Durante sessão de autógrafos em uma livraria em São Paulo, em 2019, uma mulher perguntou a Elayne Baeta do que falava “O Paixão Não É Óbvio”, seu livro de estreia. É sobre uma jovem que se descobre lésbica, respondeu a escritora. A mulher logo cuspiu nela e se retirou.
Pouco depois, o livro viraria o primeiro best-seller juvenil com protagonismo lésbico a integrar a lista de mais vendidos da revista Veja.
A autora lésbica vendeu 100 milénio exemplares da obra e se tornou um fenômeno capaz de movimentar multidões de fãs. Junto ao sucesso, mas, vieram ameaças que a levaram a ter seguranças em eventos públicos.
Aos 27 anos, ela é a autora vernáculo mais vendida neste ano no selo Galera, da Record. Quando se considera todo o catálogo vernáculo da mansão, Baeta fica detrás só de Carla Madeira, de “Tudo É Rio”, e Ana Maria Gonçalves, de “Um Defeito de Cor”.
Em novembro, ela publica “Coisas Óbvias sobre o Paixão”, prolongamento do primeiro título. A pré-venda, na semana passada, está entre as três maiores da história da Record, com 15 milénio exemplares comercializados em unicamente 24 horas.
Baeta é uma das grandes atrações da Bienal do Livro de São Paulo, que começa nesta sexta-feira (6). Ela vai autografar livros e conversar com os leitores na noite de sábado (7), às 19h15.
O sucesso é o resultado de uma trajetória improvável. Desde pequena, a pequena inventava histórias para divertir os pais e amigos, mas a literatura nunca foi vista uma vez que uma possibilidade de profissão.
De origem humilde, no interno da Bahia, ela começou a trabalhar aos 12 anos. Foi vendedora em loja de bijuterias, ajudou em um reforço escolar dando aulas de inglês e até trabalhou em uma funerária, onde atendia o telefone e espanava os caixões quando preciso.
Os livros que Baeta lia na mocidade eram protagonizados por personagens heterossexuais e, para conseguir se enxergar nas histórias, ela trocava os nomes. Miguel e Daiane viravam Daiane e Larissa.
Foram os próprios leitores que, por meio de uma campanha nas redes sociais, apresentaram o trabalho dela à editora Record.
Tudo começou em 2017 quando, frustrada por não encontrar histórias lésbicas nas livrarias, ela decidiu produzir a própria. Com uma conta no Wattpad, rede de autopublicação, ela criou “O Paixão Não É Óbvio”, que teve mais de 450 milénio leituras na plataforma. Durante divulgação dos capítulos finais, a publicação foi interrompida por um tempo para a autora tratar um tumor no ovário.
A trama acompanha Íris, uma juvenil destrambelhada de 17 anos, que nutre uma paixão platônica por Cadu Sena. Ao desvendar que ele está solteiro, Íris começa a questionar o motivo que levou a namorada dele a trocá-lo por Édra Norr. Íris logo decide investigar a vida de Édra. Surpresa: elas se apaixonam.
Baeta queria um romance cômico, risonho, assumidamente clichê e de leitura conseguível. Sem saber referências literárias sáficas para se inspirar, ela construiu a própria história com exemplos do dia a dia.
Em entrevista à Folha, a escritora diz que se inspirou no humor teatral presente em “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, e buscou inspiração para o romance nas histórias —heterossexuais— da americana Meg Cabot, criadora da franquia “O Quotidiano da Princesa”.
“Dei esse tom cômico. É a história em que ninguém morre no final para meninas que gostam de meninas. Precisamos de livros com leveza porque a nossa existência já é pesada demais. Por exemplo, eu tenho que pensar o tempo todo na minha segurança, se eu vou passar por uma rua.”
Os livros de Baeta fazem segmento de um conjunto de publicações de livros juvenis com protagonismo LGBTQIA+. Ao lado dela, também há outros autores nacionais uma vez que Vitor Martins (“Quinze Dias”), Clara Alves (“Conectadas”) e Pedro Rhuas (“Enquanto Eu Não te Encontro”).
Baeta diz que o mercado tende a reduzir os autores não hétero a produções de um mesmo formato, o que sufoca a originalidade. “Deixa de ser risonho e vira uma coisa obrigatória. Eu não quero ser a super-herói da minha vida. Precisamos que todos sejam um pouco heróis, um pouco vilões, um pouco tudo, e que todo artista possa galhofar com isso e produzir arte sem esse peso.”
Firme uma vez que autora publicada, Baeta deseja produzir histórias em que a orientação sexual das personagens não seja a trama principal. “Eu quero uma história que, por contingência, a personagem seja lésbica. Quero grafar isso também.”