Por Que Van Gogh Não Foi Gênio Perturbado 29/04/2024

Por que Van Gogh não foi gênio perturbado – 29/04/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Seria maravilhoso se pudéssemos lembrar de tudo com nitidez”, escrevia o jovem Vincent van Gogh, que ainda não pintava, ao irmão Theo, em 1877. “Mas assim porquê a vista de uma longa estrada, à intervalo as coisas parecem menores e porquê uma névoa”. A epístola se tornou uma premonição de porquê o mundo enxergaria, nos séculos seguintes, um dos artistas mais populares da história.

Do termo do século 19 até hoje, Van Gogh se tornou um mito que transbordou os limites da história da arte, caindo no palato popular. Não é preciso ser um entusiasta da pintura para conhecê-lo. De adaptações cinematográficas a estampas de meias, a “Noite Estrelada” está por toda a secção.

A tela foi pintada quando Van Gogh estava internado em um hospital psiquiátrico. O período, somado ao suicídio trágico e banhado pelos raios de sol do sul da França, os mesmos que ele eternizou com pinceladas expressivas e cores radiantes, o batizaram porquê gênio perturbado.

O estigma, porém, foi quebrado por historiadores, não só pelas cartas endereçadas ao irmão, Theo, mas também pela correspondência trocada com outros artistas, porquê Paul Gauguin e Émile Bernard. Pela primeira vez, as mensagens são publicadas no Brasil pela Editora 34, em uma novidade versão de “Cartas a Theo”.

“Ele não era um gênio, porque trabalhava duro. Ele também não era louco. Ele tinha episódios de psicose, mas quando tinha crises, não pintava ou escrevia cartas”, diz Wouter van der Veen, profissional na vida e obra de Van Gogh e diretor científico do Instituto Van Gogh, em Paris. Quando a sua saúde mental começou a piorar, Van Gogh passou a temer as crises e, a qualquer sinal de que uma poderia surgir, trabalhava mais para recompensar o tempo que ficaria sem pintar.

Em praticamente todas as cartas, Van Gogh falava sobre seus treinos infindáveis de pintura e esboço, que segundo ele próprio eram a única fórmula do sucesso. Ao contrário do que foi popularizado pelo siso generalidade, as crises psicóticas do artista em zero ajudaram a fabricar as paisagens tocantes que, junto às obras de Paul Cézanne, criaram a faísca para as vanguardas artísticas que romperam com a liceu no século 20.

Apesar do existencialismo e da melancolia serem constantes nas cartas enviadas durante toda a vida adulta, a primeira crise grave do pintor foi o incisão da própria ouvido, motivada pela saída de Gauguin da lar onde moravam em Arles e também pela culpa de, aos 35 anos, ainda receber ajuda financeira do irmão.

Estudos recentes indicam, segundo Veen, que além de qualquer verosímil transtorno psicológico, Van Gogh também poderia ter contraído sífilis, o que explicaria o agravamento das alucinações em seus últimos anos —ainda que a hipótese não possa ser comprovada.

Van Gogh decidiu que seria pintor aos 27 anos. Sua licença para pregar no Borinage, região de mineração na Bélgica, não foi renovada, e ele desistiu da curso de pastor. “Isso não é mencionado nas cartas, mas ele era um pregador muito fervoroso e questionava as hierarquias na frente dos operários”, diz Felipe Martinez, um dos organizadores das cartas para a novidade edição da 34.

Antes disso, ele trabalhou porquê galerista, profissão que depois seria de seu irmão, Theo. Apesar da boa instrução, era entre as classes mais baixas que Van Gogh dizia se sentir confortável, e foi entre os mineradores que relatou ter o “impulso” de riscar. Em seus primeiros anos porquê pintor, ainda na Holanda, os trabalhadores eram o foco de suas telas —é no período que nasce “Os Comedores de Batatas”, considerada por Van Gogh porquê sua obra prima antes de ir à França. Com cores escuras, o quadro retrata uma família de camponeses durante o jantar.

Rejeitado pela família por não seguir uma profissão considerada venerável e por iniciar um relacionamento com a prostituta Sien Hoornik, Van Gogh se sentia um pária —e foi na arte que encontrou um sentido para a vida. “O sonhador cai às vezes em um poço, mas dizem que ele retorna. Eu não daria um vintém pela vida se não houvesse nela um tanto infinito, um tanto profundo, um tanto verdadeiro”, escreveu ao irmão.

Ainda que com as energias renovadas, Van Gogh sofria com a marginalização dos artistas de sua idade, e reclamava incessantemente do mercado das galerias —que acusava de sobrepor o lucro ao real significado da arte, ainda que seu maior libido fosse conseguir vender obras em quantidade suficiente para sustentar uma vida confortável.

“No século 19, o artista deixa de ter um lugar muito definido na subdivisão social do trabalho”, lembra Martinez. Antes, os pintores tinham o papel de simbolizar ou de difundir uma mensagem com propósito definido, e com frequência trabalhavam para instituições ou pessoas poderosas. “Começa a associação do artista porquê louco, que não obedece às normas sociais, e no caso dele isso explode devido às crises.”

Quando se muda para Paris, em 1886, Van Gogh desistiu de ser leal ao mundo para se entregar à própria subjetividade, desempenado à teoria de fabricar uma verso própria através da pintura. É nesse momento que descobre o poder das cores, ou porquê ele próprio escreve, “que coisa imensa são o tom e a cor! E quem não aprender a sentir isso, porquê se afastará da vida!”.

Foi também em Paris que o pintor fez amizade com Henri de Toulouse-Lautrec, Émile Bernard e Paul Gauguin, antes de se mudar para Arles para pintar os efeitos do sol na natureza, influenciado pelos impressionistas. “Van Gogh pensava o impressionismo porquê dividido em dois grupos. Os antigos e ricos, porquê Monet e Degas, e aqueles ainda sem reconhecimento, porquê Bernard e ele próprio”, explica Veen. “Uma vez que o movimento não tinha um manifesto ou técnicas definidas, Van Gogh relaciona o impressionismo à inovação e a procura do artista por uma voz própria.”

Em uma de suas primeiras cartas a Bernard, Van Gogh aconselha o companheiro, ligado ao cloisonnisme, caracterizado por cores lisas e contornos escuros, a não se indispor com os pontilhistas. “Ele queria falar com o sumo de pessoas possíveis para trocar ideias sobre técnicas e cores”, diz Veen.

Além de sua assombro pela arte japonesa, em peculiar por Katsushika Hokusai, Van Gogh deu a Bernard descrições precisas sobre seu método de pintura, feita por “golpes irregulares” para tomar exclusivamente “o que é forçoso” e depois “limitar os espaços com contornos”.

O holandês desaconselhou o companheiro a se entregar à boêmia, que, segundo ele, atrapalhava a concentração no trabalho. “Pintar e fazer muito sexo não são coisas compatíveis”, assegurou. A Bernard, confessou sua maior inquietação: pintar um firmamento noturno. A tela seria parida só depois, para se tornar um marco da pintura ocidental.

Van Gogh insistiu para que Paul Gauguin, com quem trocava incessantemente esboços por epístola —incluindo “A Arlesiana”, que está no Masp—, fosse viver com ele em Arles, para fundar uma cooperativa de artistas. Gauguin se juntou ao companheiro por um pequeno e turbulento período de tempo. “Ele acreditava no progresso através da troca com outros artistas”, diz Veen.

Se Van Gogh estava plenamente consciente do que fazia, tampouco faz sentido a teoria de que ele não teria cometido suicídio, levantada em 2012 pela biografia “Van Gogh: A Vida”. Tanto para Veen quanto para Martinez, a história de que o pintor teria levado um tiro de dois rapazes e mentiu para acobertá-los é fraudulenta. Mormente porque carece de evidências, enquanto comentários sobre a morte e uma certa descrença em relação a vida eram constantes nas cartas do artista.

Der Veen, que foi responsável por um grupo de estudos sobre o pintor no Museu D’Orsay, também questiona a teoria de que Van Gogh nunca foi reconhecido em vida. “Ele morreu jovem”, diz, e pouco antes do suicídio, estava vendendo suas obras e foi reconhecido pela sátira em jornais importantes.

“O reconhecimento do século 19 era mais lento. A cor não chegava aos lugares porquê hoje, as impressões eram em preto e branco, e precisavam viajar a cavalo até os grandes centros”, argumenta Veen.

“O traje é que boa secção de suas crises tinham a ver com as condições de vida que ele tinha”, argumenta Martinez. “A dificuldade de ser aceito pelo mundo, de ter uma vida amorosa e profissional, dadas as condições que lhe foram impostas. Poderíamos facilmente imaginar uma pessoa na modernidade passando por isso.”

Não é difícil se identificar com as felicidades e angústias relatadas nas cartas, o que ajuda a explicar porquê Van Gogh se tornou um símbolo da cultura pop. “Ele tinha um propósito e ao mesmo tempo era vulnerável. Qualquer um pode respeitar seu trabalho, porque ele é feito de símbolos universais, porquê flores, o vento, as luzes, o firmamento. São coisas banais, mas ele às torna incríveis”, diz Veen.

“Andei por esse mundo por 30 anos para deixar em forma de gratidão uma memorial em esboço ou pintura”, escrevia Van Gogh em uma de suas últimas cartas a Theo. “Não para deleitar um ou outro movimento, mas para expressar um sentimento sincero”. O reconhecimento cabe muito ao pintor que viu a arte porquê uma missão.

Folha

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