolhar coquinho quem diz porquê ela deve ser e grafar.
“Temos dois inimigos na frente: um são as pessoas que escrevem justificativas para escravidão, o velho racismo antinegro que ainda está vivo”, apontou ele. “E o segundo inimigo está dentro do nosso grupo racial, dizendo que, se grafar de determinada forma, você ‘está envergonhando a raça’. É a arbitrariedade do palato, que diz a um gênio porquê Jamaica o que ela deve grafar.”
Kincaid lembrou que durante sua puerícia não entendia muito o noção de racismo, tendo vindo de um lugar —Antigua e Barbuda, no Caribe— onde a maioria das pessoas não era branca. No Brasil pela primeira vez, ela diz que cá é o tipo de lugar onde “se sente em mansão” e que deveríamos abraçar de vez nossa negritude.
“Hoje entendo o racismo, mas eu achava que as pessoas eram só mal-educadas. Logo simplesmente continuei escrevendo sobre minha família, o imperialismo, o colonialismo. Grafar sobre o efeito do Poderio Britânico em pessoas porquê eu era um tanto que podia falar livremente. Nunca me considerei uma autora porque nunca inventei zero.”
Gates, que tira do forno um tentativa rico sobre a história da literatura negra nos Estados Unidos chamado “Caixa-Preta”, fez ao vivo uma estudo profunda da obra de sua colega.
“Ela nunca identifica os personagens negros, unicamente os descreve porquê personagens. Em outras palavras, a negritude está implícita, e isso não é verdade para nenhum repórter branco, em que a branquitude é o padrão e cada personagem preto é marcado assim.”
Com esse simples ato, segundo ele, escritoras porquê Kincaid fazem uma asserção contundente sobre porquê a branquitude é imposta à humanidade. “É fácil ter no seu livro uma placa escrita ‘término ao racismo’, transformar brancos em monstros. O que autoras porquê ela fazem é mais sutil, mais poderoso e dura muito mais.”
A conversa, acompanhada atentamente por Soyinka, terminou com uma pergunta da mediadora Juliana Borges sobre a literatura porquê instrumento de ação antirracista.
Kincaid rejeitou a premissa, dizendo que é “carregar a literatura de um ônus que ela não deve ter”. Ela jogou os braços para o supino, porquê quem diz, os livros devem ser livres para fazer que quiserem.
Gates ofereceu outra visão, lembrando porquê as “narrativas de escravidão” viraram uma indústria prolífica para os abolicionistas americanos que queriam rejeitar a teoria de que negros eram inarticulados e incapazes.
“Frederick Douglass afirmou que a estrada para a liberdade foi pavimentada com a alfabetização”, lembrou, em referência ao ex-escravizado que foi um dos expoentes dessa estação, no século 19. “A literatura sempre teve esse fardo, essa pressão extra de provar que somos seres humanos. Shakespeare ou Victor Hugo não precisavam provar zero. Só nós.”
A mesa estourou o tempo previsto, tamanho o interesse nos autores e na discussão –prejudicada pela decisão da feira de colocar a tradução simultânea nos alto-falantes, e não a voz dos autores. Os tradutores cometeram erros e deslizes que atrapalharam a experiência, um deles até revisto aos gritos pela plateia.
A Feira do Livro segue até oriente domingo com mesas abertas e gratuitas com participantes que incluem Marcelo Rubens Paiva, Luiz Felipe de Alencastro, Geni Núñez e João Moreira Salles.