Obra de osman lins, da família de cortázar, é reeditada

Obra de Osman Lins, da família de Cortázar, é reeditada – 28/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em comemoração ao centenário do plumitivo pernambucano Osman Lins, ocorrido no ano pretérito, três de seus livros mereceram cuidadosas reedições: “Os Gestos”, “Guerra sem Testemunhas” e “Avalovara”.

Diferentes quanto à forma —raconto, experimento, romance— , eles têm em geral uma densa reflexão sobre o ofício de grafar, notadamente nos anos mais duros da ditadura militar de 1964, período de produção da maior segmento de sua obra.

O leitor pode, assim, ter uma visão ampla e diversificada da natureza experimental e da singularidade que apresenta, porquê a sátira, com razão, não cessa de ressaltar.

Osman Lins pertence à família literária de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Italo Calvino, com os quais compartilha a federação entre a liberdade da imaginação e o rigor construtivo.

Para tanto, o plumitivo deve trenar integralmente sua função de “contemplar, desafiar, opinar, inventar, indagar, negar, inquietar”, pois o livro é o meio pelo qual efetivamente age. Inverte, assim, a frase clássica de Mallarmé, “o mundo existe para perfazer em um livro”. Ela se transforma em “um livro existe para perfazer no mundo”.

Mais do que uma política, uma moral da escrita. Ou nas palavras de André Gide, “uma literatura submetida é uma literatura envilecida, por maior e legítima que seja a desculpa a que serve”.

Em “Guerra sem Testemunhas”, de 1969, que desde o título reitera a luta do responsável com a vocábulo, destaca não só a escrita, mas a produção e circulação do livro na sociedade, o papel que nela desempenham o plumitivo, o leitor, o editor, o crítico. Segue o exemplo de Michel Butor, mais um integrante do seu panteão galicismo, para quem “todo plumitivo honesto […] se defronta hoje com o problema do livro”. Das múltiplas perspectivas por que aborda a questão, oferece vias de aproximação para melhor compreensão da sua própria obra ficcional e teatral.

Nos contos de “Os Gestos”, publicado inicialmente em 1957, Lins já traça o caminho a seguir, ao propor “uma visão a seu tanto sombria da nossa quesito”, apesar, diz ele, da sua “experiência ainda curta”. São textos na sua maioria autoficcionais, em que a vivência dos personagens se mistura à memória biográfica do responsável.

O resultado são perfis traçados com maestria, colhidos em momentos transitórios —gestos— da vida retratada, para os quais viver “era uma coisa dolorosa, difícil e extremamente confusa”.

“Avalovara”, de 1973, é a obra-prima do responsável. O título remete ao deus tibetano Avalokiteçvara —aquele que enxerga os clamores do mundo— e se apresenta, no livro, porquê um pássaro feito de pássaros.

Estranho e inquietante, o romance prende logo a atenção do leitor, segundo Antonio Candido, pela “poderosa simultaneidade da deliberação e da fantasia, do calculado e do imprevisto, tanto no projecto quanto na realização de cada segmento”.

Fundamentado em um palíndromo latino que, disposto em cruz num quadrângulo, pode ser lido em todas as direções, carrega um significado esfíngico. Pode ser traduzido porquê “O lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos” ou “o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua trajectória”, o que lhe confere um sentido ao mesmo tempo literal e umbrátil, físico e metafísico.

Sobre o quadrângulo a lesma, que passa várias vezes na mesma letra, segundo sua disposição gráfica, retoma os relatos dos encontros do plumitivo Abel com três mulheres: Anneliese Roos, feita de cidades; Cecília, feita de pessoas; a terceira, sem nome, exclusivamente figurada por um símbolo gráfico.

Está posto o “jogo de armar” que é o livro. Ou seja, “transfigurar a experiência em um universo de oração”, nas palavras de George Gusdorf em título.

Algumas vezes os relatos são interrompidos, porquê que cortados, por uma frase curta a reverência da situação política do país sob a ditadura, o que dá imprevista inflexão ao texto: “nenhum tipo, instituída a vexame, subtrai-se ao seu contágio”. Segue o jogo narrativo para “simbolizar o que há de aleatório em nossas existências” e “ampliar a dimensão do visível”.

Uma vez que poucos escritores entre nós, Osman Lins entregou-se a essa tarefa de modo rigoroso e desassombrado, porquê a revisitar e repetir em diferença uma experiência incipiente.

A mãe do plumitivo morreu quando ele tinha exclusivamente 16 dias de nascido. Não tinha nenhuma imagem dela, nenhuma retrato. Disse certa vez que escrevia para encontrar esse rosto perdido. Vale a pena acompanhá-lo nessa procura.

Folha

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