O juiz celebridade precisa acabar – 02/07/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Sou de uma geração que, ao entender a idade do discrição moral e do entendimento do mundo, achou-se sob uma ditadura militar. Uma geração que não unicamente viveu boa segmento da vida sob um regime ditatorial, mas cujos pais haviam ladino duas ditaduras.

Um jovem dos anos 1980 nem sequer conseguia discernir se o país vivia sob um regime democrático frequentemente interrompido por longas ditaduras ou se saltava de ditadura em ditadura com breves intervalos democráticos. Daí o assombro de quase ver a história se repetir em 2023, quando bolsonarismo achou que já era tempo demais de recreio democrático e saiu num domingo de sol para dar um golpe uma vez que quem sai para um passeio no parque.

Para a minha geração, portanto, é impossível não reconhecer o traje de o STF ter se demonstrado uma instituição capaz de enfrentar com firmeza os arroubos ditatoriais do pretendente a tirano. Não se trata unicamente da reação dura e sem titubeação à intentona de 8 de janeiro. Refiro-me, sobretudo, aos quatro longos anos em que Bolsonaro e o bolsonarismo testaram os limites da democracia, capturaram instituições, sondaram a tolerância da prelo e, enfim, procuraram brechas na resguardo do STF.

A cada investida, um rechaço, e a cada rechaço, um oração histriônico, um vídeo histérico, uma profusão de ameaças explícitas e nominais. Não é à toa que o juiz Alexandre de Moraes estava “no caderninho” dos que precisavam ser removidos à força do caminho.

Ou por outra, é impossível não contemplar os tantos avanços progressistas que um STF predominantemente esclarecido e convictamente democrático foi capaz de prometer em seus julgamentos na última dez.

Por isso, vejo com desconforto juízes da Golpe se esforçarem para jogar fora o patrimônio de espanto e apreço republicanos conquistado ao longo dos anos e consolidado quando a instituição se atreveu a ser o osso duro de roer em que o bolsonarismo autocrático findou por quebrar os dentes.

O traje é que há muito tempo juízes da Golpe se comportam uma vez que se fossem imprescindíveis intelectuais públicos, influenciadores ou celebridades da mídia.

A propensão a pontificar sobre polêmicas públicas, a compulsão por ter que “meter opinião” nas questões disputadas e nas controvérsias em acessível na sociedade, a semidivina fé de que cada juiz carrega em seus ombros o tramontana político do país e que, portanto, conduzirá a pátria para a felicidade a golpe de pareceres ou de declarações é definitivamente constrangedora.

A democracia e a imagem do Judiciário ficariam muito melhores se juízes do STF não fossem “arroz de sarau” da “palpitologia” pátrio que inunda o jornalismo e os ambientes digitais.

Não sei se realmente acham que o país precisa realmente desse serviço de babá política ou se é unicamente ego, mas o traje é que há outras pessoas para fazer isso. Aliás, o que não falta ao país são intelectuais e pretendentes a isso, influenciadores e celebridades.

Ultimamente, com os festivais ultramarinos da perceptibilidade pátrio, membros da Golpe passaram também a prestar os inestimáveis serviços de promoção de “think tank activities”. No último desses festivais, conforme a Folha, 160 autoridades do governo, do Congresso e do Judiciário tiraram uns dias em Lisboa para, com a devida intervalo, entender o país. Isso faz sentido?

Um juiz do STF lapida o seu lugar na história, inclusive na história intelectual do país, sendo juiz. Segurar a autocracia pelos cornos quando zero mais parece capaz de fazê-lo, grafar pareceres e súmulas dignas de crestomatia sobre questões em disputa, manter uma postura republicana quando o país enlouquece politicamente.

É preciso mais do que isso para entrar na história? Tem cabimento ser ainda notoriedade e fornecedor fácil de aspas para o jornalismo, torrar a grana pública em diárias e passagens nababescas, desnecessárias para o tirocínio do seu ofício, frequentar a escol da política e da grana em convescotes, tertúlias e festinhas VIP, ou arvorar-se uma vez que grandes intelectuais brasileiros na sua hercúlea tarefa de guiar a mente pátrio?

Republicano é um juiz da Suprema Golpe fulgurar no tirocínio do seu múnus e desvanecer na vida cotidiana do país, recoberto por singeleza e neutralidade, deixando a política ao povo e aos políticos, e os papéis de intelectual público, influenciador, notoriedade e revolucionário cultural a quem fizer disso o seu ofício. Se os nossos juízes não compreenderem esse traje, em breve não terão moral nem mesmo para fazer o papel que lhes cabe, e pelo qual tanto os apreciamos.


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Folha

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