A estatística dos gols marcados durante a Despensa do Mundo de 1994, antes da final, mostrava um terço nos primeiros quinze minutos. O Brasil não tinha feito nenhum desta maneira. Motivo para as manchetes de trinta anos detrás estamparem que Parreira queria cautela no primeiro tempo, para sentenciar no segundo. Técnico do tetra, Carlos Alberto Parreira dizia que não:
“Queremos sentenciar no início. Mas pode ser necessário ter paciência.”
Esta propriedade, paciência, não faltou ao treinador do tetra nos três anos em que dirigiu a seleção. Foi criticado por motivos justos e equivocados. Por perder pela primeira vez um jogo de eliminatórias, contra a Bolívia: Justo!
Por montar time retranqueiro e europeizado: Inverídico!
“Jogamos com risca de quatro zagueiros, saímos com globo no solo, sem chutões, trocamos passes, estilo brasílio”, dizia Parreira.
É marcante uma imagem na última semana da Despensa, em Fullerton, região metropolitana de Los Angeles. O assessor de prensa, Nelson Borges, improvisou uma entrevista coletiva no jardim do hotel. Parreira sentou-se em uma cadeira com as costas voltadas para uma parede de tijolos. Esticava o corpo para trás, protegendo-se da poviléu de jornalistas. Não alterava o tom de voz: “Vamos jogar nosso futebol. Troca de passes, estilo brasílio. A seleção não é europeizada.”
A sátira justa àquele time que tirou o Brasil de uma fileira de 24 anos sem a Despensa do Mundo é ter praticado um futebol macio. Retrancado, não. “A última secção dos treinos, chamávamos de treinamentos cháticos. Parreira fazia questão de montar os sistemas de coberturas. Se a globo entrasse nas costas do Branco, o Márcio Santos saía à caça, o Mauro Silva vinha no lugar do Márcio e isso se ensaiava do outro lado também, com o Jorginho cobrindo por dentro”, lembra-se o zagueiro Ricardo Rocha.
Inscrito com a camisa número 3, Ricardo foi o único beque a vestir a 10 da seleção, no Pré-Olímpico de 1987. A experiência fez dele um dos líderes do elenco, mesmo depois de tolerar lesão que o tirou de combate no primeiro jogo, contra a Rússia. Um ano antes, foi dele a teoria de todos os jogadores entrarem em campo de mãos dadas. Aconteceu no Recife, cidade em que nasceu, na revanche contra a Bolívia. Pelo segundo vez das eliminatórias, o Brasil venceu por 6 a 0 e não deixou de entrar de mãos dadas até o final da campanha dos Estados Unidos.
Ricardo Rocha é camarada de Romário, mas tem um debate ideológico com o craque do tetra. O Baixinho ironiza quem afirma que as derrotas trazem cicatrizes e ajudam a montar equipes vencedoras. “Nunca me fez aprender zero. Rota só traz tristeza.”
Outros nove jogadores presentes ao Mundial de 1990 afirmarão o contrário: “É que o Romário estava na suplente na Itália e não queria saber de zero. Perder quatro anos antes nos ajudou muito”, garante Ricardo Rocha, capitão sem braçadeira nos Estados Unidos, em 1994.
Há cinco anos, o craque do tetra faltou à comemoração dos 25 anos do título alegando que não iria em evento solene da CBF. No entanto, 19 dos 22 campeões organizaram outra celebração num hotel em Ipanema. Romário também não foi.
“Ele disse que viria e não apareceu”, lamentou Zinho, na idade.
Ninguém dirá publicamente, mas todos lastimam quando escutam que Romário ganhou a Despensa sozinho. “A gente comandava tudo. Fazíamos reuniões só entre os dez que tinham jogado em 1990. Não deixamos zero de ruim entrar no grupo. Nem jornal entrava na concentração”, diz Ricardo Rocha.
Mesmo assim, os experientes não suportavam as críticas, principalmente quando vinham dos campeões mundiais de 1970, uma vez que Gérson e Rivelino. Sentiam-se uma vez que se os velhos campeões tivessem o libido de se perpetuarem uma vez que os últimos orgulhos do futebol do Brasil. “Se você olhar muito, até a seleção de 1970 sofreu em alguns jogos. O time de 2002 teve problemas contra a Turquia, a Bélgica. O nosso time foi o único dos cinco que não sofreu para ser vencedor”, argumenta Ricardo Rocha.
“Tive certeza do título contra a Suécia, na semifinal. Tocamos a globo o tempo todo. Placar moral: 5 a 0 para nós. Ganhamos de 1 a 0, sem tolerar.” Ricardo diz que o Brasil chutou 30 vezes a gol. O gráfico da Folha no dia seguinte à semifinal mostra 25 finalizações, 11 delas certas. A seleção teve mais posse de globo do que o opoente em todas as partidas. Foi quem mais trocou passes.
Há uma diferença entre a posse de globo de Parreira e a atual escola de Guardiola, baseada em Cruyff e Rinus Michels. O catalão e os holandeses pressionam no ataque, mal são desarmados. O Brasil atrasava seus jogadores, para marcar detrás do meio de campo.
Nos dois casos, a preocupação é a posse de globo.
Parreira a preservou sempre e também contra a Itália, na decisão.
O primeiro encontro Brasil x Itália desde Telê, em 1982.
Já parou para pensar quanto foi o jogo em 1994? Brasil 3 x 2 Itália! O placar virado da guião no Sarriá, só que nos pênaltis, depois de empate por 0 a 0.
Trinta anos depois, ainda há quem reforce um falso dilema: lucrar uma vez que em 1994 ou perder uma vez que em 1982. Num país pentacampeão mundial, essa pergunta não faz sentido. Preferimos lucrar uma vez que em 1970 ou 2002, vencendo todos os jogos e com o melhor ataque.
Telê respondeu melhor, em sua poste na Folha durante a Despensa de 1994: “Não se trata de jogar muito ou vencer. Trata-se de jogar muito para vencer.”
O Brasil de Parreira jogou muito e venceu ao seu estilo.
Números da final
Brasil | Itália | |
---|---|---|
652 | Passes certos | 392 |
102 | Passes errados | 115 |
47min48s | Posse de globo | 31min10s |
13min59s | Tempo para repor a globo | 23min50s |
8 | Recuos | 7 |
70 | Bolas perdidas | 52 |
18 | Faltas cometidas | 18 |
9 | Finalizações certas | 3 |
13 | Finalizações erradas | 3 |
14 | Lançamentos certos | 6 |
15 | Lançamentos errados | 15 |
5 | Escanteios | 3 |
9 | Impedimentos | 3 |
Manadeira: Datafolha (publicado na Folha na edição de 18 de julho de 1994)
Os tetracampeões do Mundo
Goleiros
- Taffarel – Reggina (ITA)
- Zetti – São Paulo
- Gilmar – Flamengo
Defensores
- Jorginho – Bayern de Munique (ALE)
- Cafu – São Paulo
- Aldair – Roma (ITA)
- Márcio Santos – Bordeaux (FRA)
- Ricardo Rocha – Vasco da Gama
- Ronaldão – Shimizu S Pulse (JAP)
- Branco – Fluminense
- Leonardo – São Paulo
Meias
- Mauro Silva – Deportivo La Coruña (ESP)
- Dunga – Stuttgart (ALE)
- Raí – PSG (FRA)
- Mazinho – Palmeiras
- Paulo Sérgio – Bayer Leverkusen (ALE)
- Zinho – Palmeiras
Atacantes
- Bebeto – Deportivo La Coruña (ESP)
- Romário – Barcelona (ESP)
- Müller – São Paulo
- Viola – Corinthians
- Ronaldo – Cruzeiro
Treinador
A campanha do Brasil na Despensa de 1994
20.jun.94
Brasil 2 x 0 Rússia
24.jun.94
Brasil 3 x Camarões
28.jun.94
Brasil 1 x 1 Suécia
4.jul.94
Brasil 1 x 0 EUA
9.jul.94
Brasil 3 x 2 Holanda
13.jul.94
Brasil 1 x 0 Suécia
17.jul.94
Brasil (3) 0 x 0 (2) Itália