'o Homem Não Existe' Analisa A Masculinidade Na Cultura

‘O Homem Não Existe’ analisa a masculinidade na cultura – 18/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Muito mais que guiar minha fúria contra os homens, a literatura me fez querer o privilégio da raiva que eles próprios experimentam”, escreve a sátira literária Ligia Gonçalves Diniz.

Em um dos momentos inspirados de seu novo livro, ela afirma que deseja ir à bulha por pura pirraça, uma vez que tantos líderes militares fizeram ao longo da história, e ser presenteada com “um epitáfio melancólico, em vez de um glosa jocoso sobre histerismo ou tensão pré-menstrual”.

São trechos que adiantam muito o tom de uma obra que equilibra o rigor acadêmico com a ligeiro mofa, carregando o provocativo título “O Varão Não Existe” —inspirado na frase do psicanalista Jacques Lacan sobre o universo insondável da mulher.

Diniz, que é doutora em literatura e dá aulas na Universidade Federalista de Minas Gerais, secção da psicologia, mas muito mais da ficção, para investigar o que é o masculino. Na verdade, é melhor transfixar espaço para que ela explique em suas próprias palavras. “Quero enobrecer os valores masculinos hegemônicos daqueles universais, se é que estes existem.”

Mas há uma complicação extra nesse trabalho, dos quais reconhecimento já adianta uma vez que a estudo é sofisticada. Mesmo sendo mulher, a autora foi formada numa cultura predominantemente masculina —portanto, de alguma maneira, é secção integrante dela.

“Não só ler literatura escrita por homens, mas também ler uma vez que um varão —já que tantos livros foram escritos para eles— são experiências constitutivas do modo uma vez que entendo a mim mesma e o mundo.”

A leitura, por fim, é um mergulho nas emoções e na estrutura de pensamento de seus autores. Durante a maior secção da história, esses autores eram quase todos homens. De novo, a sucintez de Diniz: “Quantas vezes nós, mulheres, alucinamos ser homens?”

Essa dificuldade toda não significa que “O Varão Não Existe” seja impenetrável, com o perdão do trocadilho fálico. É um livro assim, pleno de piadas, comentários espirituosos e referências que vão de vídeos do comediante Andy Samberg a séries bobinhas de Fábio Porchat.

Mas o grosso da obra mobiliza uma quantidade imensa de referências bibliográficas. Muitas ponderações surgem de clássicos uma vez que Sêneca, Aristóteles e Homero, homens que fundaram o pensamento ocidental —aliás, fundaram masculamente com “fúria”, a primeira vocábulo da “Ilíada”.

“Eu concordo completamente que os homens precisam pensar mais a saudação de si próprios”, diz a carioca, em conversa num moca em São Paulo, contando que uma semente do livro nasceu quando ela ouviu um podcast com mulheres reclamando sobre o quanto os homens ficavam à vontade em “investigar o feminino”.

“Mas por que a gente não pode falar dos homens? Essa é minha inquietação original. Em vez de permanecer dizendo o que os homens devem ou não fazer, por que a gente não tem recta de fazer certas coisas que os homens fazem, mesmo que sejam babacas?”

A escrita de Diniz é avessa a formalidades uma vez que sua fala, com trejeitos de sala de lição que já devem ter chamado a atenção de quem acompanha seus textos sobre literatura na prensa, inclusive nesta Folha. Em muitos deles, ela já se dedicava a investigar seus “hominhos”.

“O que mais me impactou, pessoalmente, foi uma versão masculina sobre o que é ser inteligente, de uma vez que me portar no mundo para que as pessoas me considerassem inteligente”, afirma, e o livro escancara muitas de suas experiências mais íntimas. “Sinto que perdi muito tempo fazendo um tipo melancólico, uma expectativa estética criada pelos livros, e a maturidade me trouxe a venustidade da alegria.”

O livro se divide em três grandes seções: na última delas, Diniz pensa o díptico raiva e melancolia, estereótipos em que se balanceia a honra masculina. No meio, há uma reflexão sobre venustidade e vaidade, que homens projetam nas mulheres e recusam em si mesmos. E no princípio, era o pênis.

Surpreendeu até a autora que o livro precisasse destinar um terço de suas páginas às brochadas de Philip Roth, aos êxtases masturbatórios de “Moby Dick” e à tal inveja do pênis tão criticada em Freud. Mas esse membro encabeçava demais a história da literatura —e ali havia alguma coisa a explorar.

O órgão, aliás, é descrito da forma mais objetiva provável por Diniz. “‘Falo’ é o pênis ereto, geralmente tomado em seus sentidos simbólicos. ‘Pinto’ é o órgão de homens que estão fora da minha esfera de atração sexual”, escreve ela num vocabulário. “‘Pau’ é o que uso para me referir a todos os outros homens, a não ser quando, no meio da frase, lembro que minha mãe vai ler nascente livro, e logo uso ‘pênis’.”

Se soa recreativo, é uma introdução bem-vinda ao estilo da autora. Se não, talvez seja caso de desfranzir um pouco essa faceta de vilão.

Folha

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