Peças em curitiba debatem dalton trevisan e paulo leminski

Peças em Curitiba debatem Dalton Trevisan e Paulo Leminski – 25/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Curitiba já abrigou uma produção intensa de escrita dramática, mas não se furta de retornar ao seu cânone literário para semear a cena teatral. Na celebração do centenário de Dalton Trevisan, o Teatro de Comédia do Paraná, o TCP, estreia no Festival de Curitiba “Daqui Ninguém Sai”, constituição cênica de contos do vampiro curitibano, morto em dezembro pretérito.

Em paralelo, o festival recebe “Cabaré Haikai”, peça músico criada a partir da vida e obra de Paulo Leminski, que estreou na capital paranaense no ano pretérito, comemorando 80 anos de promanação do responsável, sob a direção de Roddrigo Fôrnos.

Duas décadas mais jovem, Leminski despediu-se muito antes, em 1989, mas foi revisitado em espetáculos memoráveis uma vez que “Descartes com Lentes”, da companhia brasileira de teatro. Trevisan recebeu adaptações de Marcelo Marchioro, a última delas, “Pico na Veia”, também pelo TCP, e foi montado por João Luiz Fiani no Teatro Lala Schneider.

Tinham estilos de escrita e presenças públicas díspares. Leminski, um amotinador, Trevisan, o recluso. A verve é o que os aproxima, embora a Leminski aprouvesse provocar o contista explicitamente.

Essa acidez perpassa “Cabaré Haikai”. As canções e escritos do responsável de “Catatau” justapõem-se formando uma espécie de tratado sobre a arte segundo Leminski, em resguardo da inutilidade.

Dos “Ensaios e Anseios Crípticos”, entrevistas, um história, “Wanka”, e haikais, emergem as apostas na trova uma vez que última trincheira entre o dirigismo ideológico e o mercantil, no encontro do erudito com o pop, e no Paraná uma vez que estado de vanguarda.

Kauê Persona, Michele Bittencourt, Renata Bruel e Ane Adade atuam e cantam acompanhados por um quinteto de músicos que transita do rock ao orquestral. A música domina a cena uma vez que meio melodioso que Leminski achou para ampliar a escuta de seus jogos de sentidos e sonoridades. Atraía-lhe infiltrar o difícil no fácil, a trova na MPB.

Para Fôrnos, interessa mostrar quem é Leminski. “Ele gostava de se sentar com as pessoas e ser o núcleo das atenções. Sempre falando, com uma urgência de colocar tudo o que pensava e sentia para fora. Tinha essa premência de provocar e de mostrar que era o melhor”, diz o diretor. Uma inquietação criativa aliada ao rigor poético, que hoje faz falta.

A procura por novas plateias também modelou a montagem de “Daqui Ninguém Sai”. A peça começou a ser gestada quando Trevisan estava vivo e se alterou no processo. “A proposta sempre foi que a gente fizesse um espetáculo popular, no melhor sentido da vocábulo”, diz a diretora Nena Inoue, que atuou na histórica montagem de “O Vampiro e a Polaquinha” em 1992, conduzida por Ademar Guerra.

A dramaturgia de “Daqui Ninguém Sai” ficou nas mãos do potiguar Henrique Fontes, repetindo a parceria de “Sobrevivente”, de 2023, em que Inoue está em cena. Com os veteranos Simone Spoladore e Sidy Correa e jovens talentos uma vez que Trava da Fronteira, Madu Forti e Zeca Sales, a peça reúne doze artistas vindos de audições públicas. Um formato reptante, que foi incorporado ao espetáculo.

O público acompanha a procura por uma forma de encenar a escrita controversa de Trevisan hoje, em uma espécie de trajectória prepóstero, que segmento da arte final ao rascunho. No início, os contos ganham forma musicada, em jogos de vozes que valorizam as palavras e os ritmos dos escritos. É quando a trova do exímio narrador mais se expande.

Logo, um músico homérico vai se configurando, com a feitura da cena exposta ao público. Depois, as temáticas dos contos sobressaem na representação de cenas ilustrativas. Homens que batem, mulheres que apanham. Quando não vítimas, prostitutas. Uma paisagem humana de tipos comuns, com sotaques carregados, cuja complicação está na anfibologia entre o paixão e o ódio, o libido e a dor.

Logo, irrompe a incontornável questão sobre a atualidade dos contos num tempo de combate aos feminicídios. Trevisan escrevia sobre o que via, não idealizações. Há quem o considere um historiógrafo desapegado de julgamentos morais sobre seus personagens. Para isso, seria necessária uma isenção que nem a visão nem a linguagem ofertam.

Leminski chamava de “daltônicos” os escritores curitibanos inspirados pelo veterano. Se Drummond escreveu que cada um vê somente meia verdade, segundo sua própria miopia, as cores de um historiógrafo também dizem de seu modo uno de observar a vida.

“Daqui Ninguém Sai” assume, enfim, a forma de uma peça-ensaio, em que os atores mostram proposições para a representação dos contos, entremeadas por comentários em que suas posições particulares frente à obra pouco aparecem.

“É uma celebração ao Dalton, mas é uma celebração ao teatro. A gente teve 25 edições de textos, foi uma construção diária. E o que eu queria falar é do teatro, que é o que sei fazer”, diz Inoue. Assim, o espetáculo pretende aproximar um jornalista centenário de uma geração de não iniciados, para a qual o responsável permanece insondável.

Folha

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