Novo Diário De Um Banana Parece Livro Feito Por Ia

Novo Diário de um Banana parece livro feito por IA – 23/11/2024 – Era Outra Vez

Celebridades Cultura

Ser ou não ser? Eis a questão shakespeariana que sempre cai no pescoço de todo artista que faz sucesso e decide publicar a prolongação de alguma obra. A sequência vai ser uma repetição do original? Ou vai preferir mudar os rumos e apostar na inovação e na variação?

É muito mais generalidade ver esse tipo de incerteza surgir no audiovisual, que não para de obturar cinemas e plataformas de streaming com filmes e séries infinitas. Mas vira e mexe isso também respinga no mundo dos livros, sobretudo na literatura infantojuvenil.

Talvez o caso recente mais famoso seja o da coleção “Quotidiano de um Banana”, que acaba de chegar ao 19º livro, chamado “Baita Lambança”. Lançada pela primeira vez em 2007 nos Estados Unidos, a história escrita e ilustrada pelo americano Jeff Kinney já vendeu mais de 290 milhões de exemplares em todo o mundo, sendo traduzido para 70 idiomas —só no Brasil, onde é publicado pela editora VR, os números chegam a 14 milhões de cópias.

Se a sabedoria popular diz que não se mexe em time que está ganhando, Kinney não teve muitas dúvidas para responder à questão que abre nascente texto. Entre ser e não ser, ele decidiu que “Quotidiano de um Banana” será. Será repetitivo. Será sempre igual. Será previsível. Será submisso a uma mesma forma. No fundo, o responsável está há 19 livros e 17 anos escrevendo e ilustrando a mesma história.

Em poucas palavras, as narrativas falam de Greg Heffley, um pré-adolescente que se sente deslocado na escola e na família e precisa mourejar com os desafios e frustrações dessa período da vida. Com pitadas de ironia, egoísmo, inocência e instabilidade, ele tenta driblar as responsabilidades e encontrar atalhos para se tornar popular, mas vê as coisas darem sempre falso. E tudo muito, porque ele se adapta ao fracasso e foge de qualquer prelecção de moral no término —o que, aliás, é um dos grandes acertos da série.

Esse padrão pode ser aplicado a quase todos os livros. Em “Baita Lambança”, a família decide realizar um libido da avó e viajar junta para a praia. Se a reunião de parentes já é motivo para tensões e conflitos que fazem o protagonista se sentir um peixe fora d’chuva, tudo piora com uma tia gratiluz, primos da pá viradela e horários definidos para usar o único banheiro da mansão alugada.

Tirando uma ou outra sacada inteligente e engraçada, uma vez que o momento em que Greg tenta virar influencer gastronômico e quando o cachorro de uma tia se torna famoso nas redes sociais, todo o resto é um purê de mais do mesmo. Soa uma vez que piada requentada. Parece que já lemos esse livro antes.

Mas nem sempre foi assim. Embora não tenha inventado a roda, “Quotidiano de um Banana” trouxe frescor quando surgiu nas prateleiras há quase 20 anos. Assumidamente pop e mercantil, a série explorou de um jeito jovem e contemporâneo a imagem do protagonista deslocado, autodepreciativo e anti-herói. Na forma, misturou a linguagem do romance, do quotidiano e dos quadrinhos, difundindo um formato que continua a ser copiado até hoje por muitos autores.

A grande questão é que tudo isso faz secção do pretérito. Já foi feito. Não gera surpresas, mesmo considerando que o público infantojuvenil se renova incessantemente.

Não é também que Kinney devesse chutar o pau da barraca, dar um cavalo de pau na narrativa, virar personagens de cabeça para inferior, implodir a linguagem. No caso de sequências, variações muito radicais costumam gerar repulsas também radicais entre os fãs —talvez o caso mais recente seja o do novo filme “Coringa: Delírio a Dois”. Só que a mera repetição mecânica também acaba produzindo resistência, cansaço, bocejos, desinteresse e esgotamento.

E há um agravante extra. Atualmente, as inteligências artificias já são plenamente capazes de detectar padrões e reproduzi-los na hora de fabricar novas obras. Não é mais papo de ficção científica treinar um algoritmo para redigir e ilustrar centenas de novos “Quotidiano um Banana” que sigam a mesma fórmula repetida por Kinney desde 2007.

Aí voltamos à questão do início: ser ou não ser? Na literatura, raramente há respostas certas ou erradas. Depende do responsável e do projeto. Mas é importante ter em mente uma coisa. Num mundo tomado por IAs, talvez livros repetitivos e previsíveis já não precisem mais ser feitos por escritores e ilustradores de mesocarpo e osso.


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Folha

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