O Guarani: Ópera Indígena Revela Peri Narcísico 14/02/2025

O Guarani: Ópera indígena revela Peri narcísico – 14/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em 2023, eu tive a oportunidade de integrar o coletivo que realizou uma montagem de “O Guarani” questionando, na visão indígena, a versão instituída ao longo de todo o século 20 até agora.

O fundamento que norteou esta montagem foi a invocação do pensamento indígena, assim porquê a do corpo indígena. Esse corpo indígena deveria questionar Peri, aquele sujeito solitário, imerso numa veras colonial. Assim, nós decidimos dar a ele uma família: o povo de Peri seria os Guarani do Jaraguá.

Ali, dava-se início a um verdadeiro ato psicomágico e político. A ópera não seria exclusivamente mais uma experiência estético-musical, mas um dispositivo de mudança na veras histórica para os povos indígenas.

O Jaraguá tinha um reclamo: “O Jaraguá é terreno indígena”. Até que, presentes no palco do Municipal, eles estenderam uma tira pedindo demarcação já, sendo acolhidos pelo público posteriormente cada uma das apresentações nas escadarias do teatro e em uníssono clamando pela demarcação do Jaraguá.

O reclamo foi atendido por decreto federalista no final de 2024. De todos os desdobramentos, reconhecimentos e premiações que esta montagem teve, o mais definitivo deles é sem incerteza a homologação da terreno Guarani.

É inegável o contentamento de poder realizar agora, em 2025, esta remontagem. Mesmo tendo sofrido críticas prévias à estreia da ópera, tivemos moradia lotada todos os dias durante a temporada, inclusive em récita extra. Isso prova o sofreguidão do público de espetáculos oferecidos em espaços porquê o Theatro Municipal de São Paulo por inovação no campo das artes cênicas.

Sobre o mármore e a murta escreveu o Padre Vieira, dando conta das metamorfoses expressas na inconstância da espírito selvagem. E evoco outro mito cá, o Narciso helênico, para referir a esse Peri, de José de Alencar, que é o personagem meão da ópera de Carlos Gomes, “O Guarani”, de par com Cecilia ou Ceci.

Um sujeito abstraído de seu mundo torna-se presa fácil dessa narrativa que imprime o corpo indígena em mente deslizante ao sabor dos acontecimentos da história. Sem um povo, vaga Peri entre mundos coloniais que, de pronto, vão ser estranhados por antropofágicos da Semana de 1922, que viam nesta trama uma invenção colonial de um insustentável mito de origem. Ópera de encomenda de Dom Pedro 2°, interessado em produzir uma representação europeia da formação dos brasileiros a partir da conversão dos nativos do Novo Mundo.

Uma vez que afirma Ligiana Costa, dramaturgista da montagem: “Quanto ao mito do parelha primordial, oriente se constitui a partir do sacrifício de ambos os protagonistas. Peri deve furar mão de sua espiritualidade e de seu povo para submeter-se a um batismo católico e Ceci deve despedir-se definitivamente de sua família e cultura”.

Um século depois, artistas indígenas se debruçam sobre a imagem instituída e nela zero veem que reflita a longa jornada de construção deste “homo brasilis” e decidem lhe dar um duplo de mesocarpo e osso, rasgando a imagem refletida no espelho d’chuva, pois a chuva virou veneno.

Avanheé, o outro que agora fala e pensa outros mundos possíveis, onde seres humanos e não humanos tecem sociabilidades, reconhecem suas multiplicidades e reivindicam afetos além do mundo da mercadoria.

Pedras e vegetais fazendo planeta, em unidade imprevista no estreito caminho colonial. Nessa nossa releitura da obra, invocamos a pouco lembrada movimentação dos pajés Tupi que lideraram no século 17 a prática de “desbatismo”, que consistia na liberação dos indígenas catequizados pelos jesuítas, resultando num movimento de revolta contra a imposição dos ritos católicos e a instituição dos aldeamentos pela grinalda portuguesa.

O “desbatisamento” de Peri é escoltado do resgate dos Aimoré, que no libreto são difamados enquanto vilões e, nesta montagem, assumem o lugar da própria floresta, embargando o progressão predatório movido pelos colonos.

O repto de tocar essa pedra, porquê diria Drummond, no meio do caminho, foi pretexto para convocar o arte-ativista Denilson Baniwa com sua coragem inventiva a tocar o mármore e fazer faíscas: movendo e projetando imagens, institui novos imaginários, em que as figuras consagradas dos cantores são transfiguradas em seres híbridos de pó, sem perder sua indispensável função narrativa na ópera em curso. Raios e tempestades adentram o templo das artes e confirmam o que vaticinou Cibele Forjaz primeiro da direção de cena: “Sem trabalho não tem ARTE, arte é trabalhar sobre a pedra”.

Tocar esse totem é transcender o cotidiano duro e resistente a mudanças que grita ao nosso volta, “fazer falar o papel” —o texto em movimento a serviço dos sentidos criando campos de força e afetos. Uma radicalidade no termo, para declarar a presença feminina na montagem desta ópera, que conta com a maioria de mulheres na meio e realização deste magnífico espetáculo em cena no palco.

Além da presença do Coral e Orquestra do Jaraguá Kyre’y Kuery, esta montagem põe no palco Zahỳ Tentehar, que reescreve num quina autoral o termo desta trama.

Folha

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