Já faz duas décadas que Oscar Nakasato criou interesse pela terceira idade, mas é agora, depois de passar dos 60 anos, que ele publica “Ojiichan”, um livro sobre o envelhecimento.
“Nihonjin”, primeira obra do redactor e vencedora do prêmio Jabuti, partiu de uma pesquisa sobre os descendentes de japoneses na literatura brasileira. Na idade, ele havia constatado que esses personagens quase não apareciam entre os grandes livros nacionais e, quando davam as caras, eram retratados de forma bidimensional. Seu livro, portanto, buscou preencher a vazio.
Apesar de “Ojiichan” retratar personagens nikkeis, isto é, japoneses e descendentes que vivem fora do Japão, o livro se centra em outras duas questões, a vetustez e a memória familiar.
Depois completar 70 anos, Satoshi é jubilado compulsoriamente e obrigado a parar de ensinar biologia a alunos de uma escola pública. Pouco depois, ele perde sua filha, sua moradia e é forçado a gerar uma novidade vida em um pequeno apartamento com Kimiko, sua mulher que tem Alzheimer.
Nakasato passou a olhar com mais atenção para a terceira idade na viradela do milênio, quando seu pai, que morreu em 2002, desenvolveu a mesma doença que aparece no livro.
“A partir daí, comecei a me interessar bastante pelas questões relacionadas à terceira idade, porque percebi que as pessoas dão pouca influência a isso”, afirma. “Parece que são consideradas pessoas que não têm mais o querer. Nós acabamos decidindo por elas. Durante vários anos, isso me incomodou bastante, e o romance é fruto disso.”
Esse sequestro do poder de escolha já está no primeiro capítulo do livro, quando a filha de Satoshi manda trinchar, sem consultá-lo, uma antiga jabuticabeira que fazia sombra em seu quintal. Na mesma cena, ela ainda o surpreende com novos móveis que comprou no cartão dele para repaginar a moradia que dividem.
“Eu sou bastante crítico em relação a uma vez que a sociedade trata o velho. Ele não volta a ser muchacho, a pessoa envelhece e carrega toda uma história”, afirma. “Eu não quero meus filhos dizendo para mim o que eu tenho que fazer. É lógico que depois de uma certa idade a gente vai criando algumas dependências, mas eu quero tomar decisões.”
Nakasato, ao conversar com o repórter, revela os pedaços da verdade que compõem sua história. Uma jabuticabeira parecida já existiu no quintal da moradia em que sua mãe mora ainda hoje, e ele mesmo teme o dia em que, professor da Universidade Tecnológica Federalista do Paraná, será impedido de lecionar.
Em reportagens sobre a terceira idade no Japão, encontrou histórias sobre idosos solitários, com pouco contato com a família, que formam comunidades em condomínios. Da mesma natividade, descobriu a consumição de uma senhora que temia morrer em seu apartamento e ninguém perceber e passassem dias até seus vizinhos serem alertados. Ele também leu sobre empresas que oferecem atores que fingem ser netos e filhos de idosos para fazê-los companhia.
A partir de tantas referências, da vida e da arte, Nakasato olhou para a vetustez em sua dificuldade. “Não tem um modo só de viver a terceira idade, e cada um tem que encontrar a melhor forma verosímil.”
O redactor diz que a mídia, mormente a que trabalha com imagem, centraliza demais a juventude, o que faz com que todo mundo queira se manter jovem a todo dispêndio. Ele já teve o uso de tingir o cabelo, mas parou de lutar contra os fios brancos e passou a valorizar as rugas.
Porquê alguém que convive muito com pessoas mais novas e admira seu vigor —ele diz ser um professor que escreve, não um redactor que dá aulas—, ele lamenta que elas se isolem entre si e convivam pouco com os mais velhos.
“Eu até entendo que as pessoas muitas vezes vão envelhecendo e se acomodando com aquilo que parece que foi produzido para ser do mundo dos idosos”, diz.
“Muitas vezes quem tem mais idade acaba delegando aos mais novos aquilo que eles têm preguiça de fazer. ‘Eu não consigo mais aprender, baixa esse aplicativo para mim’ e assim por diante. Portanto, até entendo um pouquinho essa falta de paciência dos mais jovens. Mas acho que seria interessante encontrar um ponto de estabilidade.”
Muito-resolvido com a vetustez, Nakasato prepara surpresas para os leitores —entre elas, um novo livro de não ficção ao estilo da Nobel Svetlana Aleksiévitch, com depoimentos de pessoas que passaram pela pandemia. Em paralelo, “Nihonjin”, seu primeiro livro, ganha uma novidade edição pela Fósforo no próximo ano.
“Eu tenho muita pena de morrer, porque eu tenho certeza de que não vou conseguir realizar tudo o que eu quero. Assim, eu tenho muitos planos, sabe?”