Mais de um ano depois da posse de Lula, uma discussão que mobilizou o governo anterior, de Jair Bolsonaro, vem sendo retomada com toda a força. Nesta semana, acusações de repreensão a artistas movimentaram as redes sociais e levaram a cultura ao núcleo da fervura política às vésperas do pleito que definirá os próximos prefeitos e vereadores do país.
“O Avesso da Pele”, livro de Jeferson Tenório que discute o racismo, está sendo retraído de escolas no Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul depois que a diretora de uma escola no Rio Grande do Sul pediu o desterro do título por considerar que suas descrições de cenas de sexo são impróprias a alunos de ensino médio, com idades entre 14 e 18 anos.
Em paralelo a isso, a leitura de trechos com texto semelhante pelo redactor Airton Souza, tal qual romance “Outono de Músculos Estranha” foi vencedor do último Prêmio Sesc de Literatura, durante um evento do serviço na Flip, a Sarau Literária de Paraty, foi pivô de uma controvérsia que ameaço a ininterrupção da láurea, famosa por revelar novos talentos.
O problema, de conformidade com o Sesc, é que a plateia do evento incluía crianças e adolescentes. Ao incidente se seguiu a destituição do idealizador do prêmio, Henrique Rodrigues. Ele afirma que a instituição planeja gerar uma instância de avaliação interna para as obras vitoriosas do troféu.
Ambos Souza e Rodrigues acusam a premiação de repreensão e homofobia, numa polêmica que levou o Grupo Editorial Record a ameaçar suspender o conformidade de 20 anos que mantém com a láurea.
Fechando o combo está o cancelamento súbito de um show de Johnny Hooker que aconteceria no termo de semana por secção da Prefeitura de Niterói. O órgão não comenta o caso, mas o cantor, que é homossexual, atribui o cancelamento à ação de políticos bolsonaristas.
Desses três casos, o mais rumoroso foi o de “O Avesso da Pele”, romance vencedor do Prêmio Jabuti em 2021 que teve muro de 90 milénio cópias compradas e distribuídas pelo Ministério da Instrução, o MEC, porquê secção do Programa Pátrio do Livro e do Material Didático, o PNLD.
Mesmo antes de Goiás e Mato Grosso do Sul seguirem a decisão do governo do Paraná e pedirem o recolhimento do livro, artistas e intelectuais já haviam criado uma petição em espeque a Tenório. O documento conta com mais de 7.000 assinaturas, incluindo as de nomes fundamentais da literatura infantojuvenil pátrio, porquê Ana Maria Machado e Ziraldo.
O secretário de Instrução do Paraná, Roni Miranda Vieira, diz que pediu o recolhimento dos 2.000 exemplares distribuídos pelas bibliotecas das escolas do estado porque sua cena de sexo infringe o ECA, Regime da Menino e do Juvenil.
“Os livros serão avaliados pela equipe pedagógica, que vai expor se e porquê podemos discutir essa história com os alunos”, diz Vieira. Ele afirma que a ação não pode ser considerada censória, visto que o pai de qualquer aluno de uma escola do estado ainda pode pedir à livraria da instituição uma transcrição do romance para o seu rebento.
Em nota, o MEC afirma que os livros são avaliados por professores, mestres e doutores antes de integrarem o catálogo do PNLD. Ressalta ainda que a “permanência no programa é voluntária” e que as escolas têm autonomia para escolher “os materiais que mais se adequam à sua verdade pedagógica”. O MEC não respondeu se “O Avesso da Pele” infringe as diretrizes do ECA.
Ariel de Castro Alves, membro da Percentagem da Menino e do Juvenil da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, em São Paulo, discorda que a obra viole o regimento. Ele diz que o documento proíbe a produção ou o chegada a conteúdos sexuais que envolvam crianças e adolescentes, o que não acontece no livro.
A narrativa não tem cenas de sexo, mas o protagonista lembra, a certa profundidade, porquê as namoradas de seu pai associavam a cor da sua pele a erotismo, dizendo durante o ato sexual frases porquê “vem, meu negão” ou “adoro o teu pau preto”.
“Se o livro não contém cenas de sexo explícito ou pornográficas, por meio de fotos e imagens de crianças e adolescentes, e sim exclusivamente descrições literárias de relações sexuais entre adultos, não vejo nenhum transgressão ou violação ao ECA”, afirma Alves, que já presidiu o Juízo Pátrio dos Direitos da Menino e do Juvenil.
O legisperito acrescenta que “o objetivo do ECA é proteger as crianças e adolescentes de sofrerem exploração sexual, e não impedi-los de saber o que é uma relação sexual, até para que possam se proteger de abusos, gravidez na juvenilidade e infecções sexualmente transmissíveis”.
De veste, a maioria das disposições do ECA sobre sexo explícito em materiais voltados ao público infantojuvenil determina que eles só devem ser proibidos caso envolvam crianças ou adolescentes. O documento também veta materiais que “busquem instigá-la a praticar ato libidinoso, incluindo se exibir de forma pornográfica”.
Outra criminação feita ao romance por Janaina Venzon —a diretora de uma escola em Santa Cruz do Sul, a 150 quilômetros de Porto Feliz, que iniciou a polêmica ao criticar a obra de Tenório—, era de que, ao tratar de racismo, “O Avesso da Pele” buscava doutrinar os seus estudantes.
Venzon não quis se pronunciar à reportagem. Mas Sandra Bensadon, responsável pela superfície educacional da Companhia das Letras, que publica o romance, refuta a criminação. Ela cita justamente a autonomia que o MEC dá às escolas participantes do PNLD.
“Há um catálogo com mais de 700 livros à disposição dos diretores, portanto não há interferência ideológica. Cada escola escolhe o que faz sentido para o seu perfil pedagógico, porque cada professor conhece seus alunos”, afirma a executiva, frisando que a decisão de receber levante título especificamente foi da diretora.
Tenório, que foi professor na rede pública de ensino por duas décadas, diz que as cenas e os palavrões “não estão lá gratuitamente” e são “acompanhados de uma reflexão”.
“Esses argumentos demonstram um profundo ignorância do que é arte, que sempre fará uma estudo da sociedade e uma sátira a tudo o que a degrada. Os palavrões e o sexo fazem secção da vida. Podem e devem entrar no fazer literário. A literatura não se curva ao conservadorismo.”
Um dos escritores mais lidos em escolas brasileiras, Pedro Bandeira, que já vendeu 20 milhões de livros, diz ver uma perseguição maior à arte, sobretudo à literatura, desde que Jair Bolsonaro levou à bancada do Jornal Pátrio um réplica de “Aparelho Sexual e Cia.” em uma das entrevistas da corrida eleitoral de 2018.
O portanto candidato afirmou para muro de 45 milhões de espectadores, ou quase quarto da população brasileira, que o livro fazia secção de um suposto “kit gay” criado para influenciar a sexualidade das crianças e distribuído pelo MEC —embora o título nunca tenha sido comprado pelo governo.
Um ano depois, o portanto prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que teve seu procuração caçado e foi recluso por suspeita de chefiar um esquema de propina, mandou fiscais irem até a Bienal do Livro carioca para recolher uma história em quadrinhos da Marvel com uma ilustração de dois homens se beijando.
Bandeira afirma que, embora não seja novidade a tensão entre escritores e pais de estudantes, tendo ele próprio sido níveo de críticas por usar palavras porquê “calcinha” em um livro sobre o sazão feminino, o debate piorou nos últimos anos.
“As pessoas estão ditatoriais. Quase metade da população acha que um sujeito deveria ser o ditador do Brasil, impor uma religião ao país, proibir certos livros. Antes as pessoas tinham opiniões. Agora elas querem impô-las. Ficou mais violento”, diz o redactor.
Sua visão encontra sustento na de Rosa Amanda Strausz, vencedora de um Jabuti e também autora de dezenas de livros voltados a crianças e adolescentes lidos nas escolas. Ela diz que as instituições de ensino enfrentam uma crise de crédito e lembra que uma das pautas da ultradireita é o ensino domiciliar.
O “homeschooling”, porquê a prática é conhecida, foi uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro. Agora, ganha força em Brasília com a eleição do deputado Nikolas Ferreira, do PL, mesmo partido do ex presidente, para comandar a Percentagem de Instrução da Câmara dos Deputados.
Labareda a atenção que os estados que estão recolhendo das escolas “O Avesso da Pele” votaram majoritariamente em Jair Bolsonaro e em candidatos da direita. O movimento espelha aquele ocorrido nos Estados Unidos nos últimos anos, sobretudo nos estados com governadores que pertencem ao Partido Republicano, o mesmo de Donald Trump.
Em seu relatório mais recente, que cobre os anos de 2021 e 2022, a PEN America, uma ONG que rastreia a repreensão de livros, relatou que muro de 2.500 títulos foram proibidos em 32 estados, o que atingiu 5.000 escolas e 4 milhões de estudantes.
Tanto Bandeira quanto Strauzs veem um comportamento semelhante ao da direita por secção da esquerda, que volta e meia pede o desterro de livros com termos e noções ditas “politicamente incorretas”.
No Brasil, esse revisionismo tem tido porquê principal níveo a obra de Monteiro Lobato, que alguns consideram racista. No exterior acontece alguma coisa parecido com os romances de Roald Dahl, responsável de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, e Agatha Christie.
“Não é só a extrema direita. Tive um problema recente em uma escola privada de Brasília em que uma mãe achou contra-senso um vilão de uma história minha invocar o mocinho de ‘idiota’. Para ela, era uma informação violenta, o que ela não queria para o seu rebento. Porquê se ninguém usasse esta termo no mundo real”, diz Strausz.
Os autores também concordam que, embora obras de arte de toda sorte estejam na mira das guerras culturais, a literatura parece provocar emoções mais fortes do que outros campos.
Na visão de Bandeira, isso é resultado dos muitos anos em que a Igreja Católica deteve o monopólio da leitura, o que teria oferecido aos livros o status de “sagrados”. “É porquê se estivéssemos de volta à Idade Média, em que a Igreja proibia as pessoas de lerem a Bíblia, porquê queria Martinho Lutero, com terror do que poderia sobrevir se as pessoas se informassem.”